Cowboys no cinema muitas vezes viajaram
para lugares distantes do Velho Oeste, isto descontadas as aventuras passadas
no México, que era logo ali atravessando o Rio Grande. Quem não se lembra de
Glenn Ford aqui no Brasil em “O Americano” (1955)? A vizinha Argentina foi
visitada por Rory Calhoun em “O Gaúcho” (1952) e por Robert Taylor em “Terra
Selvagem” (1966). Até a África serviu de cenário em “Jim, um Cowboy na África”
(1967), com Hugh O’Brian cavalgando no Quênia. Em 1990, quando a produção de
faroestes rareava, foi lançado “Contratado para Matar” (Quigley Down Under),
com Tom Selleck saindo do Wyoming para a Austrália. O título original contém a
expressão idiomática ‘down under’,
utilizada para se referir à Austrália, uma vez que o nome do país não poderia fazer
parte do título. ‘Down under’ significa
algo parecido com ‘bem lá embaixo’ dada a localização geográfica da Austrália.
Robert Duvall e Tommy Lee Jones no sublime "Pistoleiros do Oeste", dirigido pelo australiano Simon Wincer. |
Steve
McQueen e Harrison Ford - Escrita pelo norte-americano Jim
Hill, a história da aventura australiana do atirador Matthew Quigley era para
ser vivida no cinema por Steve McQueen que não pode assumir o compromisso em
razão da doença que o levou à morte. Harrison Ford foi cogitado para ser
Matthew Quigley mas considerou o personagem parecido demais com Indiana Jones.
Tom Selleck, também convidado, não podia abandonar a série “Magnum” que teve
oito bem sucedidas temporadas, começando a perder audiência somente no nono ano
de produção, sendo então cancelada e possibilitando a Selleck interpretar
Matthew Quigley. O que foi determinante para que Tom Selleck, então um dos
astros mais bem pagos do cinema e da TV, aceitasse atuar em “Contratado para
Matar” foi o fato de o filme ser dirigido por Simon Wincer. O último trabalho
de Wincer havia sido “Pistoleiros do Oeste” (Lonesome Dove), a maravilhosa
série para a televisão em quatro episódios, num total de seis horas e 24
minutos de duração. Estrelada por Robert Duvall e Tommy Lee Jones a série “Pistoleiros do
Oeste” ganhou todos os prêmios de 1989 e deu ao australiano Simon Wincer
enorme projeção. As filmagens de “Contratado para Matar” foram feitas na
Austrália, com a maior parte do elenco composta por atores australianos,
inclusive aborígenes que se tornaram atores. Para interpretar o principal vilão
foi contratado o inglês Alan Hickman e como interesse romântico de Matthew Quigley
a atriz Laura San Giacomo.
Acima Quigley e Marston; abaixo os caçados aborígenes. |
Missão:
matar aborígenes - O fazendeiro Elliott Marston (Alan
Hickman) possui vastas terras no oeste da Austrália e tem apenas um problema que são
os aborígenes que roubam seu gado e outros animais para sobreviver. Com
autorização do Governo Britânico, que mantém a Austrália sob seu domínio,
Marston pode matar os aborígenes. Porém mesmo com duas dezenas de homens armados
que comanda, os nativos levam vantagem nas artimanhas que usam contra o dono
das terras e seus violentos capangas. Marston decide então colocar um anúncio
para contratar um atirador com perícia em tiros de longa distância, forma única
de abater os invisíveis aborígenes. Matthew Quigley (Tom Selleck), que vive no
Wyoming, atende ao anúncio e viaja dos Estados Unidos para a Austrália. Quigley
impressiona Marston com a habilidade no uso de um rifle Sharp costumizado e
informa ao cowboy como ele deverá usar sua perícia, ou seja, matando
aborígenes. Indignado com a proposta, Quigley rompe o trato de imediato, surra
Marston mas é dominado e deixado no deserto para morrer juntamente com Crazy
Cora (Laura San Giacomo). Cora é uma prostituta levada junto com outras duas
para a fazenda de Marston. Semimortos no deserto, Quigley e Cora são
encontrados e salvos por aborígenes Testemunhando a crueldade das ações dos
homens de Marston contra os nativos, o atirador inicia uma série de investidas
contra o império de Marston. Ao final Quigley extermina com o matador de aborígenes
e com a ajuda destes afasta um pelotão de soldados do Império Britânico que
tinha ordens para capturá-lo vivo ou morto. Missão cumprida, Quigley retorna a
seu país com Cora e com seu rifle Sharp.
