20 de fevereiro de 2013

OS COMANCHEIROS (The Comancheros) – EMPOLGANTE FAROESTE DE JOHN WAYNE



Michael Curtiz em Assis, na Itália,
por ocasião de seu penúltimo filme
"São Francisco de Assis", em 1960.
Um leitor do WESTERNCINEMANIA sugeriu há tempos que fosse feita uma enquete para eleger os dez melhores westerns de John Wayne, descartados aqueles em que o Duke foi dirigido por John Ford. É uma ótima idéia pois são muitos mesmo os excelentes westerns de John Wayne. Entre eles merece ser lembrado “Os Comancheiros” (The Comancheros), um faroeste com algumas imperfeições mas que é um dos melhores do Duke. A direção é creditada a Michael Curtiz que estava bastante adoentado durante as filmagens iniciadas em junho de 1961. Curtiz teve mesmo que se afastar antes de terminada a rodagem deste western devido ao câncer que o consumia. Quanto de “Os Comancheiros” Curtiz dirigiu é um mistério, havendo quem diga que não chegou a um terço do filme. E mesmo enquanto trabalhou nesta produção, Curtiz era incapaz de se lembrar do que devia fazer e até mesmo dos nomes dos atores, permanecendo a maior parte do tempo sentado. O produtor George Sherman prevendo o iminente desastre pediu a John Wayne que dirigisse “Os Comancheiros”, inicialmente de forma discreta para não melindrar Michael Curtiz. Não demorou muito e com o afastamento do diretor húngaro John Wayne passou a comandar o filme, excetuadas as sequências de ação que ficaram a cargo do diretor de segunda unidade Cliff Lyons. John Wayne se recusou a ser creditado como co-diretor, em homenagem a Curtiz que faleceu semanas após o lançamento de “Os Comancheiros”. Bonito gesto do Duke, pois esse é um faroeste que honra a filmografia de qualquer diretor, especialmente a dele, tão pequena.


Michael Wayne (filho de John Wayne) com o pai
ladeando James Edward Grant; abaixo Cliff Lyons.
A ‘Stock Company’ de John Wayne - “Os Comancheiros” seria o último de um contrato de três filmes de John Wayne com a 20th Century-Fox, pelos quais o ator recebeu dois milhões de dólares, dinheiro que o ajudou a se recuperar parcialmente das perdas com “O Álamo”. O produtor executivo de “Os Comancheiros” era o também diretor George Sherman e o autor do roteiro era James Edward Grant e William H. Clothier o cinegrafista e Alfred Ybarra o diretor de arte, todos grandes amigos de John Wayne. Esse fato somado à doença e afastamento de Curtiz deu margem a Wayne poder dominar inteiramente o filme, inclusive ampliando a participação de seu filho Pat Wayne e colocando também sua filha Aissa no elenco. Alguns dos atores contratados para “Os Comancheiros” como Guinn Williams, Bob Steele e Bruce Cabot eram amigos de longa data de John Wayne. Cliff Lyons, o responsável pelas cenas de ação e a maioria dos dublês eram todos amigos de John Wayne, tendo muitos deles trabalhado em “O Álamo”, épico cujas cenas de ação foram dirigidas por Cliff Lyons. Esse clima quase familiar reflete-se na própria atuação do Duke, imensamente ajudado pelos diálogos que melhor que ninguém James Edward Grant escrevia para os personagens vividos por John Wayne. “Os Comancheiros” marcou também a passagem de Lee Marvin para o seleto clube dos grandes astros, ainda que num pequeno mas marcante papel. Duke e Marvin se deram bem durante as filmagens e como Marvin já havia assinado contrato para atuar sob as ordens de John Ford, Duke o avisou: “Depois de atuar com Pappy (Ford), sua carreira vai mudar”. E mudou mesmo pois Lee Marvin se tornou um dos atores mais bem pagos do cinema, ganhando até um Oscar.

