10 de setembro de 2015

UM PECADO EM CADA ALMA (THE VIOLENT MEN) – GLENN FORD ENTRE TIROS E PECADOS


Glenn Ford
Certa vez Glenn Ford fez esta afirmação: “Se eu pudesse escolher alguma coisa para eu fazer pelo resto da minha vida, eu faria somente westerns. Eu amo esse gênero tão menosprezado”. E quantos excelentes faroestes Glenn Ford estrelou, alguns aclamados pela crítica, outros, como ele diz, desprezados. E este é o caso de “Um Pecado em Cada Alma” (The Violent Men), mesmo apesar do elenco que conta com três grandes astros de Hollywood, o próprio Glenn, Barbara Stanwyck e Edward G. Robinson. O título criado pelo distribuidor brasileiro é típico dos anos 50 quando faziam sucesso as novelas radiofônicas com títulos tão dramáticos quanto as tramas das novelas. E “Um Pecado em Cada Alma” é um western com forte carga melodramática numa feliz combinação com uma história rotineira de poderosos contra os mais fracos. Para dirigi-lo foi chamado o austro-húngaro Rudolph Maté que, como cinegrafista, já havia trabalhado com Barbara Stanwyck (“Stella Dallas, Mãe Redentora”) e Glenn Ford (“Gilda”). Já Edward G. Robinson somente entrou no elenco para substituir Broderick Crawford que se acidentara ao cair de um cavalo no início das filmagens. Segundo conta Peter Ford, filho de Glenn, seu pai manteve um ligeiro romance com Barbara durante as filmagens. Glenn havia se separado da esposa Eleanor Powell e Barbara se divorciara de Robert Taylor e a recíproca consolação foi inevitável.


O império da Âncora e a imensa região
dos Wilkisons.
A destruição de um império - A história original, de autoria de Donald Hamilton, foi roteirizada por Harry Kleiner e é centrada no velho barão de gado Lew Wilkison (Edward G. Robinson). Wilkison objetiva possuir a totalidade das terras de uma extensa região e para isso usa de métodos nada lícitos para expulsar os pequenos criadores. Wilkison é aleijado e anda amparado por muletas, contando com a ajuda do irmão Cole (Brian Keith) para administrar seu império que tem o nome de ‘Anchor’. Martha Wilkison (Barbara Stanwyck) é a esposa de Lew, mulher que usa o cunhado não só como capataz mas também como amante. John Parrish é um ex-oficial da União ferido em combate e que procurou o Oeste para se recuperar, tendo adquirido uma fazenda que se tornou alvo dos Wilkisons. Inicialmente Parrish aceita vender suas terras ao barão de gado, porém a morte de um de seus vaqueiros o faz mudar de opinião. Inferiorizado numericamente diante do pequeno exército comandado por Cole, Parrish tem seu rancho incendiado, o que o leva, com seus poucos empregados, a enfrentar os homens de Wilkison. Utilizando táticas militares Parrish provoca baixas no grupo rival e consegue destruir a Fazenda Anchor, ateando fogo a ela. É quando Martha tenta provocar a morte acidental do marido Lew, que se salva das chamas a tempo de ver Parrish matar Cole em um duelo e Martha também encontrar a morte pelas mãos de uma namorada ciumenta do amante Cole. Parrish que tinha intenção de retornar ao Leste, decide unir suas terras às de Lew Wilkison, ficando com Judith (Dianne Foster) a filha do velho criador.

Barbara Stanwyck e Brian Keith;
Barbara Stanwyck e Dianne Foster
Romances e traições - Repleto de sequências de ação, com duelos leais e duelos covardes, emboscadas, confrontos entre grupos antagônicos numerosos, incêndios, debandada (stampede) de cavalos e gado, “Um Pecado em Cada Alma” já valeria pela movimentação excelentemente filmada por Rudolph Maté. Mas há ainda a história rotineira da disputa pelas terras, valorizada pelos triângulos amorosos, nada menos que três, um recorde para qualquer faroeste, não fosse esse um tema invulgar no gênero. A convivência adúltera entre Martha e o cunhado Cole; este mantendo um romance paralelo com a mexicana Elena (Lita Milan); e ainda o indisfarçado interesse de Judith por John Parrish que está prestes a se casar com Caroline Vail (May Wynn). Martha, espécie de Lady Macbeth, é uma daquelas criaturas diabolicamente interesseiras para quem não há limites para alcançar seus objetivos. Meio homem após um acidente sofrido numa disputa para ampliar seu domínio, Lew é enganado pela ardilosa esposa, assim como enganado é também seu irmão Cole, que também por interesse se deixa ludibriar por Martha. Alheio a praticamente tudo que se passa naquela região onde veio para curar seu pulmão perfurado por uma bala confederada, John Parrish descobre que a própria Caroline, por ele escolhida para esposa, nada mais pretende que sair daquele lugar que ela odeia. Mais que o amor que não tem por Parrish, seu casamento com ele significa o bilhete que a levará para outro tipo de vida.

