Com a morte de John Wayne, Clint
Eastwood passou a ser a única esperança dos fãs do western para que o
gênero sobrevivesse, isto após a catástrofe financeira que foi “O Portal do
Paraíso” (Heaven’s Gate), em 1980. Pouquíssimos westerns eram produzidos nos
anos que se seguiram e mesmo Clint estava, em 1985, há nove anos sem atuar num
faroeste desde que dirigira e protagonizara o excelente “Josey Wales o
Fora-da-Lei”, em 1976. Eastwood era reconhecido a cada filme que dirigia, como
um cineasta de talento e sua produtora Malpaso acumulava seguidos êxitos de
bilheteria. Foi quando Clint recebeu um roteiro intitulado “The William Munny
Killings” que o ator entendeu que era hora de retornar ao gênero que o
consagrara. Mas Francis Ford Coppola tinha prioridade no script e Clint
Eastwood jamais aceitaria ser dirigido por Coppola cuja concepção de produção
de filme sempre foi totalmente diferente da rapidez e economia de Clint. Curiosamente
Eastwood viria a dirigir esse mesmo roteiro anos depois, com o título “Unforgiven” (Os Imperdoáveis) após Coppola perder o direito à opção. Clint então decidiu produzir, dirigir e atuar
em um western com roteiro da dupla Michael Butler-Dennis Shryack, intitulado
“Pale Rider”. A escolha de Eastwood foi feita ao perceber que a história
tinha alguns pontos em comum com “Os Brutos Também Amam” (Shane), clássico de
George Stevens, filme pelo qual Clint manifestava admiração. Por sua sugestão o
roteiro foi adaptado de tal forma que “Pale Rider” (que no Brasil se chamou “O
Cavaleiro Solitário”) se transformou numa nova versão de “Shane”.
Clint Eastwood |
O
Pregador armado - Uma comunidade de mineradores da
região de Carbon Valley se vê pressionada por Coy LaHood (Richard Dysart),
minerador que usa técnicas modernas de extração agressivas à natureza com os
propulsores hidráulicos cujos jatos destroem tudo que encontram pela frente na
busca por minérios. LaHood almeja o monopólio total da exploração no
desfiladeiro de Carbon e com a iminente determinação governamental de proibir
aquele modelo de extração, o empresário quer se apropriar das áreas que por
concessões legais pertencem aos pequenos bateadores. Estes são liderados por
Hull Barret (Michael Moriarty) que sofrem um destruidor ataque por parte dos
homens de LaHood. Atemorizados com a extrema violência e sem maiores recursos
de defesa, os membros da comunidade estão prestes a abandonar suas áreas
deixando-as para LaHood. Surge em Carbon Valley um estranho, dizendo-se
Pregador (Clint Eastwood) que passa a ajudar Barret, unindo os mineradores e desafiando o poder e a
força de LaHood. Este contrata os serviços do delegado Stockburn (John Russell)
que chega à cidade acompanhado por seis bem armados assistentes. O Pregador, no
entanto, liquida um a um os assistentes e por fim duela e mata Stockburn. Os
dois homens já se conheciam de outro encontro em que Stockburn descarregara sua
arma no Pregador. LaHood ainda tenta matar o Pregador atirando nele pelas
costas mas é morto por Hull Barret. Colocando fim no domínio de LaHood, o
Pregador parte solitariamente do mesmo modo como chegou.
As costas do Pregador; a estupefação de LaHood (Richard Dysart) e Stockburn (John Russell. |
Misterioso
ser sobrenatural - O tema central da história de “O
Cavaleiro Solitário” nada tem de novo, pois histórias do bem contra o mal sempre foram o tema central dos faroestes. O que, no entanto, diferencia este western
de Clint Eastwood dos demais é a caracterização do próprio herói, bem como a
atmosfera que o diretor imprimiu ao filme através da soberba fotografia de
Bruce Surtees. O misterioso personagem sem nome criado por Sergio Leone
reaparece sob uma aura sobrenatural que já havia exibido em “O Estranho Sem
Nome” (High Plains Drifter), surgindo onde necessário fosse, como um ente etéreo
e inatingível. Na figura de um padre o estranho se reveste de maior ambiguidade
podendo ele ser um fantasma ou um ser que sobreviveu após ser crivado de balas
pelo Marshall Stockburn. E há ainda uma série de alegorias que esbarram
fortemente na religiosidade como a dos ferimentos que o Padre traz no corpo, que
lembram as chagas de Cristo. LaHood, Stockburn, homens e mulheres espreitam
impressionados a caminhada do Padre como se estivessem diante de um ser
ressuscitado. O personagem Spider Conway (Doug McGrath) exclama após ver em
ação o pregador: “Preacher my ass”, que poderia ser melhor traduzida, ainda que eufemisticamente, por ‘Padre
o cacete!’ E mais que proteger os bateadores o Padre objetiva a vingança que
após consumada nada mais o prende a Carbon Valley, de onde parte, ecoando nas
montanhas os gritos da jovem Megan
(Sidney Penny).
