5 de maio de 2015

QUANDO OS BRUTOS SE DEFRONTAM (FACCIA A FACCIA) – ÊXITO DE SERGIO SOLIMA


Sergio Sollima
Sergio Sollima afastou-se do curso de Direito atraído pela vontade de ser cineasta. Durante a II Guerra Mundial realizou alguns documentários e aos 30 anos de idade, em 1951, Sollima escreveu o primeiro roteiro para o cinema, o drama “Janelas Fechadas”. Pelos próximos dez anos Sollima continuou a escrever histórias e roteiros, boa parte deles para o ciclo que tinha como heróis Maciste, Ursus, Hércules e Golias. Até mesmo Spartacus viveu no cinema uma história escrita por Sollima. Esgotado o filão ‘Sandália e Espada’, Sollima passou para as imitações do Agente Secreto 007 criado por Ian Fleming, sendo que não só escreveu mas também dirigiu três filmes dessa nova onda cinematográfica. Em meados dos anos 60 um novo gênero enchia as salas exibidoras europeias, ou melhor, um subgênero, o western com características próprias que o diferenciava do modelo norte-americano. Sem perda de tempo Sollima passou a escrever e dirigir filmes do gênero que já havia consagrado dois outros Sergios: Leone e Corbucci. Em 1966 Sergio Sollima estreou no western spaghetti com “O Dia da Desforra” (La Resa dei Conti), sucesso de crítica e público; no ano seguinte, com “Faccia a Faccia” (lançado no Brasil como “Quando os Brutos se Defrontam”) Sollima mostrou que estava à altura de fazer parte do mais famoso trio de Sergios do cinema. O que diferenciava Sollima dos demais Sergios era o caráter essencialmente político de seus filmes.


Gian Maria Volonté e Tomas Milian
De professor a bandido - Escrito pelo próprio Sollima, e com roteiro do autor em parceria com Sergio Donatti, “Quando os Brutos se Defrontam” se passa durante a Guerra Civil norte-americana contando como Brad Fletcher (Gian Maria Volonté), um professor de História de Boston se vê forçado a deixar a cátedra para tratar da tuberculose. Fletcher ruma para o Texas em busca de clima mais quente e lá chegando trava contato com o bandido Solomon Bennet (Tomas Milian), conhecido como ‘Beauregard’. Fletcher se torna amigo do temido facínora, a quem acompanha, inicialmente como espectador, em ações criminosas, passando a viver num local chamado ‘Porto de Fogo’, esconderijo de bandidos. Faz parte do ‘Branco Selvaggio’ (bando de Beauregard) um estranho chamado Charles Siringo (William Berger) que é, na verdade, um membro da Agência Pinkerton de Detetives. A missão de Siringo é capturar Beauregard ou matá-lo se for necessário, isto devido aos assaltos a trens e bancos que o bandido cometeu. Pouco a pouco o tímido e pacífico Fletcher se torna violento, a ponto de se indispor com Beauregard que, pelo contrário, deixa de ser um bruto sanguinário. Fletcher assume o comando do bando anteriormente liderado por Beauregard e ao final tenta matar o agente da Pinkerton, sendo impedido por Beauregard que atira no ex-amigo. Charles Siringo desfigura um bandido morto para que ele passe por Beauregard Bennet que assim poderá começar vida nova longe do crime.

O professor de História em Boston; o fora-da-lei prisioneiro no Texas.

Tomas Milian e Gian Maria Volonté
Atração pela amoralidade - “Quando os Brutos se Defrontam” surpreende favoravelmente por não se tratar de mais um western sobre o eternamente visitado tema ‘vingança’. E mais ainda por não possuir personagens que os norte-americanos chamam de ‘bigger than life’, aqueles que se saem galhardamente de qualquer situação, sejam quais foram os perigos e inimigos, pouca importância dando à verossimilhança. Não há neste western de Sergio Sollima imbatíveis heróis (ou anti-heróis), preferindo o autor-diretor criar personagens humanos que se metamorfoseiam diante das novas realidades a que são submetidos. E essa é a tônica de “Quando os Brutos se Defrontam” em que o amoral e violento bandido se deixa influenciar pela concepção de mundo do homem que veio do Leste para, no Sudeste, tentar salvar o que lhe resta da vida. O débil professor, fisicamente destruído e que mal sabe empunhar uma arma, a princípio se estarrece com a crueldade do bandido mestiço impiedoso, absorvendo-a posteriormente. E o fora-da-lei observando detidamente os gestos de humanidade daquela figura insólita sofre reciprocamente uma alteração de comportamento que o distancia do homem mau sanguinário e desalmado. Em muitos outros filmes personagens frágeis e covardes se transformam, comumente, para consumar uma vingança movidos pelo ódio. O que teria levado Sollima a contar uma história de mútua e improvável simbiose?