Richard Jaeckel provocador e depois morto.

A sequência das muletas no incêndio.
Ódio no olhar e maldade na alma - Entre as muito boas sequências de “Um Pecado em Cada Alma”, a mais marcante é quando a casa grande da propriedade de Lew Wilkison é incendiada por John Parrish e o aleijado, que se encontra na parte superior da casa, pede desesperadamente que a esposa lhe dê o par de muletas. Os olhos de Martha (Barbara Stanwyck) adquirem então brilho odioso e ela atira as muletas nas chamas para que o marido não tenha chance de sobreviver. Rudolph Maté desenvolve “Um Pecado em Cada Alma” com habilidade delineando esplendidamente cada personagem, isto num filme relativamente curto (96 minutos) para tantas subtramas. Não falta neste western a figura do hipócrita xerife de nome Magruder (James Westerfield), conhecedor de leis das quais usa fartamente em sua argumentação na defesa dos interesses do poderoso criador Wilkison. A soldo do barão de gado está também o turbulento e frio assassino Wade Matlock (Richard Jaeckel), liquidando com requintes de sadismo aqueles que cruzam seu caminho. E John Parrish, insensível a princípio e implacável posteriormente, é uma superior criação de herói capaz de corrigir as injustiças aplacando a insaciável ambição dos Wilkisons. Se há um senão neste western é o final feliz um tanto forçado mas que não deixa de ser um alívio diante de tantos pecados em tantas almas.

Richard Jaeckel e a morte cruel de um vaqueiro.

Edward G. Robinson e Barbara
Barbara, má e poderosa - Barbara Stanwyck passa a primeira parte de “Um Pecado em Cada Alma” de modo discreto. Quando os conflitos aumentam a grande atriz tem outra atuação perfeita como mulher poderosa e má, tipo talhado para ela. Glenn Ford correto como de hábito brilha um pouco menos que Barbara e Edward G.Robinson, até pela força dos personagens destes. Dianne Foster desempenha uma jovem atormentada por saber do adultério entre a mãe e o tio e hostilizando John Parrish por quem se sente atraída. May Wynn e Lita Milan tem papéis menores e mesmo assim ambas têm oportunidade de boas sequências. O vasto elenco destaca Richard Jaeckel lembrando personagens que viveu em “O Matador” (The Gunfighter) e em “Galante e Sanguinário” (3:10 to Yuma) e James Westerfield ótimo como o  amoral xerife. Entre os muitos rostos conhecidos do elenco estão os veteranos Basil Ruysdael, Harry Shannon, Willis Bouchey, Frank Ferguson e Edmund Cobb.

Edward G. Robinson
Edward G. Robinson e os westerns - Nada justifica “Um Pecado em Cada Alma” ser praticamente ignorado por tantos autores de livros sobre westerns, bem como por sites que se dedicam a resenhas deste gênero. Não fosse pelo trio de atores principais, mas porque se trata de um western classe A, ainda que dirigido por um diretor de pouco renome. Ressentido por ter deixado de ser primeiro nome do elenco, pois vem atrás de Glenn Ford e de Barbara Stanwyck nos créditos, Edward G. Robinson declarou que este foi o primeiro filme em que atuou como coadjuvante. E aduziu que a película de Rudolph Maté era apenas um western-B. Edward, que de fato não mais voltaria a ser astro principal em nenhum outro filme, errou duas vezes: Lew Wilkison, o barão de gado inescrupuloso é tão ou mais importante na história que o herói John Parrish. Não só todos os demais personagens giram em torno do velho e ganancioso aleijado, mas também as melhores sequências dramáticas são aquelas em que Edward G. Robinson participa, colocando até mesmo Barbara Stanwyck em segundo plano. Parece que o grande ator de “Pacto de Sangue” e “Um Retrato de Mulher” não apreciava muito os faroestes, tanto que somente após 38 anos de carreira é que atuou em seu primeiro western. Robinson faria ainda mais três: “Crepúsculo de uma Raça” (Cheyenne Autumn), “Quatro Confissões” (The Outrage) e “O Ouro de Mackenna”, a desabonadora superprodução.

