29 de dezembro de 2014

A VINGANÇA DE UM PISTOLEIRO (HIGH NOON), REFILMAGEM DE MATAR OU MORRER


Acima Grace Kelly e e Gary
Cooper; abaixo Susanna
Thompson e Tom Skerritt.
Em 2000 a TV norte-americana decidiu produzir uma refilmagem de "High Noon" (Matar ou Morrer) e essa versão recebeu no Brasil o título "A Vingança de um Pistoleiro". Praticamente uma cópia do célebre western de 1952, com pequenas e não muito significativas alterações, este filme dirigido por Rod Hardy não deixa de despertar interesse. Carl Foreman, autor do polêmico roteiro original havia falecido em 1984, mas deixara pronto um screenplay para ser produzido para a televisão, roteiro esse que ficou esquecido durante longo tempo. “Matar ou Morrer” dirigido por Fred Zinnemann recebeu quatro prêmios Oscar (Ator, Edição, Canção Original e Trilha Sonora) e ainda concorreu em outras três categorias (Filme, Diretor e Roteiro), mas não se tornou uma unanimidade. John Wayne e Howard Hawks, por exemplo, detestaram o filme de Zinnemann entendendo que ele depunha contra a América e contra os norte-americanos. Quase 50 anos depois e distante da questão política da denúncia da perseguição do Macarthismo, seria no mínimo curioso ver o tratamento dado à clássica história. E há ainda os aspectos técnico e estético pois os westerns modernos diferem enormemente daqueles realizados décadas atrás. E o “High Noon 2000”, cuja metragem corresponde ao tempo real em que se desenvolve a ação, não decepciona, tendo a seu favor vários aspectos positivos.


O desespero começa a tomar conta
de Will Kane.
À espera da lealdade - A história do Marshal de Haddleyville chamado Will Kane é bastante conhecida e permaneceu inalterada na refilmagem. No dia de seu casamento e após deixar o cargo, Will Kane é avisado que Frank Miller deve chegar à cidade ao meio-dia para um acerto de contas com o Marshal. Kane foi o responsável pela prisão de Miller que inicialmente condenado à morte viu sua pena transformada em prisão perpétua e posteriormente comutada. Três comparsas de Miller o esperam na estação de Haddleyville e outros dois acompanham o ex-condenado, totalizando seis homens cujo objetivo é matar Will Kane. Haddleyville deve muito a Kane que tornou possível a prosperidade e tranquilidade do lugar mantendo a lei e a ordem. Devido a isso o Marshal acredita contar com a ajuda de parte da população, em número suficiente para enfrentar Frank Miller. Porém pouco a pouco Kane percebe que não terá nenhuma ajuda dos amedrontados habitantes da cidade, nem mesmo daqueles que horas antes externavam admiração pelo Marshal. O bando de Miller se reúne ao meio-dia e é enfrentado pelo solitário Kane que termina por levar a melhor liquidando o grupo de malfeitores e deixando para sempre Haddleyville.

A ilusão de Will Kane (Tom Skerritt),
abaixo com Dennis Weaver.
Um estudo da covardia - Menos que a própria trama, o que mais importa em "A Vingança de um Pistoleiro", assim como havia sido em “Matar ou Morrer” é o estudo da covardia em grau maior e da ingratidão em grau menor. Toda a pequena cidade se deixa atemorizar pela chegada do homem mau que visa unicamente a vingança. Ele é poderoso e se cerca de asseclas tornando-se ainda mais amedrontador. Desde o mais simples habitante de Haddleyville, até os bem sucedidos empresários, passando pelo juiz e pelo vigário se deixam intimidar sem que isso lhes trouxesse qualquer vantagem, a não ser a sobrevivência. Postar-se ao lado de Will Kane (Tom Skerritt), mesmo concordando intimamente com tudo que ele faz e diz, significa arriscar a vida, bem muito mais caro que a própria dignidade humana para o povo de Haddleyville. Assim como a fúria sempre toma conta de uma turba, a covardia costuma se apossar de homens desprovidos de honradez. O exemplo melhor desse tipo de conduta, entre tantos mostrados no filme, é o do cidadão que se esconde dentro de sua própria casa e manda a mulher dizer a Kane que está ausente. A esposa indignada com a covardia e a ingratidão do marido constrangida mente ao homem que, uma hora antes, abraçava na cerimônia de casamento.

Dennis Weaver acime a e o revólver
de Frank Miller abaixo.
Onde impera a tibieza - Em "A Vingança de um Pistoleiro" o isolamento de Kane só não é total porque o adolescente Billy (Noel Fisher), de 14 anos, se esforça para que o Marshal aceite sua ajuda. O Deputy Harvey Pell (Reed Diamond) quer que Kane saia de Haddleyville para assumir o cargo de Marshal, que cobiça indisfarçadamente. Os donos do hotel e do saloon não gostam de Kane porque ao impor a lei e a ordem, o Marshal fez com que os negócios despencassem em Haddleyville. A turbulência atraía gente de fora para a cidade mantendo o saloon e o hotel lotados. A tibieza de cada cidadão de Haddleyville é justificada com argumentos individualistas melhor traduzidos por covardia mesmo. O ex-Marshal Mart Howe (Dennis Weaver), envelhecido e amigo de uma garrafa, foi uma das inúmeras tentativas de Kane em busca de ajuda, resultando em outra recusa, apenas menos humilhante. Mesmo Amy (Susanna Thompson), a esposa de Kane decide deixá-lo por não aceitar o gesto do marido. Demovida dessa intenção por Helen Ramirez (Maria Conchita Alonso), é Amy que acaba participando do encontro desigual entre Kane e Frank Miller (Michael Madsen) e seus homens. As sequências entre Helen Ramirez, Amy e Kane estão entre as melhores de "A Vingança de um Pistoleiro".

