Acima Peter Fonda com a famosa Harley- Davidson 'Captain America' que pilotou em "Sem Destino"; abaixo, do mesmo filme, Peter em cena com Jack Nicholson e Dennis Hopper. |
O ator Peter Fonda era o mais
representativo ator da contracultura de Hollywood nos tempos de Woodstock, dos
hippies do Flower Power e das viagens alucinógenas com a droga da moda, o LSD.
Assim como a irmã Jane Fonda, Peter mantinha distanciamento do pai Henry e
fazia declarações sobre política e comportamento social que escandalizavam
Hollywood e desesperavam o velho Fonda. Para completar a imagem contestadora de
Peter ele era apaixonado por motocicletas, outro símbolo da rebeldia dos
jovens. Um dos vários filmes em que Peter Fonda pilotou uma moto foi o célebre
“Sem Destino” (Easy Rider), que ele próprio produziu ao custo de 400 mil
dólares. “Sem Destino” rendeu assombrosos 40 milhões de dólares e levou os diretores
de produção dos estúdios a rever seus conceitos para futuros filmes. Jovens
como Monte Hellman, Bob Rafelson e o próprio Dennis Hopper, puderam dirigir
filmes que antes jamais seriam autorizados pelos estúdios. E Peter Fonda, aos
30 anos, ganhou também a oportunidade de se lançar como diretor, escolhendo
para sua estreia atrás das câmaras um western, gênero no qual seu pai teve
algumas de seus grandes momentos como ator. A história escolhida por Fonda foi
“The Hired Hand”, de autoria de Alan Sharp, também título do faroeste que no
Brasil foi lançado como “Pistoleiro Sem Destino”, numa descarada tentativa de
se aproveitar do sucesso de “Sem Destino”.
Acima Warren Oates e Peter Fonda; abaixo Severn Darden e Verna Bloom. |
Um
dedo, uma vida - Em “Pistoleiro Sem Destino” Harry Collings (Peter Fonda),
Arch Harris (Warren Oates) e Dan Griffen (Robert Pratt) são três cowboys
errantes que um dia chegam a um lugarejo que mais parece uma cidade fantasma.
Sam McVey (Severn Darden) vive nesse lugar onde comanda seus capangas. McVey mata
Dan, a quem acusa de tentar molestar sua esposa mexicana, mas a verdadeira
intenção do bandido é ficar com o cavalo de Dan. Enquanto Hareis recupera o
animal Collings surpreende McVey dormindo e dispara contra ele acertando
propositalmente seus dois pés quando este ainda está na cama. Collings decide
então retornar ao rancho onde vivia com sua esposa Hannah (Verna Bloom) e de
onde está ausente há sete anos. Hannah aceita o retorno do marido com a
condição que ele seja apenas seu empregado. Arch Harris ruma então para a
Califórnia mas no caminho é feito prisioneiro pelos homens de McVey. Este quer
a presença de Collings para um ajuste de contas e para isso envia um mensageiro
que entrega a Collings um dedo de Harris. O mensageiro avisa que McVey cortará
um dedo de Harris por semana caso Collings não se apresente no vilarejo.
Collings deixa Hannah e a filha de sete anos e vai ao lugarejo para salvar o
amigo, ocorrendo o confronto com McVey e seus homens. O único sobrevivente desse
embate é Harris pois Collings, McVey e seus capangas tombam mortos.
Western
psicodélico - “Pistoleiro Sem Destino” é um western inteiramente
diferente de qualquer outro já que Peter Fonda intentou fazer um filme de arte,
território estranho para esse tipo de cinema. Desde a abertura o espectador
percebe que “Pistoleiro Sem Destino” foge dos padrões do gênero, com a
atmosfera criada pela fotografia de Vilmos Szigmond e a música de Bruce
Langhorne. Imagens difusas com duplas e até triplas exposições dissolvendo-se
ora com a luz do sol, ora com o luar; céu se transformando em água de rio e
cavaleiros distorcidos no horizonte com as mais cintilantes ou opacas cores.
Puro psicodelismo (que norteou muitos músicos daquele período) no afã de
traduzir visual e sonoramente o efeito do ácido lisérgico. Em meio aos mais
variados ruídos produzidos por violino, cítara e banjo (entre os
identificáveis), imagens são acompanhadas por temas musicais descompassados. Nos
momentos em que a câmara de Szigmond permite desenvolve-se uma história em
quase tudo incomum ao faroeste.
As oníricas imagens de Vilmos Szigmond. |
Verna Bloom acima e abaixo com Peter Fonda. |
Treino
para marido - Dentro de um rio um corpo em decomposição de menina loura
preso a uma linha de pescar norteia o rumo do homem sem rumo que é Harry
Collings. Ele lembra de sua filha. Poderia ser sua filha. Decide então retornar
para casa e retomar a vida com a esposa e filha, mesmo depois de sete anos
distante, sem dar notícias. O possível destino de Collings e seus dois
companheiros de cavalgada errante, é, não por acaso, a Califórnia (berço do
movimento hippie), ideia deixada de lado. Morto o mais jovem dos três cowboys
(Dan Griffen), Arch Harris acompanha Collings para conhecer o que leva o amigo a
pensar em se fixar naquele fim de mundo. Collings conta a Harris que se casou
aos 20 anos com Hannah, dez anos mais velha que ele, o que rende o comentário
sarcástico de Harris: “Você não tinha
mesmo a mínima chance...” Collings e Harris estão juntos há sete anos e a
grande amizade não impede que, chegando ao rancho, Harris se aproxime de
Hannah. Esta lhe confidencia que os diversos empregados que vinham prestar
serviços na fazenda despertavam seu desejo logo saciado sem nenhum compromisso
com os empregados. Desabotoando um pouco a blusa Hannah sente a mão de Harris
em seu tornozelo, ocasião em que ela deixa claro que homens (empregados/hired
hands) são todos iguais para ela: “Não
importaria se fosse você ou ele esta noite”. Harris é leal a Collings e
decide partir para a Califórnia permitindo que o amigo recupere a esposa e na
frase mais ambígua do filme lhe diz: “Não
acha que está na hora de treinar para marido, Harry?”. Essa sequência de
diálogos desusados para um western é o mais precioso momento do filme de Peter
Fonda.
