25 de agosto de 2014

CAT BALLOU (DÍVIDA DE SANGUE) – LEE MARVIN, O PISTOLEIRO MAIS BEBERRÃO DO OESTE


Os dois livros de Roy Chanslor que
viraram westerns; Ann-Margret e
Kirk Douglas, que poderiam ter sido
Cat Ballou e Kid Shelleen.
A mais conhecida entre as histórias escritas por Roy Chanslor foi “Johnny Guitar”. Outra livro desse autor, intitulado “The Ballad of Cat Ballou” esteve na mira de Hollywood desde 1954 quando foi cogitado para virar filme com Burt Lancaster como o pistoleiro Tim Strawn e Tony Curtis como Kid Shelleen. Depois do sucesso de “Vera Cruz” Burt Lancaster não queria interpretar outro bandido e, além disso, Burt considerou a história de Roy Chanslor séria demais. “The Ballad of Cat Ballou” rodou por vários estúdios sem que ninguém demonstrasse interesse nessa história, a não ser Jack Palance que queria muito reviver num faroeste seu personagem de “Shane”, que com Tim Strawn guardava inegável semelhança. Finalmente em 1964 a Columbia Pictures decidiu filmar “The Ballad of Cat Ballou”, entregando a Walter Newman a tarefa de adaptar aquela história para o cinema. Depois de pronto o roteiro, Frank R. Pierson, também roteirista, foi chamado para transformar o texto numa... comédia. A Columbia queria Kirk Douglas para interpretar Kid Shelleen, mas Douglas leu o script e recusou a oferta dizendo que o personagem era secundário e pequeno demais para um astro como ele. Ann-Margret recusou também convite para interpretar a heroína Cat Ballou. Lee Marvin, que parecia fadado a ser um eterno coadjuvante em Hollywood, não perdia nenhuma oportunidade para demonstrar que era um excelente ator dramático e o papel de Kid Shelleen lhe foi oferecido. O diretor escolhido para o estranho projeto foi Elliot Silvertein, que aos 37 anos tinha larga experiência em séries de TV, mas nunca havia dirigido um filme para o cinema. Lee Marvin ficou sabendo que interpretaria também um segundo personagem, o de Tim Strawn, irmão de Kid Shelleen. Marvin foi avisado ainda que a protagonista seria Jane Fonda e o título do filme “Cat Ballou”.

Lee Marvin e seu Oscar; ao lado o cavalo
que merecia metade do prêmio sendo
treinado; abaixo Lee ouve as instruções
de Elliott Silverstein.
Do trágico ao cômico - Não foi nada fácil para Lee Marvin chegar onde a produção de “Cat Ballou” queria. Depois de inúmeros takes da sequência em que Kid Shelleen tenta acertar um alvo num celeiro, o desespero tomou conta do diretor e dos produtores, pois Lee não conseguia fazer ninguém rir ao procurar ser engraçado. Veio a ordem para despedir Lee Marvin e contratar José Ferrer, mas Elliot Silverstein disse que se Marvin saísse ele também sairia e fez uma última tentativa. Silverstein pediu a Marvin que interpretasse aquela sequência de forma dramática e não cômica e o resultado foi que atores, a equipe de filmagem e os produtores presentes riram como nunca. Lee Marvin havia achado como criar o personagem tragicômico de um pistoleiro beberrão que tem que enfrentar um aterrorizante matador que usa nariz postiço (Tim Strawn teve o nariz arrancado por uma mordida numa briga), seu próprio irmão. O final da história todos conhecem: o western-comédia fez enorme sucesso de bilheteria e de crítica, sendo indicado em quatro categorias para o Oscar, recebendo somente o de Melhor Ator, entregue para Lee Marvin. Para 20 dias de trabalho em “Cat Ballou” Lee Marvin recebeu o salário de 50 mil dólares, saltando depois do Oscar recebido para o salário de 500 mil dólares em “Os Profissionais” (The Professionals) e dobrando essa quantia, recebendo um milhão de dólares por filme em “Os Doze Condenados” e em “Os Aventureiros do Ouro” (Paint Your Wagon). Na entrega do Oscar Lee fez um dos agradecimentos mais rápidos da história daquela premiação dizendo apenas: “Metade deste prêmio pertence a um cavalo que está por aí pelo vale” (referindo-se a San Fernando Valley). Se soubesse o rumo que sua carreira tomaria após “Cat Ballou”, passando a integrar o rol dos astros mais bem pagos de Hollywood, Lee poderia dizer que devia também ao cavalo borrachón ter se tornado um milionário.