Brian Keith, Barbara e Edward G. Robinson.
Na linha dos melodramas - Alguns gêneros de filmes marcaram certas décadas, como o filme de gângster nos anos 30, o policial noir nos anos 40 e os melodramas nos anos 50. Este subgênero dos dramas se caracteriza pelo forte apelo emocional, não raro utilizando personagens vítimas de problemas físicos, muitas vezes reunindo amantes de diferentes classes sociais e invariavelmente abordando tragédias familiares. Entre os muitos títulos de sucesso desse tipo de filme estão “Tarde Demais para Esquecer”, “Suplício de uma Saudade”, “Amores Clandestinos” e os muitos melodramas dirigidos por Douglas Sirk naqueles anos. Quase todos eles embalados por um tema musical composto para cair no gosto do público. O western se aproximou do melodrama com “Almas em Fúria” (The Furies), de Anthony Mann; “Ao Despertar da Paixão” (Jubal), de Delmer Daves; “O Último Pôr-do-Sol” (The Last Sunset), de Robert Aldrich, este de 1961; e “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country), por sinal baseado também em livro de Donald Hamilton, mesmo autor do livro que deu origem a “Um Pecado em Cada Alma”. Dentre os faroestes melodramáticos citados, este filme de Rudolph Maté, mesmo sem ser uma produção de grande orçamento como “Da Terra Nascem os Homens” é um filme com perfeito equilíbrio entre ser um movimentado western com conteúdo melodramático.

As cavalgadas de Glenn Ford - “Um Pecado em Cada Alma” foi filmado nas muito conhecidas locações bastante de Old Tucson e Alabama Hills, em Lone Pine. O ex-diretor de fotografia Rudolph Maté certamente orientou os cinegrafistas W. Howard Greene e Burnett Guffey a conseguir as magníficas imagens com a majestosa Sierra Nevada resplandecendo por trás das rochas de Alabama Hills. O compositor Max Steiner obteve nada menos que 20 indicações para o prêmio Oscar de Melhor Trilha Sonora Musical, levando a estatueta para casa em três ocasiões. Nenhuma das indicações foi por um western, o que demonstra a pouca intimidade de Steiner com o gênero. Excessivamente sinfônica, com momentos de puro Wagner, a trilha composta para este filme caberia muito melhor em um épico e não num faroeste. O melodramático “Um Pecado em Cada Alma” é verdadeiramente clássico nesse tipo tão incomum de western e é ainda um dos preferidos do grande cowboy Glenn Ford que, além da boa atuação dá ao espectador algumas das mais belas cavalgadas do cinema.


Glenn Ford, espetacular cavaleiro.

Acima e abaixo estouro das manadas.


Pôsteres norte-americano, italiano e alemão de "Um Pecado em Cada Alma".

O pôster francês.

Pôsteres espanhol, e novamente  um italiano e um francês.
A cópia de "Um Pecado em Cada Alma" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.

4 comentários:

  1. Um clássico. Vigoroso, tenso. Poderosas atuações de Barbara e Robinson. Glenn, como sempre, brilha. Um bom western.

    ResponderExcluir
  2. Um clássico do faroeste. Elenco afiado, roteiro enxuto e direção segura. Destaco a interpretação de Barbara Stanwyck, que sabia fazer tão bem, como Bette Davis, o papel de mulher má ! Nota mil.

    ResponderExcluir
  3. Acabei de ver em DVD em box da Versátil. Gostei muito. Todos os atores estão muito bem em suas personagens. James Westerfield criou um magnífico xerife vendido aos poderosos. O xerife tem consciência de quanto está decaindo, pois ao aceitar ser corrompido, manifesta concordância com a fala, mas suas mãos o traem, girando nervosamente o chapéu.
    Ler os comentários do Darci sempre enriquecem a experiência de ver o filme.

    ResponderExcluir
  4. Grande Darci, como sempre definiu tudo muito bem, desta vez sobre este surpreendente faroeste subestimado que vi pela primeira vez ontem, uma das pérolas da era de ouro do gênero. Realmente Edward G. Robinson perdeu a oportunidade de ficar quieto ao palpitar sobre o filme. E é de se espantar que um ator com sua experiência não tenha conseguido enxergar a importância de seu personagem na história. Nobody is perfect... Aquele abraço!

    ResponderExcluir