Verna Bloom; à direita Peter Fonda e Warren Oates. |
Severn Darden baleado nos pés. |
Momentos
de ação brutal - “Pistoleiro Sem Destino” teve boa acolhida por parte da
crítica mas fracassou nas bilheterias pois não é exatamente esse tipo de
situação que, de modo geral, os fãs do gênero procuram. O western de Fonda
discute a solidão de uma mulher, o desejo incontido que arde à aproximação de
um homem. E como em muitos outros faroestes a lealdade entre amigos que
cavalgam juntos é posta à prova e Peter Fonda o faz com brilho de diretor
veterano. Pelos temas abordados este western é sombrio e a música de Langhorne dá o tom apropriado de
tristeza a este filme lúgubre, desenvolvido com lentidão ainda mais acentuada
com o uso de câmara lenta em cenas comuns. A ação se resume aos tiros de
Collings aleijando McVey e à cena final em que apenas Harris sobrevive. Fonda
suprime as cenas das mortes de Dan Griffen e de um dos bandidos, das quais só
se escuta os tiros. Ainda que pouca, a violência é perturbadora e invulgar.
Tiros em ambos os pés, como forma de castigo e a abjeta sequência do dedo
cortado de Harry, só não mais nauseabunda que a cabeça de Alfredo Garcia
carregada pelo mesmo Warren Oates no filme de Sam Peckinpah rodado três anos
depois, em 1974. Esses dois momentos de ações brutais de “Pistoleiro Sem
Destino” foram de certa forma anunciados no início do filme com o corpo da
menina preso à linha de pesca, em meio às quase líricas imagens criadas por
Vilmos Szigmond com as águas do rio. Apesar da bestialidade, as sequências de
ação são simples e pouco inovativas se comparadas ao erotismo e dubiedade das
relações entre Harris-Hannah e Collings-Harris que tornam “Pistoleiro Sem
Destino” um western único.
O dedo do personagem 'Arch Harris'; Warren Oates. |
Acima Verna Bloom e abaixo Warren Oates. |
Verna
Bloom, feia e rude - - Este western apresenta interpretações
esplêndidas de Peter Fonda e do sempre ótimo Warren Oates. Fica, porém, para
Verna Bloom o mais admirável trabalho dramático de “Pistoleiro Sem Destino”. Nada
bonita e muito sofrida, Verna interpreta a mulher rude a quem o desejo corrói e
que desperta igualmente a vontade nos homens com quem vai “para o mato ou para cima do feno”. Incrível que Verna tenha feito
tão poucos filmes, um deles “O Estranho Sem Nome” (High Plains Drifter), de
Clint Eastwood. Não menos diferente é o vilão de “Pistoleiro Sem Destino”,
Severn Darden, de óculos, barba e arrastando-se com muletas após ser ferido nos
pés. Ressalte-se o rigor da produção na direção de arte e trajes dos
intérpretes. Num tempo em que todos usavam longas cabeleiras, Peter Fonda com
barba e cabelos compridos e olhar melancólico e contemplativo, remete por vezes à imagem de
Cristo. Ted Markland e Owen Orr, dois capangas de Severn Darden (McVey)
igualmente usam cabelos longos parecendo terem saído de algum faroeste filmado
em Almería. “Pistoleiro Sem Destino” encheu de esperança os cinéfilos que
acreditaram que nascia um inspirado diretor. Peter Fonda, no entanto, dirigiu
apenas mais dois filmes: “Idaho Transfer” (1973) e “Wanda Nevada” (1979), este
contando com seu pai Henry Fonda no elenco. Com nenhum deles Peter repetiu o
acerto de sua marcante estreia como diretor de um western invulgar.
O olhar contemplativo de Peter Fonda. |
Severn Darden com os pés feridos e Warren Oates com o dedo decepado. |
O início do filme com o corpo da menina enganchado na linha de pesca. |
Os Fondas, uma das maiores dinastias do cinema: à esquerda com Peter e Jane adolescentes com o pai Henry; à direita um dos muitos prêmios recebidos por Henry Fonda. |
Uma obra-prima escondida. Um filme à ser descoberto. O trio principal dá um show aliado a uma historia sempre interessante e que te segura até o desenvolvimento final. Este filme aqui no RJ foi muitoprejudicado pois foi lançado em uma semana que muitos eram os sucessos em cartaz e foi lançado para fazer semana no cine VITORIA. Nunca mais foi reprisado e só pode ser assistido outra vez em sessões de cinemateca. Acho que este filme não foi lançado em DVD aqui no Brasil, mas recomendo a todos os amantes de westerns. Parabens ao Darcy pelo belo artigo. Vou te enviar as criticas da época e especialmente a publicada pelo O GLOBO. No Jb saiu um artigo escrito por José Carlos Avelar e Ronald Monteiro. Aguarde. Fiquei muito contente em ler este artigo.
ResponderExcluirOLá, Fernandes
ResponderExcluirObrigado e no aguardo.
Darci