Volonté e Milian

Gian Maria Volonté 
Cinema de ação e reflexão - Como não poderia deixar de ser, críticos ressaltaram neste western o viés político como metáfora ao nascimento do fascismo a partir da embriaguez do poder que se apossa do professor. Ao perceber sua força e liderança inconteste, Fletcher busca a devoção cega de seus seguidores que lhe permite o exercício do autoritarismo. O poder emana da prática cada vez maior da violência projetada e executada com fins de impor a vontade pessoal sobre os necessitados de uma liderança forte. Visto assim o filme de Sollima é mesmo uma perfeita cartilha fascista. E houve até quem percebesse em “Quando os Brutos se Defrontam” uma analogia com o nazi-fascismo nas figuras de Fletcher-Beauregard. Essas simplificações deixam em segundo plano a importância maior do filme de Sollima que é ter conseguido a um só tempo ser um western incomum e perfeito como entretenimento, quanto possível campo de reflexão e estudo sócio-político-psicológico.

Tomas Milian; Gian Maria Volonté e Tomas Milian
A transferência de identidade - A maestria de Sollima em mesclar ação e reflexão fica patente em algumas das sequências-chave do filme em admirável exercício cinematográfico expondo a desintegração moral de Fletcher. É quando Fletcher enfrenta homens rudes e armados para dar água para o prisioneiro Beauregard; em seguida Fletcher não se conforma com Beauregard se apropriar de uma quantia enviada por carta por um casal de idosos para o filho; mais tarde sua reação à simples menção da palavra ‘escravo’ em uma fazenda no sul do país; ou quando um mexicano adolescente atingido por um disparo durante um assalto a banco faz com que Beauregard se sensibilize e se esquive da ação, sendo preso por seu gesto hesitante; e ainda quando Fletcher assassina friamente um espião infiltrado em Porto de Fogo, não sem antes justificar a necessidade dessa morte; Beauregard se redimindo inteiramente de sua vida de crimes diante de Charles Siringo ao disparar contra Fletcher, pelas costas quando não havia outra alternativa finaliza inspiradamente a mescla ação-reflexão do cinema de Sergio Sollima. “O real Beau já não existe mais” sentencia Siringo sabedor que a tomada de consciência o transformou.

Face a face, Volonté e Milian - Para uma trama tão complexa como a de “Quando os Brutos se Defrontam” seriam necessários dois atores capazes de expressar as mudanças de comportamento de Fletcher e de Beauregard. Este foi o último western da brilhante carreira de Gian Maria Volonté e no qual ele teve em mãos o melhor de todos os personagens que interpretou no gênero, distante dos estereotipados mexicanos Ramón Rojo, El Índio e El Chuncho Muñoz. E Volonté não perde a oportunidade para confirmar seu talento dramático e presença aguda mesmo quando seu personagem exige que ele seja fraco e desalentado. Tomas Milian, desta vez bastante contido, é um ator de recursos muito inferiores aos de Volonté, além do que o roteiro faz de Beauregard uma figura demasiadamente previsível. Ficam para Volonté momentos destacados do filme, como quando a dança que contagia os membros da comunidade de Porto de Fogo é abruptamente cortada para que ele sacrifique o espião; e ainda quando Vance (Nello Pazzafini) agride Fletcher por este ter estuprado sua namorada. Volonté é um intérprete maior; Milian, apesar de ter cursado o Actors Studio é um ator satisfatório para os padrões menos exigentes dos westerns europeus.

Nello Pazzafini, William Berger e Aldo Sambrell

Tomas Milian e Frank Braña
‘Hole in the Wall’ em Almería - Um senão de aspecto histórico chama à atenção neste western com a presença do personagem Charles Siringo. Tendo nascido em 1855, o detetive da Pinkerton era durante a Guerra Civil uma criança, o que o roteiro não levou em consideração. Autor da maior parte do screenplay, Sollima claramente procurou fugir dos modelos dos clássicos norte-americanos, não resistindo porém em emular o famoso esconderijo ‘Hole on the Wall’ com seu ‘Porto de Fogo’. E lá os refugiados da lei formam uma simpática comunidade com a evocativa sequência de dança a la John Ford. O fracassado assalto ao banco remete ao frustrado assalto de Northfield (Minnesota) pelos irmãos Jesse e Frank James. Ennio Morricone compôs mais esta trilha musical o que é garantia de qualidade e eficiência, ainda mais quando se ouve a etérea voz de Edda dell’Orso. A cinematografia é creditada ao espanhol Rafael Pacheco, conseguindo mostrar os cenários de Almería de forma deslumbrante e fazendo movimentos de câmara contínuos sem jamais distrair o espectador.

Entre os melhores euro-westerns - Atenção para a metragem da cópia pois paralelamente à cópia com metragem original de 107’, circula a edição inglesa com 15 minutos a menos e que compromete a melhor compreensão do filme. Assim como nos westerns norte-americanos John Ford não deva servir de parâmetro para avaliação de um faroeste, o mesmo vale para Sergio Leone. Esquecendo-se dos westerns do extraordinário diretor romano, “Quando os Brutos se Defrontam” se alinha entre os melhores westerns spaghetti produzidos. Sem chegar a ser um marco cinematográfico, este é um western obrigatório de Sergio Sollima.

Gian Maria Volonté e Tomas Milian

Nas fotos menores Rosella d'Aquino e Carole André.



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