Maria Conchita Alonso
A provocante Señora Ramirez - Esta história publicada originalmente sob o título “The Tin Star” (A Estrela de Lata), de autoria de John W. Cunningham, foi adaptada para o cinema por Carl Foreman. Uma das vítimas do Macarthismo, vendo seus amigos não só o abandonarem, mas também denunciarem simpatizantes do comunismo, Foreman imortalizou a figura sofrida de Will Kane. Em “Matar ou Morrer”, até porque estava em plena vigência o Código Hays que limitava a abordagem de assuntos como relações de amizades íntimas, não ficaram bem configurados os sentimentos entre Kane e a Senhora Ramirez. Em "A Vingança de um Pistoleiro", cria-se um triângulo amoroso com a ainda viva paixão de Helen Ramirez por Kane que, por um instante, hesita entre o amor antigo e a esposa com quem se casou. Helen é uma mulher sedutora e com poucos escrúpulos quando se trata de conquistar algum homem desde que isso ajude em seus intentos, ela que é também mulher de negócios. Fazem parte do histórico de conquistas da Senhora Ramirez o Marshal Will Kane, Harvey Pell (seu amante atual) e Frank Miller (de quem ela foi amante). A suavidade e pureza da ‘quaker’ (membro de família religiosa) Amy contrasta com a voluptuosidade de Helena Ramirez, provocante em seus trajes, olhares e corpo atraente. Para fugir de Haddleyville as duas mulheres embarcam no mesmo trem. Amy para não ver o marido morrer; Helen inconformada e envergonhada com o tipo de pessoas que vivem naquela cidade.

Susanna Thompson ótima
como Amy Kane, usada como
escudo por Jim Shield.
Nenhuma saudade de Grace Kelly - Para "A Vingança de um Pistoleiro" foi utilizado um tipo de processo de filmagem que cria a impressão de passado, num colorido pouco nítido. Os belos cenários de Calgary, cidade da Província de Alberta, no Canadá, lembram bastante os cenários escolhidos por Clint Eastwood para o belíssimo “O Cavaleiro Solitário” (Pale Rider). Esta versão de “High Noon” não fez uso da premiada trilha musical do filme de 1952, ouvindo-se apenas uns poucos acordes na abertura que lembram os acordes iniciais de “Do Not Forsake Me Oh My Darling”. Tom Skerritt moldou seu personagem tendo como modelo a interpretação de Gary Cooper e Skerritt se sai admiravelmente bem. Sóbrio, triste, desesperançoso como Will Kane deveria ser, Skerritt  é acompanhado pelas boas atuações de Maria Conchita Alonso e Susanna Thompson. Esta última não deixa nenhuma saudade da glacial Grace Kelly, enquanto a cubana de nascimento Maria Conchita Alonso (ex-Miss Venezuela) tem dimensionado o papel de Helen Ramirez, comparativamente àquele feito por Katy Jurado. Se Katy era mais vulcânica, Conchita é mais bonita e também atraente. Michael Madsen é um ator de presença mais forte que Ian MacDonald (o Frank Miller da versão de 1952), mas fica pouco tempo na tela, participando apenas da sequência do showdown final. Dennis Weaver tem pequena participação no papel vivido anteriormente por Lon Chaney Jr.

Michael Madsen como Frank Miller


Revisitando os clássicos - “Matar ou Morrer” é um dos grandes faroestes de todos os tempos, obra-prima do gênero e que não admite comparação com esta refilmagem feita para a TV. Mesmo assim e apesar de um tanto arrastado em alguns momentos, "A Vingança de um Pistoleiro" merece ser assistido. “Galante e Aventureiro” (3:10 to Yuma) e “Bravura Indômita” (True Grit) tiveram versões recentes; “Lone Ranger” e “Django” foram revisitados. Parece que está se tornando rotina revisitar os clássicos do faroeste, o que é muito bom para os fãs do gênero, mesmo porque quase sempre que se assiste um filme desses, se retira da estante os originais para se emocionar de verdade.

Kane sozinho com sua Amy em Haddleyville coberta de vergonha.