Doug McGrath (Spider) exclama "Padre uma ova!", ou quase isso... |
Mãe e filha (Carrie Snodgress e Sidney Penny) se ajeitando para impressionar o Padre; Clint Eastwood e Michael Moriarty tentando rachar uma rocha. |
Correspondências
com “Shane” - A crítica se dividiu diante de “O Cavaleiro Solitário” e nas
resenhas negativas era comum a citação de “Shane”, havendo até mesmo quem
falasse em debochada paródia. Declaradamente este western de Eastwood atualiza
respeitosamente o clássico de George Stevens, mesmo porque entre um e outro
houve o advento do Western Spaghetti do qual Eastwood foi um dos maiores
beneficiários. Do filme de George Stevens estão em “O Cavaleiro Solitário” a
reedição da retirada do tronco que muda para uma rocha que o roteiro
inteligentemente faz se dividir pela força e fúria do fortíssimo Club (Richard Kiel); a ida de
Spider Conway (Doug McCarthy) à cidade onde é covardemente assassinado não por
um pistoleiro mas por cavaleiros que se assemelham aos do apocalípse; e ainda a amizade
de Barret com o Padre. E mais que tudo a paixão que o estranho desperta em
Sarah Wheller (Carrie Snodgress) e em sua filha Megan, aqui uma adolescente que
em “Shane” é o pequeno Joey. E o envolvimento das duas mulheres com o Padre,
mesmo previsível, ocorre com extrema delicadeza, mesmo que faça sofrer a jovem
e satisfaça momentaneamente a mãe sedenta de amor. De poucas palavras, como de
hábito são os personagens de Eastwood, o Padre transborda de indulgente ternura a sua ordem a Sarah: “Feche a porta!”,
momento sublime deste western vigoroso. Impossível para o Shane/Alan Ladd dizer
isso.
Carrie Snodgress e Michael Moriarty (acima); Clint e Sidney Penny. |
Ator
principal em segundo plano - Clint Eastwood está presente em todo
o filme, ainda que surja em cena em apenas metade das sequências, abrindo
espaço para o drama da comunidade de bateadores, para a avidez de LaHood pai e
filho e para a brutalidade dos dois grupos de vilões. Dos atores ‘secundários’
com intensa presença no filme destacam-se Michael Moriarty em ótima performance, seguido pela interpretação de Carrie Snodgress como a sofrida e
desnorteada mulher abandonada pelo marido. John Russell, em seu penúltimo
trabalho no cinema está esplêndido em sua circunspecção e sua morte, alvejado pelo Padre é nunca
menos que antológica. Eastwood só não foi perfeito na direção de atores por
permitir uma excessiva e aborrecida atuação de Doug McGrath que a todo custo
tenta se mostrar superior à inesquecível criação de Elisha Cook Jr. como ‘Stonewall
Torrey’ em “Shane”. Ótimo aproveitamento de Richard Kiel de quem Clint extraiu
uma humanidade que não se suspeitava fosse ele fosse capaz de dar a seu
personagem. E Clint Eastwood, o mestre do minimalismo, atinge um dos momentos
maiores de sua carreira como ator, prenunciando a pungência e angústia com que
interpretaria ‘William Munny’ em “Os Imperdoáveis”. Clint é desses raros atores
que impõe sua persona aos tipos que interpreta aduzindo a eles forte expressividade, desta vez numa eminência fantasmagórica.
O Padre aplica uma surra de bastão nos homens de LaHood. |
Coesão
e precisão narrativa - “O Cavaleiro Solitário” é um western
extraordinário pela concisão de sua narrativa, resultado do domínio da
linguagem cinematográfica por parte de Clint Eastwood. Assim como o próprio
personagem-título, o filme é direto, com cortes secos porém precisos e sem
excessos de movimentos desnecessários de câmara ou busca de ângulos que visem
impressionar o espectador. O início atordoante mescla imagens do ataque dos
homens de LaHood à comunidade com o terror estampado no rosto dos apavorados
bateadores, completada pela alternância sonora num conjunto arrebatador. A sequência
em que o Padre abate quatro capangas de LaHood com um cabo de enxada em frente
ao armazém é admirável, ainda mais que o estranho faz uso da mesma arma que os
homens utilizaram para surrar Barret. Inúmeros são os momentos de ação como o
Padre enfrentando o gigantesco Club (cena idêntica à de "Butch Cassidy"), disparando contra Josh
LaHood (Christopher Penn) e como se fosse uma aparição dizimando o bando de LaHood. Eastwood reservou para o
final um dos mais soberbos confrontos apresentados num western e longe do
exibicionismo semiinfantil de “Silverado” (realizado no mesmo ano), Clint
Eastwood rende homenagem a seu mestre Sergio Leone com uma composição
meticulosa e de incrível beleza cênica, prescindindo da riqueza musical de
Ennio Morricone. Eastwood impressiona ao mostrar o Padre provocando inquietação
nos homens de Stockburn, desaparecendo em seguida e deixando no solo seu
insólito chapéu que somente Clint poderia usar sem parecer caricato. As mortes
desse confronto são rápidas e críveis, preparando para o momento supremo
da execução de Stockburn que após ser trespassado por vários projéteis a
queima-roupa, recebe o tiro de misericórdia na testa.
