29 de dezembro de 2014

A VINGANÇA DE UM PISTOLEIRO (HIGH NOON), REFILMAGEM DE MATAR OU MORRER


Acima Grace Kelly e e Gary
Cooper; abaixo Susanna
Thompson e Tom Skerritt.
Em 2000 a TV norte-americana decidiu produzir uma refilmagem de "High Noon" (Matar ou Morrer) e essa versão recebeu no Brasil o título "A Vingança de um Pistoleiro". Praticamente uma cópia do célebre western de 1952, com pequenas e não muito significativas alterações, este filme dirigido por Rod Hardy não deixa de despertar interesse. Carl Foreman, autor do polêmico roteiro original havia falecido em 1984, mas deixara pronto um screenplay para ser produzido para a televisão, roteiro esse que ficou esquecido durante longo tempo. “Matar ou Morrer” dirigido por Fred Zinnemann recebeu quatro prêmios Oscar (Ator, Edição, Canção Original e Trilha Sonora) e ainda concorreu em outras três categorias (Filme, Diretor e Roteiro), mas não se tornou uma unanimidade. John Wayne e Howard Hawks, por exemplo, detestaram o filme de Zinnemann entendendo que ele depunha contra a América e contra os norte-americanos. Quase 50 anos depois e distante da questão política da denúncia da perseguição do Macarthismo, seria no mínimo curioso ver o tratamento dado à clássica história. E há ainda os aspectos técnico e estético pois os westerns modernos diferem enormemente daqueles realizados décadas atrás. E o “High Noon 2000”, cuja metragem corresponde ao tempo real em que se desenvolve a ação, não decepciona, tendo a seu favor vários aspectos positivos.


O desespero começa a tomar conta
de Will Kane.
À espera da lealdade - A história do Marshal de Haddleyville chamado Will Kane é bastante conhecida e permaneceu inalterada na refilmagem. No dia de seu casamento e após deixar o cargo, Will Kane é avisado que Frank Miller deve chegar à cidade ao meio-dia para um acerto de contas com o Marshal. Kane foi o responsável pela prisão de Miller que inicialmente condenado à morte viu sua pena transformada em prisão perpétua e posteriormente comutada. Três comparsas de Miller o esperam na estação de Haddleyville e outros dois acompanham o ex-condenado, totalizando seis homens cujo objetivo é matar Will Kane. Haddleyville deve muito a Kane que tornou possível a prosperidade e tranquilidade do lugar mantendo a lei e a ordem. Devido a isso o Marshal acredita contar com a ajuda de parte da população, em número suficiente para enfrentar Frank Miller. Porém pouco a pouco Kane percebe que não terá nenhuma ajuda dos amedrontados habitantes da cidade, nem mesmo daqueles que horas antes externavam admiração pelo Marshal. O bando de Miller se reúne ao meio-dia e é enfrentado pelo solitário Kane que termina por levar a melhor liquidando o grupo de malfeitores e deixando para sempre Haddleyville.

A ilusão de Will Kane (Tom Skerritt),
abaixo com Dennis Weaver.
Um estudo da covardia - Menos que a própria trama, o que mais importa em "A Vingança de um Pistoleiro", assim como havia sido em “Matar ou Morrer” é o estudo da covardia em grau maior e da ingratidão em grau menor. Toda a pequena cidade se deixa atemorizar pela chegada do homem mau que visa unicamente a vingança. Ele é poderoso e se cerca de asseclas tornando-se ainda mais amedrontador. Desde o mais simples habitante de Haddleyville, até os bem sucedidos empresários, passando pelo juiz e pelo vigário se deixam intimidar sem que isso lhes trouxesse qualquer vantagem, a não ser a sobrevivência. Postar-se ao lado de Will Kane (Tom Skerritt), mesmo concordando intimamente com tudo que ele faz e diz, significa arriscar a vida, bem muito mais caro que a própria dignidade humana para o povo de Haddleyville. Assim como a fúria sempre toma conta de uma turba, a covardia costuma se apossar de homens desprovidos de honradez. O exemplo melhor desse tipo de conduta, entre tantos mostrados no filme, é o do cidadão que se esconde dentro de sua própria casa e manda a mulher dizer a Kane que está ausente. A esposa indignada com a covardia e a ingratidão do marido constrangida mente ao homem que, uma hora antes, abraçava na cerimônia de casamento.