25 de dezembro de 2014

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE RICHARD WIDMARK, DIGNO, AUTORITÁRIO E SÁDICO


O sádico Tommy Udo empurrando a mulher
paralítica (Mildred Dunnock).
Era o ano de 1947 e Richard Widmark, contratado pela 20th Century-Fox, nunca havia ainda atuado em um filme. Sua estreia se deu quando foi escalado para interpretar um assassino psicopata no policial noir “O Beijo da Morte”, estrelado por Victor Mature. Ao ver o teste de Widmark o diretor Henry Hathaway vetou sua participação dizendo que o ator era “bonitinho demais” para o papel. Porém o chefão do estúdio, Darryl F. Zanuck, disse a Hathaway que ele teria que usar aquele ator magro, louro e desconhecido. Como o papel de Tommy Udo fosse pouco mais que uma ponta, o contrariado Hathaway aceitou Widmark cuja principal participação era empurrar uma velha senhora paralítica em uma cadeira de rodas... escada abaixo. Antes da cena Richard soltou um riso diabolicamente sádico e Hathaway gritou: “Rapaz, prolongue um pouco mais esse riso” e estava criado o mais assustador, neurótico e cruel vilão do cinema. Perto de Tommy Udo os gângsters criados por James Cagney pareciam inocentes escoteiros. Darryl F. Zanuck fez o departamento de publicidade do estúdio imprimir milhares de cartazes com a palavra ‘Wanted’ com a foto de Widmark, colocando cartazes em todos cinemas que exibiam “O Beijo da Morte” (Kiss of Death). Victor Mature viu o estreante lhe roubar o filme e ainda ser indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante do ano. Poucas vezes Hollywood havia presenciado uma carreira ser lançada de forma tão impactante.

Não sem razão fãs brasileiros chamavam Widmark de 'Risadinha';
cena de "O Beijo da Morte": Brian Donlevy, Widmark e Victor Mature.

Vida em família no rancho dos
Widmarks, com a esposa Jean
e a filha Anne.
Richard Widmark trazia a experiência como ator de teatro tendo atuado em cinco peças na Broadway, nenhuma delas de grande sucesso, mas que muito o ajudaram quando decidiu ir para Hollywood. Antes havia atuado por seis anos no rádio, emprego garantido por sua bonita e segura voz, ainda que Richard fosse surdo de um ouvido devido a ter sofrido uma perfuração do tímpano. Esse fato o impediu de se incorporar às forças armadas e lutar na II Guerra Mundial. Nascido em Sunrise, Minnesota, em 26 de dezembro de 1914, com ascendência sueca por parte de pai e escocesa por parte de mãe, Richard Weedt Widmark cresceu em Princeton, Illinois, para onde sua família se mudou. A intenção de Richard era se tornar advogado, mas cursando a faculdade Lake Forest ele se decidiu pela carreira de ator, rumando após a graduação para Nova York. Quando ainda atuava no rádio, em 1942, Richard Widmark se casou com a escritora Jean Hazlewood, casamento que duraria por 55 anos, até a morte de Jean em 1997. Richard Widmark costumava dizer que um ator deve falar tudo que tem a dizer durante seu trabalho, no palco ou diante das câmaras e depois calar-se. Fora de seu trabalho só se soube de alguma atividade de Widmark como defensor dos direitos humanos e da preservação de patrimônios históricos em geral, ele que sempre foi um liberal democrata. Numa das poucas vezes que se expressou à imprensa foi para comentar que não conseguia entender como uma pessoa como Ronald Reagan podia ter chegado á Presidência dos Estados Unidos. E disse isso por ter achado Reagan um homem pouco impressionável no aspecto cultural e mesmo quanto ao carisma necessário. Gente como Ronald Reagan e John Wayne jamais poderiam ser amigos de Richard Widmark que manteve por décadas amizade com Sidney Poitier, com quem atuou em “O Ódio é Cego”, filme de (No Way Out)1950, em que Widmark interpreta um racista. Nesse mesmo ano, três anos após sua estreia no cinema, Richard Widmark era um dos grandes astros de Hollywood.

Primeiro encontro de Widmark com Sidney Poitier; cena de "Céu Amarelo"
com Richard Widmark entre Harry Morgan e Robert Arthur.

Richard com Dean Stockwell em "Capitães
do Mar"; Richard com Robert Wagner em
"Até o Último Homem".
Após sua marcante atuação em “O Beijo da Morte”, a 20th Century-Fox aproveitou o renome adquirido por Richard Widmark e o colocou, ainda como coadjuvante, nos filmes “A Rua Sem Nome” (The Street with no Name), “A Taverna do Caminho” (Road House) e “Céu Amarelo” (Yellow Sky), este último seu primeiro western. Os atores principais desses filmes eram, respectivamente, Mark Stevens, Cornel Wilde e Gregory Peck. A partir de “Capitães do Mar” (Down the Sea in Ships), de 1949, seu quinto filme, Richard Widmark passou para a condição de astro principal encabeçando os elencos de “Furacão da Vida” (Slattery’s Hurricane), “Sombras do Mal” (Night and the City), “Pânico nas Ruas” (Panic in the Streets), “O Ódio é Cego” (No Way Out), “Até o Último Homem” (Halls of Montezuma), “Homens Rãs” (The Frogmen), “Montanhas Ardentes” (Red Skies of Montana), “Almas Desesperadas” (Don’t Bother to Knock), “Companheiro Querido” (My Pal Gus), “Prisioneiro da Mongólia” (Destination Gobi), “Anjo do Mal” (Pickup on South Street), “Dá-me Tua Mão” (Take the High Ground) e “Tormenta Sob os Mares” (Hell and High Water), este último já em 1954. Profissional sério e homem de temperamento forte, Richard Widmark não estava satisfeito com os filmes que era obrigado a fazer, apesar de ter sido dirigido por cineastas importantes. Richard trabalhou duas vezes com Samuel Fuller (“Anjo do Mal” e “Tormenta Sob os Mares”) e também com Elia Kazan (“Pânico nas Ruas”), mas esses dois diretores ainda não eram os nomes consagrados que seriam dentro de alguns anos. Das atrizes com quem Widmark contracenou nesses filmes nenhuma era um nome à altura do seu no cenário de Hollywood, nem mesmo Marilyn Monroe (“Almas Desesperadas”) que ainda era mera pretendente ao estrelato. Tanto Richard Widmark se queixou do estúdio que Darryl F. Zanuck decidiu se vingar dele antes de expirar o contrato, colocando o ator na condição de coadjuvante em seus dois últimos trabalhos na Fox, dois westerns.