Duelo entre Gregg Palmer e Stuart
Whitman; Lee Marvin ameaçando John
Wayne; alto comando comancheiro com
Richard Devon, Tom Hennesy (em pé),
Nehemiah Persoff e Michael Ansara.
De Texas Ranger a contrabandista - A história de “Os Comancheiros”, de autoria de Paul Wellman foi adaptada inicialmente por Clay Huffaker, autor dos roteiros de “Rio Conchos”, “Quadrilha do Inferno” e “Estrela de Fogo”. Porém como já havia acontecido em outros filmes, John Wayne exigiu que a Fox contratasse James Edward Grant para que este tornasse o roteiro mais adequado ao amigo Wayne. A história de “Os Comancheiros” é bastante diferente dos padrões simples dos westerns e tem início em 1843 com um duelo em New Orleans, segundo os costumes lá deixados pela cultura francesa. O duelo leva Paul Regret (Stuart Whitman), um dos duelistas, a ser acusado injustamente como criminoso. Regret passa então a  ser procurado em vários Estados, inclusive no Texas que ainda era uma República independente onde os Texas Rangers mantinham a lei e a ordem. Jake Cutter (John Wayne) é um capitão dos Texas Rangers que prende Paul Regret e tenciona devolvê-lo à Justiça da Louisiana. Regret consegue fugir e Cutter recebe a incumbência de investigar o contrabando de armas que vão parar nas mãos dos Comanches. Cutter se faz passar por Ed McBain, um contrabandista de armas e conhece Tully Crow (Lee Marvin), que mantém contato com os comancheiros, grupo de renegados que opera o contrabando armando os índios. Cutter mata Crow e casualmente reencontra Paul Regret, passando a ter duas missões: entregar Regret à Justiça e se infiltrar entre os comancheiros, como se fosse Ed McBain. Levado ao Texas, Paul Regret recebe um perdão do Juiz Breen (Edgar Buchanan) com a condição de se tornar um Texas Ranger, o que aceita prontamente. Cutter e Regret conseguem chegar com as armas no quartel-general dos comancheiros que são liderados por Graile (Nehemiah Persoff). Cutter e Regret caem prisioneiros dos comancheiros e escapam da morte porque Pilar Graile (Ina Balin) se apaixona por Regret, evita as execuções dos dois e facilita uma fuga para eles. Com a chegada dos Texas Rangers o quartel-general dos comancheiros é destruído e Graile é morto.

Stuart Whitman sendo levado do Texas para
New Orleans em um burro; a 'independente'
Pilar (Ina Balin), com John Wayne.
New Orleans é logo ali... - O roteiro de “Os Comancheiros” tem um personagem mal delineado na figura de Pilar, filha do líder dos comancheiros e herdeira natural da poderosa e secreta sociedade criminosa. Pilar, mostrada como mulher fria e dominadora, se deixa envolver sentimentalmente e dominar por um aventureiro, pelo qual se apaixona, de forma pouco convincente e isto devido à inadequação da personagem à atriz Ina Balin. Quase uma piada é Jack Cutter ter de levar sozinho o prisioneiro Paul Regret de Galveston (Texas) à Louisiana, distante mais de 600 quilômetros. E ainda com Regret montando uma mula. Impossível para quem minimamente conheça o Velho Oeste não perceber o grotesco erro de em “Os Comancheiros” serem utilizadas armas que ainda não eram fabricadas. Os rifles de repetição usados no filme só entrariam em uso após a Guerra Civil e a trama de “Os Comancheiros” passa-se quase 20 anos antes. E não apenas os rifles, mas também os Colts Peacemakers que os Texas Rangers empunham em suas ações contra os bandidos. Esses fatos poderiam comprometer o filme, o que não acontece pois o que não falta em “Os Comancheiros” é ação da melhor qualidade e diálogos saborosos. Alguns deles devem ter deixado furiosos os texanos, como quando o Juiz Breen diz: “Como bons e sensatos texanos faremos tudo de maneira ilegal e desonesta”. E o mesmo Juiz Breen nomeia Paul Regret como Texas Ranger dizendo a ele: “Agora você é membro da mais nobre e mal paga organização do mundo”. Para explicar a Jack Cutter como funciona a sociedade por ele criada, Graile, o chefe dos comancheiros, diz: “Nossas regras são maravilhosamente simples. Infrinja-as e você morrerá”.

