Acima William Riley Burnett e seu livro; abaixo Herbert J. Yates e Raoul Walsh. |
John Wayne passou quase dez anos
fazendo westerns B, até se tornar conhecido com “No Tempo das Diligências”
(Stagecoach). Mesmo assim o Duke ainda teve que ‘cumprir’ mais quatro pequenos
faroestes na Republic Pictures, interpretando Stony Brooke, um dos Three Meesquiteers (série do estúdio), ao lado
de Ray Corrigan e Max Terhune. Sob contrato com a Republic, Wayne foi emprestado
à RKO em 1939 para atuar no fraco “O Primeiro Rebelde” (Allegheny Uprising),
western passado nos tempos dos pioneiros, contracenando pela segunda vez com
Claire Trevor, a inesquecível Dallas de “No Tempo das Diligências”. Herbert J.
Yates, o chefão da Republic Pictures, havia decidido se aventurar no segmento
dos chamados filmes ‘A’, sem deixar de produzir as dezenas de deliciosos
westerns B que tinham público garantido. A história escolhida por Yates foi
“The Dark Command”, drama passado durante a Guerra Civil norte-americana, livro
escrito por W.R. Burnett (“High Sierra” “The Asphalt Jungle”, “Little Caesar”)
e lançado em 1938. Para não arriscar perder dinheiro, o mesquinho Herbert J.
Yates reuniu mais uma vez John Wayne com Claire Trevor. Para coadjuvá-los Yates
juntou ainda o mocinho Roy Rogers, prestes a se tornar ‘The ‘King of the
Cowboys’; o modelo de todos os sidekicks George ‘Gabby’ Hayes; e o galã
canadense Walter Pidgeon (emprestado pela MGM) que fazia sucesso em Hollywood. Ao
custo de 750 mil dólares, esse filme seria então a mais cara produção daquele
estúdio e para dirigi-lo foi contratado o veterano Raoul Walsh, que fazia
filmes desde 1913, um deles o épico “A Grande Jornada” (The Big Trail), de
1930, com um jovialíssimo John Wayne.
Claire Trevor nos braços de John Wayne observados por Walter Pidgeon, também abaixo ainda como professor no filme. |
Ascensão
do guerrilheiro sulista - “The Dark Command” teve seu título
traduzido literalmente no Brasil, sendo exibido como “Comando Negro”. Conta o
filme uma história com o personagem William Cantrell inspirada em William
Clarke Quantrill o lendário confederado que se tornou guerrilheiro saqueador.
Cantrell (Walter Pidgeon) é professor na cidade de Lawrence, no Kansas e tem
dois objetivos: casar-se com Mary McCloud (Claire Trevor) e ser eleito Marshal
da cidade. Mary é filha do banqueiro Angus McCloud (Porter Hall) e irmã de
Fletch McCloud (Roy Rogers). Os planos de Cantrell são atrapalhados por Bob
Seton (John Wayne) texano que chega a Lawrence e se interessa tanto por Mary
quanto pelo cargo de Marshal. Mesmo analfabeto e disputando o cargo com o
ilustrado professor, Bob Seton é eleito Marshal e impressiona Mary. Deflagrada
a Guerra Civil, o inconformado Cantrell se alista no Exército Confederado, logo
descobrindo que a pilhagem dos derrotados de ambos os lados rende muito
dinheiro, aumentado com o tráfico de escravos e de armas. Fletch comete um
crime e o íntegro Bob Seton não atende aos apelos de Mary para não levar Fletch
a julgamento, o que provoca o rompimento entre Seton e Mary. Cantrell forma um numeroso
exército e passa a ser procurado pela Justiça por suas atividades criminosas e
mesmo assim se casa com Mary. Seton não dá trégua ao saqueador que ao liderar
um ataque a Lawrence, incendeia a cidade, mas encontrando a morte num confronto
com Seton.
John Wayne e Claire Trevor; George 'Gabby' Hayes e John Wayne. |
O
amoroso analfabeto - Filmado em preto e branco e com
apenas 94 minutos de duração, a primeira meia hora de “Comando Negro” lembra
uma daquelas primorosas comédias dirigidas por Frank Capra, George Cukor ou
Howard Hawks nos anos 30 e 40. Diálogos rápidos e sarcásticos, por vezes
corrosivos mesmo, e um romance entre o par central (Wayne e Trevor) que tanto
diverte quanto enternece. Após o início saboroso a história se torna dramática
e repleta de ação, não faltando sequer uma queda de carroça, com pessoas e
cavalos, despencando de considerável altura num rio (quem pensou em Yakima
Canutt acertou). Lançado no mesmo ano de “A Estrada de Santa Fé” (Santa Fé
Trail), western de Michael Curtiz e tratando de tema semelhante, a diferença
maior entre os dois filmes é justamente a esplêndida e movimentada direção de Walsh.