Widmark nos braços de Marilyn Monroe e de Jean Peters  em "Anjo do Mal".

Acima Richard Widmark com Gary Cooper
e Susan Hayward; com Spencer Tracy.
Em “Jardim do Pecado” (Garden o Evil) o nome de Richard Widmark era o terceiro nos créditos, atrás de Gary Cooper e de Susan Hayward. Em “A Lança Partida” (Broken Lance), as coisas pioraram ainda mais pois à frente do nome de Widmark estavam os do consagrado Spencer Tracy e das novas apostas da Fox, Robert Wagner e Jean Peters. Contrato terminado, Richard Widmark traçou novos planos para sua carreira, um deles o de criar sua própria produtora. Vieram então, a partir de 1955, os filmes “Ouro Maldito” A Prize of Gold), “Paixões Sem Freio” (The Cobweb) e “Dois Destinos se Encontram” (Run for the Sun), nenhum deles exatamente memorável e nenhum com uma leading-lady destacada (eram elas Mai Zetterling, Lauren Bacall e Jane Greer, respectivamente). Convincente em filmes policiais, tanto ao lado da lei quanto como homem mau, Richard Widmark havia feito películas de guerra, comédias e os três westerns assinalados, todos muito bons. A partir de 1956, com os westerns “Punido pelo Próprio Sangue” (Backlash), dirigido por John Sturges e “A Última Carroça” (The Last Wagon), de Delmer Daves, Widmark ficaria mais identificado com o gênero. “A Última Carroça” é um dos magníficos faroestes dirigidos por Daves nos anos 50, devendo muito de sua qualidade à brilhante atuação de Richard Widmark. “Punido pelo Próprio Sangue”, dirigido pelo especialista Sturges é bastante inferior ao filme de Delmer Daves. A carreira de Richard Widmark ia bem até que em 1957 participou de um dos maiores fracassos da década que foi “Santa Joana” (Saint Joan), direção de Otto Preminger com Jean Seberg como Joana D’Arc. Desse mesmo ano é o drama “Para que os Outros Possam Viver” (Time Limit), experiência na direção de Karl Malden.

Richard Widmark nos westerns "A Última Carroça"
e "Punido pelo Próprio Sangue".

Acima Widmark com Robert Taylor e ao
fundo Robert Middleton; abaixo com
Henry Fonda em "Warlock".
Em 1958 Doris Day ainda não havia se convertido na campeã de bilheteria quando estrelou “O Túnel do Amor” (The Tunnel of Love), comédia em que contracena com Richard Widmark e que acabou sendo mais lembrada pela canção-título. Widmark voltaria ao Velho Oeste no excelente “Duelo na Cidade Fantasma” (The Law and Jack Wade), ao lado de Robert Taylor, outra vez dirigido por John Sturges. Em 1959 Widmark estrelou o policial “Armadilha Sangrenta” (The Trap), mas o grande filme em que atuaria, um dos melhores westerns da década foi “Minha Vontade é Lei” (Warlock), de Edward Dmytryk. Muito mais que “Duelo na Cidade Fantasma”, este western toca na questão da homossexualidade, sempre um tabu no gênero. Uma curiosidade e que atesta o quanto Widmark era um astro de primeira grandeza do cinema é o fato de seu nome vir à frente, nos créditos, dos nomes do consagrado Henry Fonda e do duas vezes premiado com o Oscar Anthony Quinn.

Richard com a adorável Doris Day; descendo a rua principal de
"Minha Vontade é Lei".

Relação difícil entre Dick e Duke.
Em 1960 Richard Widmark atuou em apenas um filme, o discutido “O Álamo” (The Alamo). O encontro do liberal Widmark com o radical de direita John Wayne rendeu muitas histórias, uma delas quando após a assinatura do contrato, foi publicado um anúncio com foto do ator que interpretaria Jim Bowie e a frase "Welcome aboard, Dick" (bem-vindo a bordo, Dick).  Ao recepcionar Widmark em Brackettville, John Wayne teve que ouvi-lo dizer na frente e todos os presentes: "Diga ao seu pessoal de publicidade que o nome é Richard", como que deixando claro que não queria nenhuma intimidade com John Wayne. Estupefato Wayne conseguiu responder apenas: "Eu vou dizer sim, Richard", enfatizando o nome do já declarado inimigo.  Widmark sempre negou esse fato lembrando que todos, em qualquer lugar o chamavam pelo apelido ‘Dick’. Insatisfeito com a dimensão do personagem Jim Bowie, Widmark ameaçou abandonar a produção, sendo também ameaçado de um processo por quebra de contrato por John Wayne. Depois de provocar o Duke inúmeras vezes, certo dia o ator-produtor-diretor de “O Álamo” disse a Widmark: “Não só vou processá-lo, como também quebrar sua cara”, relato feito por Pilar Wayne em seu livro “My Life with the Duke”. No mesmo dia em que filmou sua última cena Richard Widmark partiu de Brackettville.