O tiro de misericórdia na testa de Stockburn. |
‘Um
western decente’ - A música de “O Cavaleiro Solitário”
foge de ser temática dos personagens, compondo-se de acordes sonoros que marcam
fortemente cada cena, isto num tempo em que cada vez mais era valorizada a melosidade
das trilhas sonoras. Rodado em 45 dias ao custo de quatro milhões de dólares,
“O Cavaleiro Solitário” rendeu 60 milhões de dólares quando de seu lançamento nos Estados Unidos,
desmentindo aqueles que diziam que faroestes não atraiam mais o público. Menosprezado
ainda hoje por boa parte da crítica (Leonard Maltin atribui ao filme meras duas
estrelas), “O Cavaleiro Solitário” recebeu de importantes críticos significativos
elogios. Roger Ebert disse que o filme é “um western clássico no estilo e na
emoção”; Vincent Canby (‘New York Times’) escreveu sobre “Pale Rider” dizendo que
este “é o primeiro western decente em muitos e muitos anos”; Andrew Sarris
afirmou em sua resenha sobre o filme "que os instintos de Clint Eastwood são inspiradores
na intenção de manter o gênero vivo”; no Brasil Guido Bilharinho, autor do
livro ‘O Filme de Faroeste’ deu a “O Cavaleiro Solitário” o subtítulo de “Obra
de Arte”; A.C. Gomes de Mattos classificou este western de Eastwood como “um
dos faroestes relevantes da década de 80”. “O Cavaleiro Solitário” é um western
que raramente entra em alguma lista dos dez melhores, e uma exceção foi o caso de Aulo ‘Doc’
Barretti que o classificou em quarto lugar na sua relação de melhores
faroestes. A culpa por esse menosprezo talvez recaía no fato de o outonal e
premiado “Os Imperdoáveis” (Unforgiven) ser uma quase unanimidade não só na
carreira de Clint como ator-diretor-produtor, mas também do próprio gênero. Isso não impede que “O Cavaleiro Solitário” seja um dos mais perfeitos faroestes do cinema
norte-americano.
Um padre e sete 'homens da lei' com seus distintivos. |
Ola Darci
ResponderExcluirExcelente e equilibrada resenha, sobre este, " um dos mais perfeitos faroestes do cinema norte-americano". As cenas inicias são fantásticas: aquele som do tropel ensurdecedor através das montanhas, intercalado com o silêncio do vale, vai criando aquela expectativa crescente, que algo vai acontecer, que vai haver ação. É verdade que ele foi rotulado como uma versão de Shane, motivos não faltaram, pois há muita coisa em comum, até o final com a mocinha chamando pelo pastor, que vai embora. Mas nada disto tira o seu brilho, pois vejo nele, todos os pré-requisitos de um grande western(cenários, ação, suspense e uma história convincente). Eastwood nunca se importou em ter seus filmes comparados com outros. Comenta-se que o seu filme, O estranho Sem Nome(High Plains Drifter-1973), foi baseado em Django, o Bastardo(1969-com Anthony Steffen), filme este, que o personagem principal, transmite aquela áurea sobrenatural e que surge do nada para uma vingança.
Aquela turma de bandidos com sobretudo, lembra Era Uma Vez no Oeste, pois, segundo os especialista, é muito difícil separar Eastwood de Leone, de quem teve forte influencia, entretanto, ele já era genial e a sua ida à Itália, abriu o seu universo cinematográfico.
Este filme também fez parte do top ten de Edélzio Sanches, neste blog.