Ainda que Quantrill (Cantrell) seja mostrado como um homem infame e
desprezível, o filme de Walsh é condescendente com a causa sulista pois o herói
Bob Seton é um texano escrupuloso e destemido. Ao final, quando William
Shakespeare é citado, o orgulhoso e ignorante texano Seton diz que “ele (Shakespeare) deve ter vindo do Texas”,
um dos exemplos do roteiro hilariante quando das falas do personagem Doc Grunch
(‘Gabby’ Hayes).
Gabby Hayes e Raymond Walburn; abaixo John Wayne e Walter Pidgeon. |
Orçamento
limitado de um filme brilhante - Walsh passa com sutileza das sequências
divertidas, entre elas quando Doc Grunch pede a Bob Seton que provoque brigas e
atinja seus adversários nos dentes (Gunch é dentista...), para momentos dramáticos.
Cantrell ouve sua própria mãe (Marjorie Main) lhe dizer que “O diabo caminha com ele, assim como
caminhou com seus irmãos mortos”. O ataque do exército de Cantrell à cidade
de Lawrence (fato real) é a sequência culminante deste western e na qual Walsh
demonstra seu magnífico domínio do ritmo cinematográfico. A perfeita
caracterização de personagens é outra virtude de “Comando Negro” salientando-se
o pusilânime juiz de Lawrence, o revoltado personagem sulista interpretado por
Trevor Bardette, os intimidados membros do júri e o jovem e inseguro Fletch
McCloud (Roy Rogers). A limitação de orçamento imposta pela Republic Pictures
não impediu que “Comando Negro”, ao invés de ser apenas mais um caprichado
western, se transformasse num agradável espetáculo.
O dentista Gabby Hayes e seu ajudante John Wayne; nas demais fotos Gabby Hayes em ação. |
Duke e Gabby; abaixo Duke e Roy Rogers. |
Triunfo
de John Wayne - São tantos os grandes filmes de Raoul Walsh que não é
exagero colocá-lo entre os mais importantes cineastas norte-americanos de todos
os tempos. E entre os principais filmes de Walsh destacam-se diversos westerns
clássicos, gênero que o veterano diretor dominava admiravelmente. “Comando
Negro” é, injustamente, um dos menos citados westerns da vasta filmografia de
Raoul Walsh e isso é curioso pois tem no elenco os nomes de John Wayne e Roy
Rogers. E o que torna “Comando Negro” ainda mais significativo é a brilhante
atuação de John Wayne, seguro, engraçado e longe do tímido Ringo Kid da
obra-prima de John Ford filmada em 1939. Costuma-se dizer que “No Tempo das
Diligências” fez a carreira de John Wayne deslanchar, o que não é de todo
errado. Porém foi como o cowboy Bob Seton de “Comando Negro” que o Duke
encantou público e crítica e confirmou as suspeitas que ele tinha tudo para se
tornar um grande astro. Wayne e Walsh nunca mais trabalharam juntos sendo este
o terceiro encontro de John Wayne com Claire Trevor, excelente como
sempre. Duke e Claire fariam outro filme juntos, "Um Fio de Esperança", em 1954.
Acima Roy Rogers; abaixo Roy entre Claire Trevor e Walter Pidgeon. |
Papel
sério para o Rei dos Cowboys -
Roy Rogers desempenha um difícil papel como o jovem irmão que se torna
assassino e não se sai de todo mal, prenunciando mesmo uma carreira nos filmes
A, o que acabou não acontecendo. Seu patrão Herbert J. Yates preferiu
transformá-lo no principal mocinho do estúdio, tarefa simples para Rogers que
esbanjava simpatia, elegância e força nos punhos. Com a ida de Gene Autry para
a guerra, Roy Rogers se consagrou como o Rei dos Cowboys, honraria que manteve
até o final das séries de westerns B, em 1953, migrando então para a televisão.
George ‘Gabby’ Hayes é incrivelmente perfeito como sidekick, o mais talentoso
que o gênero western teve. E neste filme ele está formidável fazendo rir em
todas as sequências que aparece como o doutor que arranca os dentes amolecidos
pelos punhos do seu ‘ajudante’ John Wayne. Walter Pidgeon interpreta
convincentemente o vilão Cantrell fugindo dos personagens decentes que
normalmente fazia nos filmes da Metro Goldwyn Mayer. O desfile de atores
coadjuvantes em “Comando Negro” é uma festa para os cinéfilos que gostam de ver
tipos característicos como Porter Hall, Marjorie Main e Raymond Walburn, ou
ainda rostos conhecidos em pequenas aparições como os de Trevor Bardette,
Richard Alexander, Harry Woods, Joe Sawyer, J. Farrell MacDonald e outros.
John Wayne |
Yakima
Canutt e Cliff Lyons – Realizado no tempestuoso momento
político em que se iniciava a II Guerra Mundial, “Comando Negro” foi um dos
grandes sucessos do cinema em 1940, dando muito lucro à Republic Pictures. Foi
indicado a dois prêmios Oscars – Trilha Sonora (Victor Young) e Direção de Arte
para filme preto e branco (John Victor MacKay) – não vencendo em nenhuma dessas
categorias. A cinematografia com grande número de sequências noturnas é de Jack
A. Marta. Outro destaque deste western é o trabalho dos doublês sob o comando
da dupla Yakima Canutt e Cliff Lyons, que dá um toque de filme B e de seriado a
“Comando Negro”. Note-se que o nome de John Wayne vem após o de Claire Trevor
nos créditos, como já havia acontecido nos dois outros filmes que fizeram
juntos, o que demonstra que a atriz era um nome mais forte que o de Wayne. Decididamente,
depois de seu trabalho neste western, John Wayne passou a chamar a atenção de
diretores importantes, entre eles Cecil B. DeMille que sem perda de tempo
assediou o jovem astro com propostas de trabalho em sua próximas elaboradas
superproduções. Bosley Crowther, crítico do ‘The New York Times’ não economizou
elogios à atuação do Duke. Este faroeste de Raoul Walsh é, sem dúvida, um dos
melhores filmes de John Wayne na fase inicial de sua carreira pós-westerns B e
um dos melhores entre aqueles que o Duke não foi dirigido pelo Mestre John
Ford.
John Wayne como 'Bob Seton' e uma das frases mordazes do roteiro. |
Darci, excelente postagem, como sempre. Ainda não assisti Comando Negro, mas coincidentemente já estou com o box Cinema Faroeste em mãos, lançado pela Versátil Home Vídeo, que contém este e mais outros cinco maravilhosos títulos.
ResponderExcluirMárcio/MG
Oi, Darci!
ResponderExcluirGosto bastante deste faroeste que assisti pela primeira vez numa sessão filmes legendados que a Band exibia nas madrugadas de domingo para segunda, na virada dos anos 2000, onde também assisti vários outras filmes com Wayne, como "O Lutador de Kentucky", "Rio Grande" e"Dakota". Concordo com você que o Duke está sensacional no nesta obra, esbanjando carisma, por isso que acho que o filme perde um pouco a força e o ritmo, na segunda parte, quando focam o enredo mais no vilão e no seu relacionamento com Claire Trevor, o personagem de Wayne só não desaparece porque aparece combatendo as investidas dos bandidos, principalmente na ótima cena da carroça despencando no rio com cavalos e tudo. Quem chama atenção também é Roy Rogers, que mostra talento dramático, que poderia torná-lo bem is que o "Rei dos Cowboys", podendo ser aproveitado em outros gêneros.
Faz um tempo que já não assisto "Comando Negro" e, infelizmente, não tenho uma cópia, mas pelo que me lembrava no final, o vilão Walter Pidgeon era morto e matava sua mãe (a ótima Marjorie Main), que, pelo que me lembro, diz várias vezes no filme algo como "ainda terei de impedi-lo um dia" para o filho. Pra mim uma cena tão forte quanto aquela de "Da Terra Nascem Homens" quando o pai Burl Ives mata o filho Chuck Connors. Sinceramente, não me lembrava que " Seton não dá trégua ao saqueador que ao liderar um ataque a Lawrence, incendeia a cidade, mas encontrando a morte num confronto com Seton". Devo estar ficando senil. Hehehe!
E Darci quando você escreveu, "este o terceiro e último encontro de John Wayne com Claire Trevor", estava se referindo num western e como par romântico, né? Pois eles se encontraram depois no aventura dramática aérea "Um Fio de Esperança" (1954), lançada em dvd aqui no Brasil pela Paramount.
Abraço!
Robson
Correto, Robson. Houve ainda "Um Fio de Esperança" (The High and the Mighy", de William A. Wellman, filmado em 1954, no qual John Wayne contracena com Claire Trevor, aí sim, pela última vez.
ExcluirDarci gostei da resenha, deve ser bom esse Western com John Wayne, dos primeiros da carreira dele, incluindo Roy Rogers, que teve muita fama, mas não tive tanta oportunidade de assistir seus filmes, hoje procuro aqueles indicados no blog, mas é difícil de encontrar. Parabéns amigo...Paulo, mineiro.
ResponderExcluirBrilhante!
ResponderExcluirAssisti hoje a este filme. Gostei de tudo, mas achei que a cena da carroça despecando no rio com os cavalos deveria ter sido filmada de longe e não de cima. E lembrando que antes deste filme, houve uma outra cena polêmica com queda de cavalo no rio, em "Jesse James" (1939), de Henry King.
Quanto ao comentário do amigo Robson, quem mata a mãe de Quantrill é um de seus capangas, e não ele próprio.
George "Gabby" Hayes rouba a cena em várias ocasiões como o divertido dentista e Wayne faz também uma brilhante atuação.
E diante dos fatos, de tantos filmes geniais de Raoul Walsh, incluindo este, não me resta outra conclusão de que o cineasta (assim como outros de seus colegas) foi injustiçado ao ser omitido do livro de Rubens Ewald Filho, "Os 100 Maiores Cineastas".
Um abraço ao Darci e a todos!