17 de março de 2015

TOMBSTONE: A JUSTIÇA ESTÁ CHEGANDO – VISITA DEFINITIVA AO EMBATE DO OK CORRAL


Com pinta de Sergio Leone, George
Pan Cosmatos dirige Buck Taylor e
Kurt Russell acima e Powers Boothe e
Michael Biehn abaixo.
É possível produzir um western com história superconhecida e inúmeras vezes levada à tela e que mesmo assim seja interessante? Alguém consegue imaginar um western baseado em fatos reais e que respeite a autenticidade dos eventos sem deixar de ser excepcionalmente movimentado? Pode um faroeste com numeroso elenco primar pela qualidade das interpretações de praticamente todos os atores? “Tombstone – A Justiça Está Chegando” (Tombstone), filme de 1993 dirigido pelo italiano George Pan Cosmatos, é a resposta afirmativa a todas essas perguntas. Cosmatos, falecido em 2005 aos 64 anos de idade, não iniciou o filme que começou a ser rodado por Kevin Jarre, também autor do roteiro. Jarre dirigiu as sequências em que Charlton Heston participa e logo ficou claro para todos que com Jarre na direção o filme teria enormes problemas. Os produtores dispensaram Kevin Jarre e tiveram dificuldade para substituí-lo, cogitando inclusive cancelar a produção. Kurt Russell filmou inúmeras sequências, fazendo com que a produção não sofresse interrupção, até que chegou George Pan Cosmatos para assumir a direção. Comenta-se que mesmo com a presença de Cosmatos, Kurt Russell continuou ‘dando as cartas’, não só como faz no filme seu personagem Wyatt Earp, mas orientando muitas sequências diante de um contrariado Cosmatos. Nas mãos de um ou de outro, o certo é que “Tombstone” resultou em um western bem sucedido artística e comercialmente.


Acima a chegada dos irmãos Earp (e esposas) em
Tombstone; abaixo Sam Elliott, Harry Carey Jr.,
Bill Paxton e Kurt Russell.
Tombstone, cidade refém de bandidos - Nesta versão dos eventos que antecederam e sucederam o tiroteio ocorrido no Curral OK, os irmãos Earp – Wyatt (Kurt Russell), Virgil (Sam Elliott) e Morgan (Bill Paxton) – chegam com suas esposas a Tombstone. Essa cidade vive um surto de crescimento devido à mineração e o jogo nos saloons oferece grandes oportunidades de enriquecimento a quem tenha visão. Tudo parece propício a um homem com as características de Wyatt Earp que logo se torna sócio do Oriental Saloon. Mesmo com a presença de um xerife e de um marshal (delegado federal), Tombstone é refém da sanha de um bando denominado ‘Os Cowboys’ liderado por Curly Bill Brocius (Powers Boothe). Entre as três dezenas de bandidos sob o comando de Brocius está o pistoleiro Johnny Ringo (Michael Biehn) e também Ike Clanton (Stephen Lang). Brocius assassina o marshal Fred White (Harry Carey Jr.) que é substituído por Virgil que designa Morgan como seu assistente. Os ânimos entre o bando dos 'Cowboys' e os irmãos Earp se acirram e ocorre um confronto no Curral OK que resulta na morte de três homens do bando dos 'Cowboys'. O jogador Doc Holliday (Val Kilmer) participa ao lado dos Earps. Estes se vingam matando Morgan, enquanto Virgil ferido no tiroteio do Curral OK parte de Tombstone. Ajudado por Doc Holliday e alguns amigos, Wyatt Earp caça os Cowboys exterminando-os e assim vingando a morte do irmão Morgan.