Matthew Quigley e seu rifle Sharp costumizado cujo tiro certeiro alcança mais de mil metros. |
País
diferente, história igual - Em “Contratado para Matar” a ação
não se passa no Oeste dos Estados Unidos e sim no Oeste da Austrália, onde não
há índios, mas onde vivem os aborígenes de pele escura, correspondentes
australianos aos nativos chamados de pele-vermelhas. Assim como os índios foram
vítimas de monstruoso genocídio na América, na Austrália a ganância pela posse
da terra levou os poderosos a apressar o extermínio dos nativos que lá viviam
há séculos. O cinema através dos faroestes já mostrou incontáveis vezes
histórias semelhantes, de início com os índios sendo mostrados como seres
cruéis e irracionais; com o revisionismo histórico a verdade inquestionável
mostrou o homem branco, geralmente vestido de azul, como conquistador e
assassino autorizado pelo governo sediado em Washington. O filme de Simon
Wincer é um western passado na Austrália que conta história semelhante, diferente apenas
no recrutamento de um atirador perfeito oriundo da América. Elliott Marston
explica a Matthew Quigley: “Não conseguimos
domesticar o povo mais primitivo do mundo, mas fomos autorizados pela Rainha a
fazer a ‘pacificação à força’. Porém os aborígenes aprenderam a ficar longe da
mira dos rifles”. Aí deveria entrar o rifle Sharp de Matthew Quigley.
Acima Quigley e Cora comendo larvas. |
‘Aqui
não é Dodge City!’ - Embora com forte conotação
histórico-social, “Contratado para Matar” é uma grande aventura, com um herói
praticamente indestrutível. Qual um Indiana Jones, o atirador Matthew Quigley
enfrenta toda sorte de perigos com seu rifle Sharp e assim como o herói-arqueólogo
dos filmes de Steven Spielberg, até mesmo larvas vivas Quigley é obrigado a
comer. Neste caso para ganhar a confiança dos perseguidos aborígenes que lhe
salvaram a vida. Para ficar mais parecido ainda com 'Indy', a mocinha que
acompanha Quigley é bastante atrapalhada dificultando as tarefas do herói. E há
o vilão carismático, todo de preto, com o pernóstico sotaque inglês e o bigode
que não poderia faltar. E haja bandidos para morrer a cada confronto com
Quigley, sempre mais esperto, rápido e espirituoso. O duelo final se passa num
curral e é exemplar no nonsense pois Marston gosta de se imaginar como homem do
Velho Oeste norte-americano e não como australiano. Marston diz a Quigley que nasceu
no continente errado e em época errada, ouvindo como resposta de Quigley: “Aqui não é Dodge City e você não é Bill
Hickok!” E Quigley dispara um Colt como um raio contra Marston e seu capangas
Dobkin (Tony Bonner) e o jovem O’Flynn (Ben Mendelsohn). Marston acreditava que
Quigley só soubesse atirar com seu rifle Sharp e incrédulo e moribundo ouve,
antes de morrer, seu ex-contratado dizer: “Eu
não lhe disse que não sabia atirar com Colts; apenas disse que nunca precisei
atirar com eles”. Puro nonsense. Com ótima cenas de ação, “Contratado para
Matar” é comprometido pelas muitas sequências com Laura San Giacomo e pelo
final incoerente com a presença de aborígenes tomando todo o horizonte,
eles que antes eram dizimados em pequenos grupos.