Davy Crockett (Duke) e Jim Bowie (Dick); a morte de Jim Bowie.

Widmark como o Delfim em "Santa Joana"; a cavalo em "O Álamo".

Widmark com James Stewart;
abaixo com Montgomery Clift.
“Os Caminhos Secretos”, filme de 1961 estrelado por Widmark contou com roteiro de sua esposa Jean Hazlewood. No western “Terra Bruta” (Two Rode Together) Widmark contracena com James Stewart e é dirigido pelo Mestre John Ford.  Em “Julgamento em Nuremberg” (Judgement at Nuremberg), drama de tribunal com elenco all-star, Richard Widmark tem um dos papéis mais importantes do filme. Outra superprodução, desta vez em Cinerama, processo revolucionário à época, foi “A Conquista do Oeste” (How the West Was Won), novamente com elenco reunindo alguns dos nomes mais importantes do cinema. “Os Legendários Vikings” (The Long Ships), de 1962 marcou o reencontro na tela de Widmark com seu grande amigo Sidney Poitier. “Sacrifício Sem Glória” (Flight from Ashiya) tem Widmark mais uma vez envergando uma farda, o que foi muito comum em sua carreira, filme de 1964, mesmo ano de “Crepúsculo de uma Raça” (Cheyenne Autumn), último western de John Ford, com Richard Widmark encabeçando grande elenco. O drama de guerra “O Caso Bedford” (The Bedford Incident), de 1965 marcou novo encontro dos amigos Widmark e Sidney Poitier.

Foto de "A Conquista do Oeste";
Widmark comandando a tropa em "Crepúsculo dos Deuses".

Kirk douglas, Robert Mitchum e
Richard Widmark, todos rindo;
abaixo Widmark com Lena Horne.
Hollywood lutava contra o fechamento de cinemas e a perda cada vez maior de espectadores e não raro colocava em um mesmo filme dois ou até três astros de grande projeção para atrair o público. Foi o que aconteceu em “Alvarez Kelly”, western em que Widmark atua ao lado do protagonista William Holden. Ao lado de Kirk Douglas e Robert Mitchum, Widmark completou o tri de astros de “Desbravando o Oeste” (The Way West), bom faroeste de Andrew V. Mclaglen. Em 1968 Widmark esteve ao lado de Henry Fonda no excelente policial “Os Impiedosos” (Madigan), de Don Siegel. Este filme gerou uma série de TV chamada “Madigan”, estrelada por Richard Widmark que acabou não emplacando, limitando-se a seis episódios. O mesmo Don Siegel dirigiu (e depois renegou) “A Morte de um Pistoleiro” (Death of a Gunfighter), rara aparição da cantora Lena Horne como atriz, contracenando com Widmark. “A Talent for Loving” ou “Gun Crazy”, foi um faroeste-comédia não lançado no Brasil, mais um trabalho esquecível de Widmark que começava a perceber que, aos 55 anos de idade era cada vez menos requisitado para melhores filmes. “Guerra aos Contrabandistas” (The Moonshine War) é uma comédia que Widmark deve ter feito apenas para continuar atuando. Um dos melhores filmes desse período estrelado por Richard Widmark foi “Quando Morrem as Lendas” (When the Legends Die), em que Richard ensina truques de rodeio a Frederic Forrest.

Pôster de "Alvarez Kelly"; à direita Richard com Frederic Forrest.

Richard Widmark em "Assassinato
no  Expresso Oriente"; abaixo
 Richard com Henry Fonda e
Richard Chamberlain.
Em “Assassinato no Expresso oriente” (Murder on the Orient Express), o nome de Richard Widmark está perdido entre uma lista enorme de atores famosos, entre eles Sean Connery e Ingrid Bergman. Widmark fez pela primeira vez uma incursão no gênero terror em “Uma Filha para o Diabo” (To the Devil a Daughter), contracenando com Christopher Lee, especialista nesse tipo de filmes. “O Último Brilho do Crepúsculo” (Twilight’s Last Gleaming), ficção-científica de 1977, estrelado pelo veterano Burt Lancaster teve a participação de Richard Widmark, um ano mais novo que Lancaster. Eram tempos de novos astros como Gene Hackman e Candice Bergen, com quem Richard Widmark contracenou no suspense “As Pedras do Dominó” (The Domino Principle). Os títulos dos próximos filmes de Richard Widmark, fechando a década de 70 dispensam comentários: “Terror na Montanha Russa” (Rollercoaster), “Coma” (Coma) e “O Enxame” (The Swarm), filmes que ganhavam algum status com a presença sempre respeitável de Widmark como coadjuvante. E justamente o ar respeitável e autoritário de Richard lhe possibilitaram personificar oficiais das forças armadas, juiz, senador, secretário de Estado e até presidente da República nos últimos anos de sua carreira. O último faroeste da carreira de Richard Widmark foi “De Volta ao Oeste” (Once Upon a Time a Texas Train), com o cantor Willie Nelson no papel principal e Widmark como um capitão do Exército Confederado. Feito para a TV, o elenco traz os nomes de Chuck Connors, Ken Curtis, Stuart Whitman, Jack Elam entre outros veteranos, além de Angie Dickinson que por si só faz qualquer filme valer à pena. O último filme que contou com a participação de Richard Widmark foi “A Um Passo do Poder” (True Colors), em 1991, dirigido por Herbert Ross e no qual Richard interpreta um senador casado com a também veterana Dina Merrill.