Montagem teatral em Tombstone com Dana
Delany interpretando o diabo.
Retrato da América - “Tombstone” é uma história que poderia ser transportada para outra época com os Cowboys atuando como uma espécie de máfia do Velho Oeste. Porém Wyatt Earp está longe de ser o policial impecável como eram os agentes do FBI. Wyatt faz uso da fama conquistada quando apaziguou Dodge City e sempre que necessário mostra que era justa a fama que carregava. Mesmo que para isso não disparasse um único tiro, preferindo que seus contendores sentissem o quanto dói uma coronhada bem aplicada no alto da cabeça. 50 anos antes dos tempos de Al Capone e outros bandidos igualmente notórios, Tombstone é uma cidade onde o único vício não é apenas a jogatina, mas um lugar onde se consome ópio, além das garrafas de whiskey esvaziadas às dúzias, boa parte delas sorvidas por Doc Holliday. Wyatt, cansado de ver a esposa dependente do láudano para aliviar suas dores de cabeça, se encanta com a frívola Josephine Marcus (Dana Delany), atriz de uma companhia que chega a Tombstone para levar um pouco de cultura àquele lugar que se expande. Aos problemas domésticos de Wyatt Earp soma-se aquele do qual ele quer se omitir, o do enfrentamento com os bandidos que aterrorizam Tombstone. Menos ambíguos que o irmão, Virgil e Morgan pensam diferentemente e não conseguem ser insensíveis à necessidade de proteção dos cidadãos da cidade. Objetivos pessoais à parte, fala mais alto o espírito fraterno e também a forte amizade de Wyatt com Doc Holliday. Os irmãos se unem, reforçados pelo jogador cuja tuberculose aparentemente apurou a destreza igual nas cartas e nas armas que carrega. Menos que ser uma história de desavença entre grupos, “Tombstone” e uma história sobre amizade, coragem e amor.

Os irmãos Earp Virgil (Sam Elliott) e Morgan (Bill Paxton; à direita Wyatt
(Kurt Russell) com o amigo Doc Holliday (Val Kilmer).

Wyatt e Doc em ação.
Duelo como ponto central - Inconformado com a presença dos Earps, agora homens da lei, o mais intempestivo dos Cowboys é Ike Clanton que desafia os irmãos para um confronto que se mostra desigual. Buscando a autenticidade, “Tombstone” encena um duelo com Ike Clanton desarmado, com Billy Clairbone fugindo apavorado do local e o quarteto com o distintivo na lapela disparando impiedosamente contra os irmãos Tom e Frank McLaury e ainda contra o jovem Billy Clanton. Poupado apenas Ike Clanton que consegue escapar com vida. Assim como já havia ocorrido em “A Hora da Pistola” (Hour of the Gun), filme de John Sturges de 1967, o confronto no Curral OK é um momento crucial mas não o epílogo da história. É, isto sim, gerador de desdobramentos que permite uma sequência de confrontos magníficos, ainda que sem atingir a beleza cênica daquele que teve como palco o Curral OK. Nenhum outro western chegou tão perto quanto “Tombstone” da magistral coreografia encenada por Sam Peckinpah nas sequências inicial e final de “Meu Ódio Será Sua Herança”. Transcorrido em menos de 30 segundos, o tiroteio do Curral OK prolonga-se na tela por quase dois minutos, graças à primorosa encenação e posterior meticulosa edição. E “Tombstone” prossegue até seu não menos violento desfecho.

Acima a caminhada para o OK Curral; nas fotos menores flagrantes do duelo.

Dana Wheeler-Nicholson com Kurt Russell;
abaixo Joanna Pacula e Val Kilmer.
Triângulo amoroso - A cinematografia de Jack N. Green cria momentos de rara beleza com cavalgadas e perseguições com armas disparando nas mais variadas posições, evocando a arte de Frederic Remington e Charles Russell, que certamente inspiraram os realizadores de “Tombstone”. E proporciona também a alegria dos admiradores dos westerns tradicionais. Este western tem esmerada direção de arte na reconstituição de época, excedendo-se até na riqueza dos trajes masculinos e mais ainda dos femininos (afinal onde eram guardados tantos e tão grandes vestidos que não economizavam nos tecidos?). Com cenas de ação perfeitas, realistas e emocionantes, o único ponto fraco do filme assinado por George Pan Cosmatos é o romance entre Wyatt e Josephine Marcus. A paixão de Wyatt pela atriz é parte da história real, tendo ambos vivido juntos por décadas, até o fim da vida de Wyatt. Porém o romance não é bem delineado no filme, soando inconvincente e atingindo a pieguice quando do encontro de ambos num cenário campestre digno de total falta de imaginação. Algo próximo do insípido encontro entre Burt Lancaster (Wyatt Earp) e Rhonda Fleming em "Sem Lei e Sem Alma" (Gunfight at the OK Corral). A impressão que fica para o espectador de "Tombstone" é que, por fugir do machismo dos confrontos masculinos, as relações entre Wyatt-Josephine e Doc-Kate (esta num grau menor) não foram levadas a sério pelos atores que, de resto, brilham intensamente durante o filme.

Powers Boothe e Michael Biehn.
A força dos vilões - Kurt Russell interpreta um Wyatt Earp intenso, ainda que convencional e mesmo assim o melhor entre todos levados à tela, desconsiderada evidentemente a sublime composição de Henry Fonda em “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine). Superior é o Doc Holliday de Val Kilmer, sofrido, cínico e elegante numa marcante performance. Sam Elliott e Bill Paxton completam bastante bem o quarteto principal, Sam com a sisudez e Bill com a inocência do mais jovem dos irmãos. O melhor, porém, das interpretações de “Tombstone” fica por conta dos vilões, sendo difícil apontar qual deles o melhor entre Powers Boothe, Michael Biehn e Stephen Lang. Boothe é o bandido mais frio, menos provocador que se excede apenas quando entorpecido pelo ópio, disparando freneticamente contra a lua para em seguida assassinar o marshal vivido por Harry Carey Jr.. Michael Biehn (Johnny Ringo), rival de Doc Holliday nos provérbios latinos, denunciando uma formação cultural inesperada para homens do Velho Oeste e com quem quer tirar a prova de ser mais rápido no gatilho. Stephen Lang é o mais delirante dos três bandidos, provocador e covarde apesar de ver sempre a morte por perto pelo longo cano do Colt Buntline de Wyatt Earp. Pequenas participações de Charlton Heston e Harry Carey Jr. e a narração de Robert Mitchum dignificam ainda mais este western. Billy Bob Thornton inteiramente diferente do ator que se tornou famoso, aparece acima do peso como o gorducho chefe de saloon humilhado por Wyatt Earp. Michael Rooker finalmente num papel simpático e Billy Zane devastador com sua feminina beleza conquistando o amedrontado e apaixonado Jason Priestley. Entre as mulheres Joanna Pacula se sai bem enquanto Dana Delany desperdiça um bom papel com sua inexpressividade.


Michael Biehn à esquerda e Stephen Lang à direita.

Ike Clanton (Stephen Lang) tendo seu rosto marcado pela espora de Wyatt Earp.

Kurt Russell e seu Colt Buntline.
Versão definitiva do lendário tiroteio - Filmado quase que inteiramente na cidade cenográfica de Old Tucson, no Arizona, “Tombstone” custou 25 milhões de dólares, alcançando uma receita de 56 milhões de dólares apenas no mercado norte-americano. Lançado em VHS e depois em DVD, este western jamais parou de ser vendido, sendo item obrigatório em qualquer coleção de fãs do gênero. Sem a mesma pretensão de “Wyatt Earp” produzido um ano depois ao custo de 63 milhões de dólares (rendeu 25 milhões apenas), “Tombstone”, ao que tudo indica é a versão cinematográfica definitiva do tiroteio ocorrido em 26 de outubro de 1881 no Curral OK. Como foi dito no primeiro parágrafo, “Tombstone” é acurado, movimentado e bem interpretado. Não atinge o status de obra-prima, mas é seguramente um dos westerns que se assiste com mais prazer e que cresce a cada revisão.


Frases famosas de "Tombstone" expressas por Wyatt Earp (Kurt Russell).

O entorpecido Curly Bill Brocius (Powers Boothe) atirando contra a lua e
prestes a assassinar o marshal Fred White (Harry Carey Jr.).

Michael Rooker, Val Kilmer, Buck Taylor e Peter Serayko;
Charlton Heston e Val Kilmer.

Sequência em que Johnny Ringo (Mihael Biehn) faz exibicionismo com seu revólver.

Val Kilmer (Doc Holliday) e Wyatt Earp (Kurt Russell).

6 comentários:

  1. Oi, Darci!
    Daquela grande safra de bang-bangs do início dos anos 1990, com certeza "Tombstone", junto com "Dança co Lobos" e "Imperdoáveis", é um dos poucos que se tornou um clássico moderno do gênero. E estamos de acordo que Kurt Russel é o segundo melhor Earp, pois Henry Fonda é imbatível e sublime com sua versão cavalheiresca. Destaco também a ótima main theme (https://www.youtube.com/watch?v=e6wwMCZhIV0) da trilha composta por Bruce Broughton ("Silverado"), que se inicia com tambores graves e "dramáticos", se convertendo aos poucos para um tom épico e heroico, mas sempre sóbrio, representando perfeitamente o ritmo do filme, e que fica maravilhosamente representada nos créditos finais quando tocada junto a reprise da cena dos quatro heróis caminhando para o duelo no OK Curral.
    Darci nas suas pesquisas você descobriu se há alguma veracidade no que é dito no final da narração do filme, que Tom Mix chorou no funeral de Earp? Alias, Mix e Earp chegaram a ser amigos? Pois, além do que é dito ao final de "Tombstone", ainda tem aquele filme, "Assassinato em Hollywood", que, tirando a óbvia trama fictícia de crime e mistério, sugere que houve uma forte amizade entre astro Mix (Bruce Willis) e o aposentado homem-da-lei Wyatt Earp (James Garner, repetindo papel dele em "A Hora da Pistola", mas num tom mais cômico).
    Abraço.
    Robson

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  2. Robson, tudo que se lê sobre Tom Mix deve receber o devido desconto uma vez que ele era o maior mentiroso de Hollywood. Mas talvez tenha mesmo estado no funeral de Wyatt earp, até como forma de se promover mais um pouco. Faz uns 20 anos ou mais que assisti "Assassinato em Hollywood" e lembro que não gostei do filme, apesar de ser fã de James Garner. Se Wyatt Earp era de fato amigo de todos que se disseram seus amigos, o ex-marshal era mesmo muito popular... - Abraço do Darci.

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  3. Olá Darci, como eu disse no face, ótimo trabalho seu, muitos detalhes desse clássico , a gente vê a diferença nos impactos dos tiros e, da câmera lenta, muito bem feito. Agora, os detalhes revelados em seu trabalho, cheios de curiosidades, enriquece ainda mais o filme. Como eu disse, fiquei procurando o Charlton Heston, e duvidei que ele era o fazendeiro que atendeu Doc. Darci estava lembrando também, da presença do Kurt Russell, ainda menino, no filme As Armas do Diabo, com Charles Bronson. O garotinho já era esperto. Abraços amigo Darci.

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  4. Darci, eu disse que enriquece o filme porque, quando eu vou assistir a um filme,e fico sabendo de detalhes interessantes do elenco, eu fico com maior expectativa, e marca mais o trabalho do filme. Parabéns Darci.

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  5. Esse Ike Clanton é bem diferente ou o personagem não foi bem explorado nesse filme, Sendo que em "SEM LEI E SEM ALMA" e em "A HORA DA PISTOLA" esse personagem teve mais relevância e era o líder do Cowboys.

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    1. Esse é um filme pipoca. Filme de ação. Não é muito na pegada drama histórico. É só entretenimento

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