O confronto covarde e desigual; abaixo Quigley debocha das fantasias de Marston. |
Misto
de Gary Cooper com John Wayne - Tom Selleck era um ator subestimado,
a quem se acreditava ser capaz apenas de perseguir bandidos dirigindo uma
Ferrari 308GTSi na pele do detetive ‘Magnum’. Selleck demonstra em “Contratado
para Matar” e comprovaria com outras interpretações que atrás daquele vasto
bigode (e neste filme um pequeno cavanhaque) se escondia um bom ator. Um misto
da calma de Gary Coper com a rispidez e força de John Wayne. Selleck é o
contraponto da exagerada Laura San Giacomo com a sucessão de overactings a cada
sequência que participa. E Alan Rickman interpreta um vilão tão antipático
quanto estúpido, vilão que jamais deixa de dar uma chance de sobreviver ao
herói. Marcantes as presenças dos atores aborígenes com suas expressões fortes
e sofridas. As belas paisagens australianas valorizam sobremaneira este western
que tem trilha musical de autoria de Basil Poledouris com variados andamentos e
estilos lembrando em momentos as trilhas de Riz Ortolani e de Ennio Morricone.
E mesmo Sergio Leone é citado não só com a encenação do duelo de Quigley contra
Marston e seus dois capangas no curral da fazenda, mas também com o caricato
personagem da estação que por pouco não dispara contra o herói.
Bilheterias
apenas regulares - “Contratado para Matar” não alcança
a consistência dramática esperada pelo espectador frustrado em vista do tema
focalizado. Mas a proposta do filme era inicialmente a de divertir e se
possível provocar reflexões. Bastante mais apropriado ao grande público que “Os
Imperdoáveis” (Unforgiven) de 1990 e “Dança com Lobos” (Dances with Wolves) de
1992, o faroeste de Simon Wincer pode ser rotulado como fracasso nas
bilheterias norte-americanas pois custou 20 milhões de dólares e arrecadou
somente 21 milhões de dólares. O filme de Clint Eastwood custou 14,4 milhões e
rendeu 101 milhões, enquanto o de Kevin Costner custou 19 milhões e arrecadou
184 milhões nas bilheterias. No entanto “Contratado para Matar” se tornou um
western cult quando lançado em VHS e mais tarde em DVD, conseguindo receita
maior que a conseguida nos cinemas em que foi exibido. Dos atores de sua
geração Tom Selleck foi um dos que mais atuou em faroestes, quase todos
produzidos para a TV mas que foram lançados em DVD. Muito merecidamente Selleck
foi agraciado com o prêmio ‘Golden Boot Awards’ (1992) atribuído àqueles que
muito contribuíram com o gênero western. Tom Selleck recebeu ainda o prêmio
‘Bronze Wrangler’ da Western Heritage Awards nos anos 1998, 2002, 2004 por suas
atuações nos westerns “Last Stand at Saber River”, “Crossfire Trail” e “Monte
Walsh”.
Belíssima ilustração de Matthew Quigley inspirada nitidamente em Hondo Lane, personagem de John Wayne em "Caminhos Ásperos". |
Matthew Quigley (Tom Selleck) faz demonstração de sua perícia com o rifle Sharp para seu contratante Elliott Marston (Alan Rickman); abaixo Tom Selleck com Laura San Giacomo. |
Pode-se até discutir se Tom Selleck é ou não um bom ator (na minha opinião é bom), mas uma coisa que é indiscutível é sua contribuição em manter vivo, ao lado de Ed Harris, Robert Duvall, Tommy Lee Jones e mais uns poucos, a chama viva do western. É com satisfação que podemos dizer que são corajosos, nesses tempos em que os efeitos especiais e estórias mirabolantes tomam conta do cinema.
ResponderExcluirFrancisco.
Olá, Francisco
ResponderExcluirDessa safra que você citou eu lembraria ainda de Sam Elliott.
Darci
Muito, muito fraco. Isto não é western. O que valeu foi o artigo escrito pelo Sr. Darcy. Valeu, mas como mfilme é ruim de doer.
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