O Duke com Bob Steele; ao centro com Bruce
Cabot e Guinn 'Big Boy' Williams; abaixo com
Edgar Buchanan e Bruce Cabot. 
O meio escalpo de Lee Marvin - Em seus últimos filmes (“Onde Começa o Inferno”, “Hatari”, “O Álamo” e “Fúria no Alasca”) John Wayne conquistara mocinhas que mais pareciam suas filhas, fato que não passava despercebido nem a seus maiores fãs. Em “Os Comancheiros” o Duke iniciou uma nova fase de sua carreira, deixando para um ator mais jovem os beijos e abraços dados na mocinha do filme, neste caso o galã foi Stuart Whitman. E John Wayne entendeu-se bastante bem com Whitman, formando com ele uma dupla incrivelmente afinada. Outros personagens que funcionam admiravelmente são os dos veteranos Bob Steele, Guinn ‘Big Boy’ Williams e Edgar Buchanan. Último filme de Guinn Williams, já com a saúde visivelmente deteriorada, e que faleceria em 1962. Edgar Buchanan repete o papel que criara na série de TV “Judge Roy Bean”, mudando apenas o nome para ‘Judge Breen’. Uma pena que Jack Elam não tenha sido melhor aproveitado como um dos comancheiros, destaque que ficou para Michael Ansara como um enciumado mestiço. Nehemiah Persoff procura criar um vilão marcante, isto depois da deliciosa participação de Lee Marvin como ‘Tully Crow’. Assustador com metade de sua cabeça escalpelada e uma fina trança completando a figura, Lee Marvin cria mais um tipo vil e cruel na sua incomparável galeria, prenunciando o facinoroso Liberty Valance. Ina Balin não possuia as qualidades que sobravam em Carolyn Jones e Rita Moreno, por exemplo, mais adequadas para interpretar ‘Pilar’, isto para não falar em Katy Jurado, cujos melhores dias de mulher sensual haviam passado. A judia Ina Balin, nascida no Brooklyn, era a aposta da Fox para ser uma nova Ava Gardner, mas não foi longe na carreira, apesar das chances que teve.

O metade escalpelado Tully Crow (Lee Marvin).

Faroeste empolgante - “Os Comancheiros” é um dos mais vibrantes e agradáveis faroestes do início dos anos 60 e para isso muito contribuiu a trilha sonora de Elmer Bernstein. O tema principal não teve a sorte de ser escolhido para publicidade, como aconteceu com o main-title de “Sete Homens e Um Destino”, mas nem por isso é menos empolgante e para os apreciadores de trilhas sonoras vale à pena conhecer a suíte composta por Bernstein para “Os Comancheiros” peça disponível no YouTube. Rodado em sua maior parte em Moab (Utah), região que lembra bastante o Monument Valley, William H. Clothier faz seu costumeiramente admirável trabalho de cinematografia. Outro aspecto que merece destaque em “Os Comancheiros” é o esplêndido trabalho dos dublês, com Cliff Lyons não perdendo uma única oportunidade para coreografar quedas simultâneas de dois, três e até quatro cavalos. Além de John Ford, em 1961 o Duke já havia sido dirigido por diretores talentosos como Raoul Walsh, Howard Hawks, Henry Hathaway, Allan Dwan, William A. Wellman, DeMille, Nicholas Ray, Jules Dassin, John Huston e o próprio Michael Curtiz. Ator-produtor, John Wayne sempre se preocupou com tudo que envolvia a realização de um filme e deve ter observado bastante o trabalho de cada diretor. A isso certamente se deve o ritmo excelente e momentos de humor de “Os Comancheiros”. Com suas muitas sequências de ação, diálogos brilhantes e diversas interpretações ótimas, “Os Comancheiros” é um dos faroestes do ator John Wayne que merecem estar na lista referida no início desta resenha. Filme para ser visto e revisto sempre com renovada satisfação.

Acima Pat e Duke Wayne com Stuart Whitman; Ina Balin com Whitman;
no centro Edgar Buchanan e Nehemiah Persoff; abaixo Duke e a filha Aissa.
Os dois torturados da foto são os fantásticos stuntmen Chuck Roberson e
Chuck Hayward, apelidados respectivamente de 'Bad Chuck' e 'Good Chuck'.
"Os Comancheiros" é um extraordinário festival de quedas de cavalos sob a
direção de Cliff Lyons, com os melhores dublês daqueles tempos em que
não se falava em computação gráfica.

9 comentários:

  1. Darci, outro problema do filme é a inadequação das roupas usadas pelos personagens. Essas roupas passaram a ser usadas (pelo menos nos filmes, é claro...) somente após a Guerra Civil.

    Aliás, vc. já notou como Wayne passou a usar a mesma camisa vermelha, o mesmo chapéu e o mesmo cinturão em quase todos os seus filmes a partir de Onde Começa o Inferno?

    Lee Marvin, ladrão de cenas, como sempre. Quando ele aparece, não tem prá ninguém. Viu ele em Sete Homens sem Destino? Ele "engole" totalmente o pobre Randolph Scott. Grande sujeito!