Willie Nelson, Angie Dickinson e Richard Widmark.

Em 1997 Richard Widmark perdeu a esposa Jean Hazlewood, com quem teve uma única filha. Widmark casou-se novamente em 1999 com Susan Blanchard que havia sido uma das esposas de Henry Fonda. Richard Widmark escolheu para morar na cidade de Roxbury, em Connecticut ainda nos anos 70, nunca mais saindo de lá. A uma das homenagens recebidas por Richard Widmark em Roxbury, compareceu Sidney Poitier, para supresa do homenageado que disse: “Sidney, você veio de tão longe para cá!” Poitier respondeu: “Por você eu viria mesmo que fosse a pé...” Richard faleceu em 24 de março de 2008, aos 94 anos de idade vítima de complicações após uma queda. Richard Widmark não era alto e não se podia dizer que era exatamente bonito, tendo vencido como ator por seu talento. No Brasil, no início de sua carreira, Richard Widmark foi logo apelidado de ‘Risadinha’ pelos fãs ávidos de assistir policiais em que destilava sua crueldade. Numa geração que produziu atores como extraordinários como Burt Lancaster, Kirk Douglas e Robert Mitchum, a esse grupo se juntou e é lembrado Richard Widmark. Sua presença na tela se impunha pelo aspecto respeitável, autoritário e com as especiais doses de maldade e heroísmo quando necessários numa carreira que durou mais de quatro décadas e resultou em trabalhos marcantes, a maior parte deles em faroestes.



23 de dezembro de 2014

TERRA BRUTA (TWO RODE TOGETHER) – JAMES STEWART BRILHA EM WESTERN DE JOHN FORD


O livro de Will Cook e, abaixo,
o verdadeiro Quanah Parker.
Em 1960, mesmo admirado pelos franceses, “Rastros de Ódio” ainda não havia recebido o status de obra-prima cinematográfica. Os dois mais recentes westerns de John Ford haviam sido “Marcha de Heróis” (The Horse Soldiers) e “Audazes e Malditos” (Sergeant Rutlegde), respectivamente lançados em 1959 e 1960 e ambos recebidos friamente pelo público e pela crítica. Em meados desse ano de 1960 John Ford recebeu convite para dirigir mais um western e não rejeitou a proposta de 225 mil dólares mais 25% do lucro líquido por esse filme. Ajudou muito na decisão de Ford quando o produtor Stanley Shpetner informou que James Stewart seria o principal ator. Stewart e Ford nunca haviam trabalhado juntos e além de Stewart, Richard Widmark e Shirley Jones também haviam sido contratados. O filme seria baseado no livro “Comanche Captives”, de autoria de Will Cook e Ford como diretor e produtor associado impôs a condição de escolher o roteirista, não outro senão Frank S. Nugent, seu colaborador de muitos filmes. O diretor e Nugent passaram um mês a bordo do ‘Araner’, o iate de John Ford, preparando o roteiro e quando este ficou pronto, recebendo o título “Two Rode Together”, Ford chegou a desistir do projeto, mas acabou convencido por Harry Cohn, presidente da Columbia, a quem o diretor devia algum favor. A indisposição de Ford com o filme era visível quando, em setembro de 1960, começaram as filmagens em locação em Brackettville, no Texas. E tudo ainda iria piorar mais, fazendo de “Two Rode Together” um dos menos inspirados trabalhos da fase final da carreira do Homero das Pradarias.



Richard Widmark e James Stewart;
abaixo Widmar, Stewart e
Henry Brandon.
Resgate de crianças brancas - O roteiro de “Two Rode Together”, que no Brasil recebeu o título “Terra Bruta”, tem algumas semelhanças com “Rastros de Ódio” pois trata da busca, anos depois, de crianças brancas sequestradas pelos índios Comanches. Guthrie McCabe (James Stewart) é o Marshal da cidade de Tuscosa e através do emissário Tenente Jim Gary (Richard Widmark) recebe o convite para resgatar duas crianças que vivem com os Comanches há nove anos. McCabe tem experiência nesse tipo de empreitada, mas cobra 500 dólares por criança que ele venha a devolver aos brancos. Relutante o Major Frazer (John McIntire) concorda com o preço estipulado e destaca o Tenente Gary para acompanhar McCabe na busca. Outros desesperados colonos que tiveram filhos capturados pelos índios pedem ajuda a McCabe. O chefe Comanche é Quanah Parker (Henry Brandon), a quem McCabe conhece e propõe negociar os prisioneiros por armas. Uma das crianças, uma menina, cresceu e se tornou esposa de guerreiro Comanche tendo filhos com ele; um menino sequestrado aos seis anos tornou-se um perfeito Comanche, com o nome Running Wolf (David Kent). McCabe e o Tenente Gary retornam com Running Wolf e Elena (Linda Cristal), esta uma mexicana que igualmente capturada era esposa de Stone Calf (Woody Strode), chefe de um grupo de índios desafeto dos Comanches. Elena, por ter sido esposa de um índio, não é bem recebida em Tuscosa e parte da cidade, acompanhada por McCabe que deixa de ser o Marshal do lugar. 