Tim Straw e seu nariz postiço de prata;
uma dime-novel de Kid Shelleen.
O pistoleiro de nariz de prata - “Cat Ballou”, que no Brasil foi exibido como “Dívida de Sangue” tem sua história contada através de flash-backs ligados pela música de dois baladeiros do Velho Oeste. São eles Sunrise Kid (Nat King Cole) e Professor Samuel Shade (Stubby Kaye) que cantando lembram que Catherine Ballou (Jane Fonda) estava prestes a ser enforcada em Wolf City, Wyoming, em 1984, por ter assassinado o empresário Sir Henry Percival (Reginald Denny). No primeiro flash-back Cat Ballou retorna a essa cidade para ser professora e encontra a fazenda de seu pai Frankie Ballou (John Marley) em situação desesperadora. Frankie Ballou explica que o inglês Sir Percival pretende destruí-lo para adquirir suas terras que são importantes porque ali há um rio que serve aos interesses financeiros do empresário. Sir Percival emprega o temido pistoleiro do nariz de prata Tim Strawn (Lee Marvin) para intimidar o velho Ballou que é morto pelo estranho matador. Cat jura vingança e contrata Kid Shelleen (também Lee Marvin), pistoleiro conhecido pois suas proezas são contadas nas dime-novels (livrinhos baratos) que circulam pelo Velho Oeste. Cat Ballou passa a ser a líder de uma quadrilha formada pelos ladrões de gado procurados pela Justiça Clay Boone (Michael Callan) e Jed (Dwayne Hickman) e ainda pelo índio Sioux Jackson Two-Bears (Tom Nardini), empregado da fazenda de Ballou. O normalmente ébrio Kid Shellen recupera a sobriedade e enfrenta Tim Strawn, que Shelleen revela ser seu irmão, matando-o. A seguir junto com Boone, Jed e Two-Bears, Kid Shelleen salva Cat Ballou quando esta já tem a corda no pescoço. Partem então todos de Wolf City, Wyoming para novas aventuras.

O logotipo da Columbia transforma-se em Cat Ballou;
Stubby Kaye e Nat King Cole; Lee Marvin bêbado;
Michael Callan, Tom Nardini e Dwayne Hickman.

Dwayne Hickman disfarçado de
padre; abaixo Michael Callan
e Jane Fonda.
Colagem de clichês - “Cat Ballou” não foi a primeira comédia-western do cinema norte-americano, mas certamente foi a mais importante pois na sua trilha vieram outras, especialmente “Banzé no Oeste” (Blazing Saddles), de 1974. E mesmo faroestes sérios como “Butch Cassidy” (1969) receberam um tom mais divertido, ainda que não pândego. Engraçado em alguns momentos, coincidentemente aqueles em que Lee Marvin está em cena, “Cat Ballou” não chega a ser hilariante como a debochada comédia de Mel Brooks. E o problema maior de “Cat Ballou” é ter sido concebido para o cinema como comédia mas desenvolvido num enredo dramático com situações arquetípicas dos faroestes. A jovem indefesa é vítima do poderoso empresário inescrupuloso que intenta se apossar de suas terras; o bandido contratado pelo homem rico veste-se de preto, é frio e desalmado; o acovardado xerife de Wolf City se submete ao poderoso empreendedor; o bando de Cat Ballou se refugia (onde mais poderia ser?) no esconderijo ‘Hole-in-the-Wall’; não falta sequer o bandido disfarçado de padre que carrega uma pistola Deringer dentro da Bíblia. Estaria tudo bem se essas situações encadeadas pelos versos dos dois baladeiros (outro clichê) estivessem a cargo de atores bons de comédia, o que não é o caso de Jane Fonda, Tom Nardini, Dwayne Hickman e, menos que todos, Michael Callan. Curiosamente a falta de graça da maior parte das sequências não impede “Cat Ballou” de ser um filme agradável e isso se deve a Lee Marvin.

Lee Marvin e uma das mais famosas fotos dos faroestes.

Quase irreconhecível: Kid Shellen.
Interpretando a si mesmo - O personagem ‘Chino’ de “O Selvagem” (The Wild One), de 1953, já deixava entrever que Lee Marvin podia também ser engraçado. E como ‘Crow’, em “Os Comancheiros” (The Comancheros), de 1960, Lee comprovou esse talento oculto, mal aproveitado posteriormente por John Ford na comédia “O Aventureiro do Pacífico”. O diretor estreante (no cinema) Elliot Silverstein conseguiu fazer de Lee Marvin uma alegre surpresa carregando em seus ombros praticamente o filme todo com seu personagem Kid Shelleen. O roteiro também ajuda com algumas boas piadas que só funcionam quando ditas por Kid Shelleen. Gaiatamente Lee Marvin afirmou que se preparou a vida inteira para esse personagem (beberrão), precisando de pouco esforço para convencer como pistoleiro inebriado. Outro ponto que favoreceu “Cat Ballou” à época de seu lançamento, foi a presença emocionante de Nat King Cole surgindo na tela a cada dez minutos com sua radiante simpatia, ele que lutava contra o câncer que lhe roubou a vida pouco depois do término das filmagens. Ainda que criativa, a presença dos baladeiros narrando as sequências que surgem em flash-backs se torna excessiva pelas tantas vezes que divide o filme.

Lee Marvin, o pistoleiro beberrão.

O ameaçador Lee Marvin.
Alegria triste - “Cat Ballou” oscila entre a comédia e a paródia sendo temperado com doses de melancolia pelo fim do Velho Oeste que se aproxima pois o filme se desenrola em 1894. Entre os bons momentos desse western-comédia está a chegada do bando ao esconderijo dirigido por um envelhecido Butch Cassidy (Arthur Hunnicutt) e demais personagens de um tempo que não existe mais; a fala dolorida e nostálgica de Kid Shelleen lembrando sua decadência atuando em circos ao lado da estrela principal Buffalo Bill, em duas sessões diárias e três sessões aos domingos; o ritual da preparação de Shelleen para enfrentar o bandido do nariz de prata; Kid Shelleen acertando a seta do vento acima do teto do celeiro. E Shelleen revive o intimidador Liberty Valance, sua inesquecível criação em “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty valance), ao forçar o mensageiro do trem a abrir o cofre atirando em seu quepe. E impossível não citar o cavalo com as patas cruzadas, tão bêbado quanto seu dono Kid Shelleen. O roteiro aborta a possibilidade de um romance entre Kid Shelleen e Cat Ballou pois esta se interessa pelo insípido cowboy Clay Boone.

A desolação de Cat Ballou diante de seus antigos ídolos.

Lee Marvin, Nat King Cole
e Jane Fonda.
Western desigual mas obrigatório - Bruce Cabot, Jay C. Flippen e Burt Mustin são rostos conhecidos dos fãs de faroestes e aparecem em “Cat Ballou”, compensando as presenças tediosas de Michael Callan e Dwayne Hickman. Jane Fonda ainda não havia se revelado a ótima e premiada atriz que tanto sucesso faria nos anos seguintes e como Cat Ballou, além de sua natural graciosidade, permite que a câmara passeie por seus atributos físicos. Nunca mais um western mostrou uma derrière tão perfeita como a de Jane Cat Ballou Fonda. Jack Marta foi o diretor de fotografia e Frank De Vol foi o responsável pela música. Yakima Cannut firigiu a 2.ª unidade, certamente cuidando das acrobacias sobre o cavalo de Kid Shelleen. A interminável canção-narrativa “Balada de Cat Ballou” foi composta por Mack David e Jerry Livingston. Este western de Elliot Silverstein rendeu 20 milhões de dólares no ano de seu lançamento, sendo um dos campeões de bilheteria naquele ano e possibilitando a seu diretor projetos mais ambiciosos como “Um Homem Chamado Cavalo” (A Man Called Horse), rodado em 1970. Mesmo sendo desigual em seus 97 minutos de duração, “Cat Ballou” é um western agradável de ser assistido. Torna-se porém obrigatório, um pouco pela beleza de Jane Fonda, outro tanto pela alegria e voz maravilhosa de Nat King Cole e muito, mas muito mesmo, pelo talento de Lee Marvin.

Tom Nardini ajuda Lee Marvin a se preparar para o grande duelo.


Jane Fonda como Cat Ballou.

Cat Ballou vista de outro ângulo.

PÔSTERES DO WESTERN "CAT BALLOU" DE DIVERSOS PAÍSES





2 comentários:

  1. Oi, Darci!
    Concordo plenamente com o seu texto, “Dívida de Sangue” está longe de ser o western cômico mais engraçado do cinema, que provavelmente é “Banzé no Oeste”, devido ao seu ritmo irregular, mas com certeza é um dos mais criativos, com ótimas idéias como a mascote da Columbia se tornando uma pistoleira, os menestréis narrando tudo, o mesmo ator interpretando os irmãos antagonistas, entre outras, mas tanta criatividade junta não quer dizer que tudo vai resultar em graça, pelo contrário, tudo pode terminar atabalhoado por querer juntar tanta coisa em tão pouco espaço. Mas as qualidades se impõem no resultado final e não se pode negar que o filme é uma delícia de se assistir, principalmente devido ao elenco, com o carisma esfuziante de Nat King Cole, e aos dois protagonistas, com Lee Marvin finalmente alcançando o mais que merecido estrelato, em um projeto que se deve parabenize sempre ao diretor Silverstein por ter a visão de chamar Marvin para papéis que, na verdade, satirizavam a sua imagem de durão, e a jovem Jane Fonda transbordando beleza e graciosidade, sem falar que aquele ar de ingênua maliciosa, que não sei é interpretação ou natural da própria da atriz, com o espertinho do Silverstein, assim como faria o diretor (e futuro marido) Roger Vadim, presenteando o público (masculino, é claro) com vários ângulos ao longo do filme focalizando o belo bumb... Quero dizer... A bela bund... É... A boa forma física de Jane, como pode ser visto nas fotos “Cat Ballou vista de outro ângulo”.
    Abraço.
    Robson

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  2. Olá, Robson
    Jane Fonda ainda é uma bela mulher (para a idade que tem), como se vê pelas fotos recentes. Lee Marvin dispensa comentários. Foi um dos grandes atores de Hollywood. - Abraços do Darci.

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