1 de fevereiro de 2015

CAVALGADA PARA O INFERNO (THE LAST OF THE FAST GUNS) – WESTERN COM LORNE GREENE


Linda Cristal e Lorne Greene
Antes de se tornar célebre como Benjamin Cartwright, Lorne Greene havia interpretado, entre outros personagens, São Pedro, Júlio César, Beethoven e Othello no cinema e na TV. Greene foi depois o promotor do julgamento em “A Caldeira do Diabo” (Peyton Place) e o ator canadense havia participado até então de somente dois westerns para o cinema, o primeiro deles “Desforra Fatal” (The Hard Man), estrelado por Guy Madison, em 1957. No ano seguinte Lorne Greene fez parte do elenco de “Cavalgada para o Inferno” (The Last of the Fast Guns), em que não foi o pistoleiro do título original, papel que ficou para Jock Mahoney. Porém Greene, nesse faroeste da Universal International, viveu um personagem que de certa forma se assemelha ao patriarca de La Ponderosa. As histórias simples da série “Bonanza” nem de longe lembram a trama misteriosa de “Cavalgada para o Inferno”, escrita para o cinema por David P. Harmon sendo o filme dirigido por George Sherman. A impressão que fica é que Harmon escreveu esta história imaginando que ela se passasse num cenário urbano de filme noir, algo próximo de “A Marca da Maldade” (Touch of Evil), uma das obras-primas de Orson Welles. É de tal forma intrincado roteiro de “Cavalgada para o Inferno” que o espectador desatento, acostumado com histórias rotineiras, corre o risco de ficar como Howard Hawks que confessou não ter entendido direito o aclamado policial noir “À Beira do Abismo” (The Big Sleep) que ele dirigiu.


Carl Benton Reid e Eduard Franz
Em busca de um homem no México - Em “Cavalgada para o Inferno”, Brad Ellison (Jock Mahoney) é um pistoleiro contratado por John Forbes (Carl Benton Reid) para localizar o irmão deste, Edward Forbes que foi para o México e nunca mais retornou. Ellison receberá 25 mil dólares pela empreitada, dinheiro suficiente para que ele concretize seu sonho de aposentar seu revólver e viver tranquilo num rancho sem ser reconhecido. John Forbes é velho e inválido e quer encontrar o irmão para que suas posses não fiquem para seu detestado sócio nos empreendimentos que tem. A única pista fornecida por John Forbes é uma moeda rara igual à que seu irmão ganhou quando ambos eram crianças. Todas as pessoas a quem Ellison pergunta sobre Edward Forbes (Eduard Franz) são imprecisos nas informações, todos, porém, concordando que ele está morto e sepultado em alguma montanha mexicana. Ellison chega até Michael O’Reilly (Lorne Greene), proprietário de terras no México, próximo à fronteira. O’Reilly apresenta a Ellison seu capataz Miles Lang (Gilbert Roland) que leva Ellison aos locais por onde o desaparecido Forbes teria passado. Ferido por um mexicano, Lang é socorrido por um homem chamado Padre José que é misto de padre e médico. Padre José possui a moeda idêntica e sua verdadeira identidade é revelada, mas Miles Lang pretende matá-lo pois isso interessa ao sócio de John Forbes que vive em San Antonio. Brad Ellison enfrenta Miles Lang que morre caindo de um despenhadeiro. Decide então o pistoleiro Ellison viver no México, certamente com a filha de O’Relly, a bela Maria (Linda Cristal).

Duelos frustrantes - O título nacional “Cavalgada para o Inferno” é bastante apropriado à história pois o que espera por Brad Ellison em sua aventura mexicana é uma infindável sucessão de atentados contra ele em razão de sua busca. Já o título original é um daqueles embustes para atrair o público acreditando que assistirá a alguns duelos com a participação do ‘último dos gatilhos ligeiros’. Já na sequência que abre este western, o pistoleiro Ellison enfrenta e mata um desafiante, sem que o espectador comprove que seja ele de fato rápido no gatilho. Antes do duelo há um corte e a imagem mostra uma sepultura cavada num cemitério com Ellison sobrevivendo a mais um confronto. Em pleno México Ellison encontra os foras-da-lei Johnny Ringo (Lee Morgan) e James Younger (Milton Bernstein) informando-os que Jesse James e Billy the Kid estão mortos. E na condição de remanescente entre os lendários pistoleiros, Brad Ellison tem que enfrentar o ardiloso Miles Lang que não é páreo para ele. Ellison deixa o revólver de lado e enfrenta Miles Lang armado de uma boleadeira, instrumento que os gaúchos usam com perícia. E Ellison é um expert no uso da boleadeira, com ela derrubando Lang que desaba precipício abaixo. Assim como no início do filme, o expectador se frustra sem ver um único duelo autêntico como sugere o título.

Jock Mahoney dispensa os revólveres e usa a boleadeira.