Dennis Weaver acime a e o revólver
de Frank Miller abaixo.
Onde impera a tibieza - Em "A Vingança de um Pistoleiro" o isolamento de Kane só não é total porque o adolescente Billy (Noel Fisher), de 14 anos, se esforça para que o Marshal aceite sua ajuda. O Deputy Harvey Pell (Reed Diamond) quer que Kane saia de Haddleyville para assumir o cargo de Marshal, que cobiça indisfarçadamente. Os donos do hotel e do saloon não gostam de Kane porque ao impor a lei e a ordem, o Marshal fez com que os negócios despencassem em Haddleyville. A turbulência atraía gente de fora para a cidade mantendo o saloon e o hotel lotados. A tibieza de cada cidadão de Haddleyville é justificada com argumentos individualistas melhor traduzidos por covardia mesmo. O ex-Marshal Mart Howe (Dennis Weaver), envelhecido e amigo de uma garrafa, foi uma das inúmeras tentativas de Kane em busca de ajuda, resultando em outra recusa, apenas menos humilhante. Mesmo Amy (Susanna Thompson), a esposa de Kane decide deixá-lo por não aceitar o gesto do marido. Demovida dessa intenção por Helen Ramirez (Maria Conchita Alonso), é Amy que acaba participando do encontro desigual entre Kane e Frank Miller (Michael Madsen) e seus homens. As sequências entre Helen Ramirez, Amy e Kane estão entre as melhores de "A Vingança de um Pistoleiro".

Maria Conchita Alonso
A provocante Señora Ramirez - Esta história publicada originalmente sob o título “The Tin Star” (A Estrela de Lata), de autoria de John W. Cunningham, foi adaptada para o cinema por Carl Foreman. Uma das vítimas do Macarthismo, vendo seus amigos não só o abandonarem, mas também denunciarem simpatizantes do comunismo, Foreman imortalizou a figura sofrida de Will Kane. Em “Matar ou Morrer”, até porque estava em plena vigência o Código Hays que limitava a abordagem de assuntos como relações de amizades íntimas, não ficaram bem configurados os sentimentos entre Kane e a Senhora Ramirez. Em "A Vingança de um Pistoleiro", cria-se um triângulo amoroso com a ainda viva paixão de Helen Ramirez por Kane que, por um instante, hesita entre o amor antigo e a esposa com quem se casou. Helen é uma mulher sedutora e com poucos escrúpulos quando se trata de conquistar algum homem desde que isso ajude em seus intentos, ela que é também mulher de negócios. Fazem parte do histórico de conquistas da Senhora Ramirez o Marshal Will Kane, Harvey Pell (seu amante atual) e Frank Miller (de quem ela foi amante). A suavidade e pureza da ‘quaker’ (membro de família religiosa) Amy contrasta com a voluptuosidade de Helena Ramirez, provocante em seus trajes, olhares e corpo atraente. Para fugir de Haddleyville as duas mulheres embarcam no mesmo trem. Amy para não ver o marido morrer; Helen inconformada e envergonhada com o tipo de pessoas que vivem naquela cidade.

Susanna Thompson ótima
como Amy Kane, usada como
escudo por Jim Shield.
Nenhuma saudade de Grace Kelly - Para "A Vingança de um Pistoleiro" foi utilizado um tipo de processo de filmagem que cria a impressão de passado, num colorido pouco nítido. Os belos cenários de Calgary, cidade da Província de Alberta, no Canadá, lembram bastante os cenários escolhidos por Clint Eastwood para o belíssimo “O Cavaleiro Solitário” (Pale Rider). Esta versão de “High Noon” não fez uso da premiada trilha musical do filme de 1952, ouvindo-se apenas uns poucos acordes na abertura que lembram os acordes iniciais de “Do Not Forsake Me Oh My Darling”. Tom Skerritt moldou seu personagem tendo como modelo a interpretação de Gary Cooper e Skerritt se sai admiravelmente bem. Sóbrio, triste, desesperançoso como Will Kane deveria ser, Skerritt  é acompanhado pelas boas atuações de Maria Conchita Alonso e Susanna Thompson. Esta última não deixa nenhuma saudade da glacial Grace Kelly, enquanto a cubana de nascimento Maria Conchita Alonso (ex-Miss Venezuela) tem dimensionado o papel de Helen Ramirez, comparativamente àquele feito por Katy Jurado. Se Katy era mais vulcânica, Conchita é mais bonita e também atraente. Michael Madsen é um ator de presença mais forte que Ian MacDonald (o Frank Miller da versão de 1952), mas fica pouco tempo na tela, participando apenas da sequência do showdown final. Dennis Weaver tem pequena participação no papel vivido anteriormente por Lon Chaney Jr.

Michael Madsen como Frank Miller


Revisitando os clássicos - “Matar ou Morrer” é um dos grandes faroestes de todos os tempos, obra-prima do gênero e que não admite comparação com esta refilmagem feita para a TV. Mesmo assim e apesar de um tanto arrastado em alguns momentos, "A Vingança de um Pistoleiro" merece ser assistido. “Galante e Aventureiro” (3:10 to Yuma) e “Bravura Indômita” (True Grit) tiveram versões recentes; “Lone Ranger” e “Django” foram revisitados. Parece que está se tornando rotina revisitar os clássicos do faroeste, o que é muito bom para os fãs do gênero, mesmo porque quase sempre que se assiste um filme desses, se retira da estante os originais para se emocionar de verdade.

Kane sozinho com sua Amy em Haddleyville coberta de vergonha.

4 comentários:

  1. Darci, gostei muito desse trabalho. Realmente, é bom buscar o filme anterior e fazer as comparações. Darci, como havíamos comentado recente, sobre A Fuga, com Alec Baldwin, e Os Implacáveis, com Steve MacQuenn, sendo este, dirigido por Sam Peckinpah. Amigo, vou constar na lista, A Vingança do Pistoleiro, quero assisti-lo. Abraços do amigo Paulo.

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  2. Oi, Darci!
    Parece ser um filme no mínimo curioso, principalmente, pra mim, por ter a maravilhosa Maria Conchita Alonso, fiquei babando por ela, quando moleque, ao vê-la ficção de ação “O Sobrevivente” (fazendo par com Schwarzenegger) e no western de ação contemporâneo “O Limite da Traição”. Mas acho que, na questão das refilmagens, a questão é se ela se justifica. Para os estúdios a resposta é sim, visando o lucro, claro. E para o público? Acho que elas são realmente válidas se trazerem algum elemento original, não somente um novo elenco, ou uma abordagem moderna, o que na atualidade para alguns produtores tacanhos significa muita violência ou efeitos especiais, mas a visão do diretor, uma abordagem diferente dos temas propostos, uma nova linguagem, só que nem isso vai ser garantia de qualidade. Matar ou Morrer, além deste remake, já teve várias refilmagens disfarçadas com outras ambientações e gêneros, como a comédia juvenil “Te Pego Lá Fora” e a ficção “Outland – Comando Titânico”, bons filmes, com muitos fãs, mas que não chegaram a arranhar a aura clássica do western com Gary Cooper. Que parece ser também o caso deste “Vingança de Um Pistoleiro”, segundo o seu Darci. Contudo, há vários outros casos, em que as opiniões divergem, como “Bravura Indômita”, onde alguns consideram o original melhor (o crítico Luiz Carlos Merten) e outros preferem o remake (se não me engano, é caso do seu Darci). Só que as comparações são inevitáveis, mesmo quando a refilmagem é considerado até mesmo um clássico, como “Sete Homens e Um Destino”. Falando nisso, os próximos a enfrentar essa discussão toda serão o astro Denzel Washington e o diretor Antoine Fuqua, com a refilmagem do western de John Sturges, que vai estrear em 2016. Já coloco lenha nessa discussão, dizendo que acho Washingtom mais talentoso e carismático que Yul Brinner, mas sei que só o protagonista não faz um bom filme, como será a direção de Fuqua? E os outros seis homens terão a qualidade dos originais? Veremos, veremos...
    Ah, para quem estiver interessado em assistir alguns faroestes em tela grande, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), aqui de Sampa, exibirá a mostra “Easy Rider - O Cinema da Nova Hollywood”, a partir do dia 21 de janeiro de 2015, com cópias de 35 mm e alguns em digital, entre os bang-bangs estão programados “Pat Garrett & Billy the Kid” (de Sam Peckinpah), O Estranho Sem Nome (o primeiro dirigido por Clint Eastwood) e o polêmico O Portal do Paraíso (de Michael Cimino), pra quem quiser saber mais:
    http://culturabancodobrasil.com.br/portal/easy-riders-o-cinema-da-nova-hollywood/
    http://omelete.uol.com.br/cinema/ccbb-recebe-mostra-easy-rider-o-cinema-da-nova-hollywood/#.VKNdqcAA
    Abraço.
    Robson

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  3. Olá, seu Robson - Boa informação essa para quem estiver em São Paulo, assistir a esses filmes em tela grande.
    Darci

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  4. Interessante versão. A história deve ser contada, racontada ou recontada, como diz José Saramago em sua obra O Evangelho Segundo Jesus. Por exemplo,a versão dos anos sessenta A Última Diligência, de Gordon Douglas, para no Tempo das Diligências,de John Ford, é extremamente interessante, contrariamente a que entendem críticos e nostálgicos do western, que pensam que o gênero parou na década de cinquenta , do século XX.

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