Woody Strode e Henry Brandon

James Stewart e Henry Brandon.
Anti-herói fordiano - O roteiro de “Terra Bruta” é rico em situações variadas que poderiam ter resultado em um excelente filme. Contrariam, alguns aspectos do roteiro, muito daquilo que John Ford mostrou em seus idealizados personagens e comunidades representativas da formação da sociedade norte-americana. Guthrie McCabe, o personagem interpretado brilhantemente por James Stewart, longe daqueles criados na tela por Henry Fonda e por John Wayne em westerns de Ford, é um mercenário e nada heroico homem da lei. McCabe pouco se importa com o pequeno salário que recebe como Marshal em Tascosa, uma vez que lhe pagam 10% de tudo que gere dinheiro na cidade. É assim com o saloon local, cuja proprietária Belle Aragon (Annelle Hayes), além dos favores amorosos, aposentos e comida, repassa a McCabe a estipulada comissão. Sem nenhum rubor ou pudor McCabe cobra ‘por cabeça’ a ser resgatada aos índios, pouco se importando com o sofrimento dos familiares das vítimas. McCabe concorda até com a proposta de um pai canalha que, para aplacar os reclamos da esposa, lhe pede para trazer qualquer jovem branco para substituir o filho perdido para os Comanches. O cinismo de McCabe permeia cada uma de suas atitudes e vítima principal desse cinismo é o Tenente Gary a quem o dissoluto Marshal trata com desdém referindo-se ao irrisório soldo que a Cavalaria lhe paga. McCabe armado de revólver atira em Stone Calf que está munido apenas de uma faca, numa reação que resvala na covardia e que não eleva o caráter do personagem. E assim como Ethan Edwards e Cicatriz tinham em comum o ódio, McCabe e Quanah Parker são meros empreendedores, um por dinheiro e o nativo pela manutenção do poder entre os Comanches.

Richard Widmark e John McIntire; à direita rara foto do grande Cliff Lyons
em participação como ator, ao lado de Shirley Jones e Jeanette Nolan.

Linchamento do índio branco
Running Wolf.
Racismo de túnica azul - Subtramas interessantes compõem a história de “Terra Bruta”, como Marty Purcell (Shirley Jones), que se sente responsável pela captura do irmão mais novo quando este estava sob seus cuidados. Marty traja-se como rapaz, com calças e cabelo preso para amenizar a falta do irmão diante do ressentido pai (Paul Birch). Harry Wringle (Willis Bouchey) é o mais abjeto dos colonos, ele que suborna McCabe para que qualquer jovem seja trazido em lugar de seu filho, mas ao ver que o Marshal lhe trouxe um rebelde e violento branco tornado índio – Running Wolf – desfaz o trato. Do grupo de colonos fazem parte os Cleggs, com o pai fanático religioso (Ford Rainey) e os idiotizados filhos Ortho (Harry Carey Jr.) e Greeley (Ken Curtis); a histérica senhora McCandless (Jeanette Nolan) e o marido (Cliff Lyons), que tiveram o filho capturado. A reverenciada e gloriosa Cavalaria de tantos e poéticos westerns de Ford é mostrada como um grupo de racistas de túnicas azuis. E dela faz parte o hipopotâmico Sargento Posey (Andy Devine) a denunciar a pouca exercitação na caserna. No entanto faltou a reconhecida capacidade de Ford de retratar com perfeição cada personagem, desperdiçando-os seja com excessos como o de Jeanette Nolan ou insípido como o personagem de Shirley Jones. Mesmo o Tenente Jim Gary, interpretado pelo segundo nome do elenco que é Richard Widmark, parece não ter que fazer no filme.

O par romântico de "Terra Bruta": Shirley Jones e Richard Widmark.

O baile no Forte e Running Wolf
sendo preso.
Baile de intrigas - As clássicas sequências de baile presentes nos westerns de John Ford foram sempre momentos de sublimação cinematográfica. Em “Terra Bruta” desenrola-se também, no salão do Forte, um baile que desta vez é triste e palco de intriga e puro racismo contra a presença da mexicana ex-esposa de um índio. Elena de la Madriaga é humilhada pelos vistosos oficiais e suas elegantes esposas que não perdoam uma mulher cuja mácula foi ter sido vítima dos índios. Infortúnio de Elena que nos cinco anos em que serviu de esposa de Stone Calf não deu filhos ao chefe índio, caso contrário sequer poderia ter retornado. Na discussão do preconceito racial “Terra Bruta” acaba sendo mais profundo que “Rastros de Ódio” pois enquanto a jovem Debbie volta para casa, Freda, a filha do sueco Ole Knudsen (John Qualen) permanece com seus bebês junto aos comanches. E a intolerância exacerbada pela própria cortesã do saloon faz com que Elena deixe a cidade numa diligência ao lado do redimido (e empobrecido) Guthrie McCabe, numa evocação ao inesquecível final de “No Tempo das Diligências” (Stagecoach). Neste, de forma muito mais elevada, a prostituta Dallas e Ringo Kid partem para um destino comum.

Linda Cristal

Widmark e Stewart; abaixo
Andy Devine e sua enorme pan.
Direção omissa - As situações cômicas sempre surgiram nos filmes de John Ford de forma espontânea, ainda que sem muita sutileza, não faltando críticas à mão pesada do diretor para a comédia. “Terra Bruta” se inicia com tom decididamente cômico na chegada de um pelotão a Tascosa, os diálogos entre James Stewart e Richard Widmark e ainda ambos com a dona do saloon (Annelle Hayes). Segundo relato de James Stewart, Ford pouco teve a ver com essas sequências, deixando a critério dos atores desenvolver os diálogos. Exemplar dessa situação de descompromisso do diretor é a sequência em que, a pedido de Ford, James Stewart se espreguiça na varanda do saloon, como havia feito Henry Fonda em “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine).  Stewart sem nenhum ensaio fez o que Ford pediu e ao final procurou pelo diretor para saber se ele havia aprovado e o ‘Pappy’ havia simplesmente desaparecido dali. Adiante, outra sequência em que Ford ‘delegou’ aos atores foram os quatro minutos sem corte em que Stewart e Widmark conversam descontraidamente à beira de um rio.

Olive Carey e John McIntire;
abaixo Jeanette Nolan e Cliff Lyons.
Cresce o desinteresse - Fica-se a imaginar então, como o filme seria melhor se Ford o dirigisse pra valer (com gusto). A falta de inspiração e de interesse de John Ford fez de “Terra Bruta” um filme que jamais cresce apesar das citadas possibilidades que o roteiro de Frank S. Nugent permitia. Certo que repetir a majestade épica de “Rastros de Ódio” seria esperar demais, mas nenhuma profundidade e a ausência da terna melancolia que permeou a maior parte dos westerns de Ford promove uma certa decepção. Segundo relato de seu neto Dan Ford no livro “Pappy”, John Ford sentiu demais a morte de Ward Bond ocorrida em meio às filmagens (13/11/1960), que foram paralisadas para que o diretor comparecesse aos funerais de Bond. E falando nesse ator, amigo e membro da Ford Stock Company, John Ford deveria estar totalmente à vontade entre Anna Lee, Olive Carey, Jack Pennick, os dois Chucks (Roberson e Hayward), Danny Borzage, o genro Ken Curtis, o afilhado Harry Carey Jr., Willis Bouchey, John Qualen e outros membros do grupo de atores e técnicos que acompanhavam Ford em seus filmes. O maior destaque entre os atores coadjuvantes é a presença de Cliff Lyons, lendário stuntman desta vez atuando como ator com papel relevante.

A graciosa Shirley Jones.

James Stewart
Um filme de James Stewart - James Stewart domina todo o filme, tendo impressionado favoravelmente John Ford que o chamou para seus dois últimos westerns nos anos seguintes. Menos brutal que John Wayne, menos puro e romântico que Fonda, Stewart completou o trio de atores que Ford mais gostou de dirigir. E Jimmy, que foi dirigido muitas vezes por Frank Capra, Alfred Hitchcock e Anthony Mann, ao se referir a Ford disse simplesmente: “O melhor de todos diretores, um gênio”. Richard Widmark ficou longe de suas interpretações neuróticas e tensas como o Tenente Gary. Henry Brandon apenas repetiu o Cicatriz de “Rastros de Ódio”, menos assustador, é claro. John McIntire é sempre perfeito, o mesmo não podendo ser dito de sua esposa Jeanette Nolan de quem foi exigida uma participação irritantemente histérica. Linda Cristal acaba se saindo melhor que Shirley Jones que, nesse mesmo ano criaria uma deliciosa prostituta que lhe rendeu um Oscar em “Entre Deus e o Pecado”, ao lado de Burt Lancaster. Uma pena a quase figuração da excelente Anna Lee, assim como de Ken Curtis e Harry Carey Jr. Sem muito esforço Andy Devine é bastante engraçado com sua pança atingindo o limite do exagero.

Henry Brandon como Quanah Parker.

Ford, sem comparação - O tema musical de George Dunning é monótono e os cenários naturais de Brackettville, tão bem utilizados em “O Álamo”, são desperdiçados pela indolência de Ford em possibilitar as pinturas que sua imaginação sempre criou. Sobre “Terra Bruta” Ford exclamou “This is the worst piece of crap I’ve done in 20 years” (Esta é a maior merda que eu fiz nos últimos 20 anos). “Terra Bruta” foi mal nas bilheterias e é um dos westerns menos lembrados de John Ford, tendo agradado a William K. Everson que nele viu muitas qualidades. E o próprio Everson disse, certa vez, que o grande problema dos faroestes é eles serem comparados aos westerns de John Ford. Pior quando se compara um filme como “Terra Bruta” com a incrível coleção de grandes obras legadas ao cinema pelo Mestre John Ford.

Foto de John Ford durante as filmgens de "Terra Bruta",
vendo-se James Stewart observando.

Pôster norte-americano de "Terrra Bruta".