Lorne Greene e Linda Cristal
Faroeste com saques mas sem beijos - Injusto seria dizer que não há duelos em “Cavalgada para o Inferno”, pois Ellison se mostra mais rápido que um desatento mexicano que tenta roubá-lo. E há sim o inusitado confronto travado entre o pistoleiro Ellison e um personagem chamado Sam Grypton (Edward Platt). Com os revólveres ao alcance das mãos, um em cada ponta de uma grande mesa, dispensado o tradicional saque, Ellison dá uma chance ao oponente e faz jus ao que se espera do ‘último dos gatilhos rápidos’. Mas as frustrações deste western de Sherman não acabam nos duelos pois ainda há o romance entre Brad Ellison e Maria O’Reilly em que a insinuante mestiça não consegue arrancar um beijo do pistoleiro. Mesmo com Linda Cristal irresistível como sempre. Ao final Ellison opta por seguir para a hacienda de Michael O’Reilly, acompanhando a charrete em que está a bela Maria.

Acima o duelo (Jock Mahoney X  Edward Platt) com os revólveres sobre a
mesa; Mahoney e Linda Cristal; Edward Platt lembrando Lee Marvin.

Diálogos ambíguos entre o
pistoleiro (Jock Mahoney) e o
capataz (Gilbert Roland).
Diálogos de primeira - O que de melhor “Cavalgada para o Inferno” apresenta é a trama incomum para um faroeste e, como nos bons filmes noir, recheada de diálogos inteligentes. Se em “Relíquia Macabra” havia o célebre Falcão Maltês, neste western a referência seriam as moedas cunhadas em 1874.  Humphrey Bogart diria com satisfação e Raymond Chandler ou Jules Furthman assinariam muitas das respostas dadas por Jock Mahoney, infelizmente, sem a necessária expressividade. Gilbert Roland, este sim, se apresenta cínico o suficiente com a eterna cigarrilha nos lábios. E o western de George Sherman, mesmo com muitos diálogos, funciona bem justamente pela criativa trama e pela causticidade  das falas, num filme onde não há espaço para os lugares comuns pronunciados pelos personagens. Nem mesmo os simplórios mexicanos, ao acuar um gringo, dizem a ele com ironia que “não passam (eles mexicanos) de seres ignorantes”. O roteiro só não é perfeito por tentar criar a figura mítica do Padre José, que renunciou a uma vida confortável para se embrenhar pelas montanhas e ter como amigos os camponeses. Isto depois de conhecer boa parte do mundo, tendo vivido em lugares como Paris e Cingapura. Muitos são os exemplos de pessoas que renunciam aos prazeres da vida burguesa para adotar hábitos verdadeiramente franciscanos, falham, no entanto o roteiro de David P. Harmon e a direção de Sherman, ao criar um personagem inconvincente em sua filosofia de vida.

Jock Mahoney e Gilbert Roland falando sobre o misterioso Forbes.

Linda, Lorne, Gilbert e Eduard Franz;
abaixo Jock Mahoney e Lorne Greene.
Linda Cristal vista de longe - Lorne Greene tem participação pequena porém marcante, ele que não era ainda o nome de respeito que viria a ser dentro de poucos anos com o sucesso da série “Bonanza”. Jock Mahoney, que também estrelou séries próprias para a televisão – “The Ranger Rider” (1951-1953) e “Yance Derringer” (1958-1959) é o pistoleiro das boleadeiras. Lembrado sempre como dublê de Charles Starrett na série “Durango Kid”, Mahoney exibe pouco da sua excepcional habilidade física em cenas de ação. Gilbert Roland é o vilão da história não perdendo a oportunidade de tomar tequila com sal e limão, como fazia nos seis filmes que estrelou como Cisco Kid nos anos 40, nos quais a cigarrilha completava sua rude imagem. A argentina Linda Cristal, em seu segundo filme norte-americano (o primeiro foi “Comanche”, com Dana Andrews), interpreta um personagem sem nenhuma relevância, criado apenas para agradar os espectadores com seu belo rosto e formas atraentes. Numa sequência em que está nadando num rio, a câmara comportada demais a filma de uma distância em que nada se vê do corpo de Linda. Edward Platt se esforça para parecer um bandido traiçoeiro. E a Eduard Franz falta o carisma necessário para que se acredite seja ele capaz de ser adorado pelos colonos mexicanos que vivem nas montanhas.

Gilbert Roland tomando tequila ao estilo de seu Cisco Kid dos anos 40.


Faltou um astro verdadeiro - Filmado em Technicolor e em Cinemascope, “Cavalgada para o Inferno” é uma agradável, ainda que imperfeita surpresa. Com grande parte das locações em Cuernavaca, em Morelos (México), impressionam as construções seculares com arquitetura mexicana, cenário que valoriza ainda mais o filme. A música de Hans J. Salter e Herman Stein é outro ponto alto deste pequeno western que, com um astro de maior magnitude no papel principal, certamente teria tido repercussão muito maior e mais justa. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário