Acima Grace Kelly e e Gary Cooper; abaixo Susanna Thompson e Tom Skerritt. |
Em 2000 a TV norte-americana decidiu produzir
uma refilmagem de "High Noon" (Matar ou Morrer) e essa versão recebeu
no Brasil o título "A Vingança de um Pistoleiro". Praticamente uma
cópia do célebre western de 1952, com pequenas e não muito significativas
alterações, este filme dirigido por Rod Hardy não deixa de despertar interesse.
Carl Foreman, autor do polêmico roteiro original havia falecido em 1984, mas
deixara pronto um screenplay para ser produzido para a televisão, roteiro esse
que ficou esquecido durante longo tempo. “Matar ou Morrer” dirigido por Fred
Zinnemann recebeu quatro prêmios Oscar (Ator, Edição, Canção Original e Trilha
Sonora) e ainda concorreu em outras três categorias (Filme, Diretor e Roteiro),
mas não se tornou uma unanimidade. John Wayne e Howard Hawks, por exemplo,
detestaram o filme de Zinnemann entendendo que ele depunha contra a América e
contra os norte-americanos. Quase 50 anos depois e distante da questão política
da denúncia da perseguição do Macarthismo, seria no mínimo curioso ver o
tratamento dado à clássica história. E há ainda os aspectos técnico e estético
pois os westerns modernos diferem enormemente daqueles realizados décadas
atrás. E o “High Noon 2000”, cuja metragem corresponde ao tempo real em que se
desenvolve a ação, não decepciona, tendo a seu favor vários aspectos positivos.
O desespero começa a tomar conta de Will Kane. |
À
espera da lealdade - A história do Marshal de Haddleyville
chamado Will Kane é bastante conhecida e permaneceu inalterada na refilmagem.
No dia de seu casamento e após deixar o cargo, Will Kane é avisado que Frank
Miller deve chegar à cidade ao meio-dia para um acerto de contas com o Marshal.
Kane foi o responsável pela prisão de Miller que inicialmente condenado à morte
viu sua pena transformada em prisão perpétua e posteriormente comutada. Três
comparsas de Miller o esperam na estação de Haddleyville e outros dois
acompanham o ex-condenado, totalizando seis homens cujo objetivo é matar Will
Kane. Haddleyville deve muito a Kane que tornou possível a prosperidade e
tranquilidade do lugar mantendo a lei e a ordem. Devido a isso o Marshal acredita
contar com a ajuda de parte da população, em número suficiente para enfrentar
Frank Miller. Porém pouco a pouco Kane percebe que não terá nenhuma ajuda dos
amedrontados habitantes da cidade, nem mesmo daqueles que horas antes externavam
admiração pelo Marshal. O bando de Miller se reúne ao meio-dia e é enfrentado
pelo solitário Kane que termina por levar a melhor liquidando o grupo de
malfeitores e deixando para sempre Haddleyville.
A ilusão de Will Kane (Tom Skerritt), abaixo com Dennis Weaver. |
Um
estudo da covardia - Menos que a própria trama, o que
mais importa em "A Vingança de um Pistoleiro", assim como havia sido
em “Matar ou Morrer” é o estudo da covardia em grau maior e da ingratidão em
grau menor. Toda a pequena cidade se deixa atemorizar pela chegada do homem mau
que visa unicamente a vingança. Ele é poderoso e se cerca de asseclas
tornando-se ainda mais amedrontador. Desde o mais simples habitante de Haddleyville,
até os bem sucedidos empresários, passando pelo juiz e pelo vigário se deixam
intimidar sem que isso lhes trouxesse qualquer vantagem, a não ser a
sobrevivência. Postar-se ao lado de Will Kane (Tom Skerritt), mesmo concordando
intimamente com tudo que ele faz e diz, significa arriscar a vida, bem muito
mais caro que a própria dignidade humana para o povo de Haddleyville. Assim
como a fúria sempre toma conta de uma turba, a covardia costuma se apossar de
homens desprovidos de honradez. O exemplo melhor desse tipo de conduta, entre
tantos mostrados no filme, é o do cidadão que se esconde dentro de sua própria
casa e manda a mulher dizer a Kane que está ausente. A esposa indignada com a
covardia e a ingratidão do marido constrangida mente ao homem que, uma hora
antes, abraçava na cerimônia de casamento.
Dennis Weaver acime a e o revólver de Frank Miller abaixo. |
Onde
impera a tibieza - Em "A Vingança de um
Pistoleiro" o isolamento de Kane só não é total porque o adolescente Billy
(Noel Fisher), de 14 anos, se esforça para que o Marshal aceite sua ajuda. O
Deputy Harvey Pell (Reed Diamond) quer que Kane saia de Haddleyville para
assumir o cargo de Marshal, que cobiça indisfarçadamente. Os donos do hotel e
do saloon não gostam de Kane porque ao impor a lei e a ordem, o Marshal fez com
que os negócios despencassem em Haddleyville. A turbulência atraía gente de
fora para a cidade mantendo o saloon e o hotel lotados. A tibieza de cada
cidadão de Haddleyville é justificada com argumentos individualistas melhor
traduzidos por covardia mesmo. O ex-Marshal Mart Howe (Dennis Weaver),
envelhecido e amigo de uma garrafa, foi uma das inúmeras tentativas de Kane em
busca de ajuda, resultando em outra recusa, apenas menos humilhante. Mesmo Amy
(Susanna Thompson), a esposa de Kane decide deixá-lo por não aceitar o gesto do
marido. Demovida dessa intenção por Helen Ramirez (Maria Conchita Alonso), é
Amy que acaba participando do encontro desigual entre Kane e Frank Miller
(Michael Madsen) e seus homens. As sequências entre Helen Ramirez, Amy e Kane
estão entre as melhores de "A Vingança de um Pistoleiro".
Maria Conchita Alonso |
A provocante
Señora Ramirez - Esta história publicada originalmente sob o título “The
Tin Star” (A Estrela de Lata), de autoria de John W. Cunningham, foi adaptada
para o cinema por Carl Foreman. Uma das vítimas do Macarthismo, vendo seus
amigos não só o abandonarem, mas também denunciarem simpatizantes do comunismo,
Foreman imortalizou a figura sofrida de Will Kane. Em “Matar ou Morrer”, até
porque estava em plena vigência o Código Hays que limitava a abordagem de
assuntos como relações de amizades íntimas, não ficaram bem configurados os
sentimentos entre Kane e a Senhora Ramirez. Em "A Vingança de um
Pistoleiro", cria-se um triângulo amoroso com a ainda viva paixão de Helen
Ramirez por Kane que, por um instante, hesita entre o amor antigo e a esposa
com quem se casou. Helen é uma mulher sedutora e com poucos escrúpulos quando
se trata de conquistar algum homem desde que isso ajude em seus intentos, ela
que é também mulher de negócios. Fazem parte do histórico de conquistas da
Senhora Ramirez o Marshal Will Kane, Harvey Pell (seu amante atual) e Frank
Miller (de quem ela foi amante). A suavidade e pureza da ‘quaker’ (membro de
família religiosa) Amy contrasta com a voluptuosidade de Helena Ramirez,
provocante em seus trajes, olhares e corpo atraente. Para fugir de Haddleyville
as duas mulheres embarcam no mesmo trem. Amy para não ver o marido morrer;
Helen inconformada e envergonhada com o tipo de pessoas que vivem naquela
cidade.
Susanna Thompson ótima como Amy Kane, usada como escudo por Jim Shield. |
Nenhuma
saudade de Grace Kelly - Para "A Vingança de um
Pistoleiro" foi utilizado um tipo de processo de filmagem que cria a
impressão de passado, num colorido pouco nítido. Os belos cenários de Calgary,
cidade da Província de Alberta, no Canadá, lembram bastante os cenários
escolhidos por Clint Eastwood para o belíssimo “O Cavaleiro Solitário” (Pale
Rider). Esta versão de “High Noon” não fez uso da premiada trilha musical do
filme de 1952, ouvindo-se apenas uns poucos acordes na abertura que lembram os
acordes iniciais de “Do Not Forsake Me Oh My Darling”. Tom Skerritt moldou seu
personagem tendo como modelo a interpretação de Gary Cooper e Skerritt se sai
admiravelmente bem. Sóbrio, triste, desesperançoso como Will Kane deveria ser,
Skerritt é acompanhado pelas boas
atuações de Maria Conchita Alonso e Susanna Thompson. Esta última não deixa
nenhuma saudade da glacial Grace Kelly, enquanto a cubana de nascimento Maria
Conchita Alonso (ex-Miss Venezuela) tem dimensionado o papel de Helen Ramirez,
comparativamente àquele feito por Katy Jurado. Se Katy era mais vulcânica,
Conchita é mais bonita e também atraente. Michael Madsen é um ator de presença
mais forte que Ian MacDonald (o Frank Miller da versão de 1952), mas fica pouco
tempo na tela, participando apenas da sequência do showdown final. Dennis
Weaver tem pequena participação no papel vivido anteriormente por Lon Chaney
Jr.
Michael Madsen como Frank Miller |
Revisitando
os clássicos - “Matar ou Morrer” é um dos grandes faroestes de todos os
tempos, obra-prima do gênero e que não admite comparação com esta refilmagem
feita para a TV. Mesmo assim e apesar de um tanto arrastado em alguns momentos,
"A Vingança de um Pistoleiro" merece ser assistido. “Galante e
Aventureiro” (3:10 to Yuma) e “Bravura Indômita” (True Grit) tiveram versões
recentes; “Lone Ranger” e “Django” foram revisitados. Parece que está se
tornando rotina revisitar os clássicos do faroeste, o que é muito bom para os
fãs do gênero, mesmo porque quase sempre que se assiste um filme desses, se
retira da estante os originais para se emocionar de verdade.
Kane sozinho com sua Amy em Haddleyville coberta de vergonha. |
Darci, gostei muito desse trabalho. Realmente, é bom buscar o filme anterior e fazer as comparações. Darci, como havíamos comentado recente, sobre A Fuga, com Alec Baldwin, e Os Implacáveis, com Steve MacQuenn, sendo este, dirigido por Sam Peckinpah. Amigo, vou constar na lista, A Vingança do Pistoleiro, quero assisti-lo. Abraços do amigo Paulo.
ResponderExcluirOi, Darci!
ResponderExcluirParece ser um filme no mínimo curioso, principalmente, pra mim, por ter a maravilhosa Maria Conchita Alonso, fiquei babando por ela, quando moleque, ao vê-la ficção de ação “O Sobrevivente” (fazendo par com Schwarzenegger) e no western de ação contemporâneo “O Limite da Traição”. Mas acho que, na questão das refilmagens, a questão é se ela se justifica. Para os estúdios a resposta é sim, visando o lucro, claro. E para o público? Acho que elas são realmente válidas se trazerem algum elemento original, não somente um novo elenco, ou uma abordagem moderna, o que na atualidade para alguns produtores tacanhos significa muita violência ou efeitos especiais, mas a visão do diretor, uma abordagem diferente dos temas propostos, uma nova linguagem, só que nem isso vai ser garantia de qualidade. Matar ou Morrer, além deste remake, já teve várias refilmagens disfarçadas com outras ambientações e gêneros, como a comédia juvenil “Te Pego Lá Fora” e a ficção “Outland – Comando Titânico”, bons filmes, com muitos fãs, mas que não chegaram a arranhar a aura clássica do western com Gary Cooper. Que parece ser também o caso deste “Vingança de Um Pistoleiro”, segundo o seu Darci. Contudo, há vários outros casos, em que as opiniões divergem, como “Bravura Indômita”, onde alguns consideram o original melhor (o crítico Luiz Carlos Merten) e outros preferem o remake (se não me engano, é caso do seu Darci). Só que as comparações são inevitáveis, mesmo quando a refilmagem é considerado até mesmo um clássico, como “Sete Homens e Um Destino”. Falando nisso, os próximos a enfrentar essa discussão toda serão o astro Denzel Washington e o diretor Antoine Fuqua, com a refilmagem do western de John Sturges, que vai estrear em 2016. Já coloco lenha nessa discussão, dizendo que acho Washingtom mais talentoso e carismático que Yul Brinner, mas sei que só o protagonista não faz um bom filme, como será a direção de Fuqua? E os outros seis homens terão a qualidade dos originais? Veremos, veremos...
Ah, para quem estiver interessado em assistir alguns faroestes em tela grande, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), aqui de Sampa, exibirá a mostra “Easy Rider - O Cinema da Nova Hollywood”, a partir do dia 21 de janeiro de 2015, com cópias de 35 mm e alguns em digital, entre os bang-bangs estão programados “Pat Garrett & Billy the Kid” (de Sam Peckinpah), O Estranho Sem Nome (o primeiro dirigido por Clint Eastwood) e o polêmico O Portal do Paraíso (de Michael Cimino), pra quem quiser saber mais:
http://culturabancodobrasil.com.br/portal/easy-riders-o-cinema-da-nova-hollywood/
http://omelete.uol.com.br/cinema/ccbb-recebe-mostra-easy-rider-o-cinema-da-nova-hollywood/#.VKNdqcAA
Abraço.
Robson
Olá, seu Robson - Boa informação essa para quem estiver em São Paulo, assistir a esses filmes em tela grande.
ResponderExcluirDarci
Interessante versão. A história deve ser contada, racontada ou recontada, como diz José Saramago em sua obra O Evangelho Segundo Jesus. Por exemplo,a versão dos anos sessenta A Última Diligência, de Gordon Douglas, para no Tempo das Diligências,de John Ford, é extremamente interessante, contrariamente a que entendem críticos e nostálgicos do western, que pensam que o gênero parou na década de cinquenta , do século XX.
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