Abraços-Joailton
Olá, Joailton
ExcluirObrigado pelo elogio. Clint Eastwood é um dos maiores nomes de todos os tempos do cinema. Não apenas por ter sido o segundo maior campeão de bilheteria do cinema norte-americano, atrás apenas de John Wayne, mas por ter se tornado premiado diretor de grandes filmes. Muitos filmaram com Leone e com Don Siegel, mas somente Eastwood fez uso das influências na realização de alguns filmes excepcionais. E como se sabe, ninguém filma com maior rapídez e economia, demonstrando que não há necessidade de posar de gênio como tantos outros. E Clint é daqueles inquietos que nunca se dão por satisfeitos e nos surpreende a cada novo filme, apesar de ser oitentão. Por sinal, só Woody Allen chegou a essa idade filmando.
Abraço do Darci
Prezado Darci,
ResponderExcluirExcelente comentário, como sempre, sobre “O Cavaleiro Solitário” (The Pale Rider).
O western de Clint Eastwood pode estar em qualquer lista dos 100 melhores. No entanto, apesar de ser um dos filmes de maior bilheteria de 1985, como você observou, foi tanto elogiado como também execrado por alguns críticos de renome com as seguintes citações, entre outras : “... sem a decência de espírito encontrada em Shane”, “... as similaridades, cena por cena, tornou-se uma paródia de Shane”, “...pretensioso e sem brilho, com tanta clonagem de Shane ficou ridículo”, felizmente após 29 anos de realizado “Pale Rider” está sendo revisitado dentro da filmografia de Eastwood como um dos melhores filmes por ele dirigidos.
Embora, os argumentos sejam semelhantes, em “Pela Rider” existem diferenças no tratamento do enredo como o herói não ter nome; ser desejo sexual da mãe Shara (que vai para a cama com ele) e da filha Megan (dela) de apenas 15 anos de idade; os personagens Shara e Hull não são casados oficialmente; em vez de um menino (Joye) é uma adolescente (Megan) e Stockburn, personagem equivalente a Wilson, já tinha enfrentado “The Preacher” anteriormente.
O duelo entre os capangas do Sheriff Stockburn (John Russell) lembra “Matar ou Morrer” (High Noom).
Clint Eastwood, como John Wayne e alguns outros atores que se tornaram famosos, foi por muitos anos renegado pela crítica, sendo taxado que seus personagens pouco falavam porque ele não sabia se expressar em falas mais complexas.
Clint Eastwood provou seu talento como diretor desde “Perversa Paixão” (Play Mist for me) e como ator em “Os Imperdoáveis” e “A Menina de Ouro” (Million Dollar Baby) e, também, mostrou que foi excelente aluno de Ted Post, Donald Siegel e Sergio Leone.
Mario Peixoto Alves
Olá, Mário
ResponderExcluirBem observadas por você as diferenças do filme de Clint em relação a Shane que, incensado, parece ser uma heresia tentar se aproximar dele. Que eu saiba Clint nunca disse nada a respeito, mas certamente queria mostrar o que seria possível fazer com Shane não houvesse naquele tempo a censura tão drástica no cinema norte-americano que permitia, quando muito, a sugestão. Shane é um clássico justamente por ser um western influente e O Cavaleiro Solitário, sendo um remake do filme de Stevens, o atualizou mostrando o que foi perdido no filme de 1953.
Darci Fonseca
Por coincidência, há poucos dias assisti, pela segunda vez, a Pale Rider. Considero um faroeste excelente em todos os aspectos já mencionados na resenha de Darci Fonseca. É um filme que recomendo e a que assistirei, se Deus quiser, outras vezes.
ResponderExcluirO "SHANE" de Clint ficou ótimo !!!!!!
ResponderExcluirEu tenho O Cavaleiro Solitário entre os meus dez filmes de Westerns preferidos, já vi mais de 8 vezes e pretendo ver mais: E recomendo a todas as pessoas que gostam de filmes de Westerns, garanto que não vão se arrepender de assistir. abraços
ResponderExcluirJoaquim
Adoro o Clint Eastwood. Aliás, amo.
ResponderExcluirConheci qdo estreou no SBT em 1990, revi ainda nos anos 90, e tb em: 2001, 2014, 2016 e hoje!
ResponderExcluirDe bom a muito bom!
Mistura (o que sempre me incomoda) dos ótimos "Os Brutos Também Amam" e "O Estranho Sem Nome"!
Meu ranking dos 11 faroestes do Clint:
OS EXCELENTES ------------------------
POR UNS DÓLARES A MAIS
TRÊS HOMENS EM CONFLITO
O ESTRANHO SEM NOME
OS IMPERDOAVEIS
OS MUITO BONS ------------------------
POR UM PUNHADO DE DÓLARES
CAVALEIRO SOLITÁRIO
OS BONS ------------------------
JOE KIDD
JOSEY WALLES
OS ABUTRES TÊM FOME
OS RAZOÁVEIS ------------------------
A MARCA DA FORCA
EMBOSCADA EM CIMARRON PASS
O TRISTE ------------------------
OS AVENTUREIROS DO OURO