    Parabéns pela matéria. Não sou tão grande fã assim de Os Comancheiros, mas depois de ler o que vc. escreveu deu uma vontade danada de ver de novo.

    Abraços
    José Tadeu

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  2. Olá, Tadeu - Claro que vi Lee Marvin em Sete Homens Sem Destino. Creio que só deixei de assistir a três ou quatro filmes desse ator. Mas gostaria mesmo é de tê-lo visto como Pike em Meu Ódio Será Sua Herança, papel que Lee recusou.
    Qualquer dia vou escrever sobre as roupas de John Wayne que merecem um artigo exclusivo. Note a pulseirinha na foto que abre esta postagem.
    Os Comancheiros é filme para ser visto várias vezes pois é uma grande diversão.
    Obrigado e um abraço do Darci.

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  3. Prezado Darci,

    Apesar dos anacronismos e de algumas distorções geográficas e históricas. "Os Comancheros" (The Comancheros) é um western divertido que se assiste diversas vezes devido à sua dinâmica cinematográfica, a competência do elenco (com poucas exceções), cenários, música etc.

    Quanto à pulseira dourada, segundo li, era por problemas de pressão, a qual ele usou nos seus últimos filmes western ou não.

    Mario Peixoto Alves

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    1. Olá, Mário - Mais esse anacronismo que o Duke exibiu em tantos filmes. Veja você que em Liberty Valance, filmado depois de Os Comancheiros ele não usou a pulseira. Imagine se John Ford iria deixar... - Um abraço - Darci.

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  4. José Fernandes de Campos21 de fevereiro de 2013 às 13:00

    Muito bom o seu artigo sobre este western bem divertido e gostoso de ser assistido. Muito sucesso na época de lançamento no cine Palacio. Desde já mando o meu western preferido com John Wayne tirando os clássicos: OS COWBOYS. Elenco soberbo sem alguma restrição (os garotos então são fantasticos) as locações, a musica sensacional do mestre John Williams e a morte covarde que o injustiçado Bruce Dern dá ao maior cowboy que o cinema teve. Vale a pena fazer esta enquete limitando a cinco filmes cada cinéfilo. Até derepente.

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    1. Olá, Fernandes - São tantos os ótimos westerns de John Wayne, entre outros O Último Pistoleiro, Eldorado, Hondo, Bravura Indômita, Jake, o Grandão e como você lembrou Os Cowboys. Gosto muito de Fúria no Alasca. Bruce Dern foi focalizado aqui neste blog com uma minibiografia que buscou mostrar sua grande contribuição ao faroeste. E Bruce aparece no Django Livre de Tarantino... - Darci.

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  5. Caro Darci,


    Ontem revi "Os Comancheros" para tirar algumas dúvidas e uma delas é que John Wayne não usa a pulseira dourada, ele começou a usá-la a partir de 1968 quando filmou "Os Boinas Verdes" (The Green Barets) e em todos os filmes até "O Último Pistoleiro" (The Shootist).

    Há duas versões sobre o assunto:

    a) Foi uma espécie de condecoração chamada de "Brass Bracelet".

    b) Para o controle da pressão arterial.

    Não sei qual das duas é verdadeira.

    A foto maior creio que é do filme "Rio Lobo" devido à fivela "Red River" presenteada por Howard Hawks quando do término daquele western. Outro detalhe em "Rio Lobo" é o retorno do seu stetson, do cinturão e do colt 44 com o cabo (butt) amarelo.

    Mario Peixoto Alves

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  6. Esta camisa cor de abóbora ficou até "desbotada",usada que foi em vários filmes !!
    Deixou uma marca inesquecível nos personagens de John Wayne .
    "Comancheros" é um bom filme.Vale a pena rever pelas razões expostas na matéria !!
    Abraços !!

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  7. Olá, Mário - Baixei essa foto da web como sendo de Os Comancheiros. Mas você tem razão pois a pulseira o Duke só passou a usar nos anos 70. Parece que era antiestressante ou algo assim. No Brasil chegou-se a usar também. A fivela, como você disse, foi presente de Howard Hawks e tem o logo dos dois rios de Rio Vermelho. O Duke usou essa cinta com essa fivela em muitos filmes. A cartucheirinha que John Wayne usava era bem simples e não estava à altura do dono.

    Lau Shane - Em certos filmes a camisa é cor salmão e de fato desbotou fiando meio cor-de-rosa. Mas o Duke era o Duke e podia até usar camisa cor-de-rosa sem ouvir gracejos....
    Abraços - Darci

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