20 de setembro de 2012

A QUADRILHA MALDITA (Day of the Outlaw) – SOBERBO FAROESTE DE ANDRÉ DE TOTH


O diretor André De Toth e o escritor-roteirista Philip Yordan.
O húngaro André De Toth dirigiu inúmeros westerns, seis deles estrelados por Randolph Scott. Entre esses filmes estão dois admiráveis faroestes que são “Fúria Abrasadora” (Ramrod), de 1947 e “A Quadrilha Maldita” (Day of the Outlaw), certamente os pontos altos da carreira de De Toth. Ambos são westerns preciosos e nem por isso dos mais conhecidos pelos cinéfilos. “A Quadrilha Maldita” foi filmado em condições extremamente adversas, em locações nas paisagens nevadas de Mount Bachelor, no Oregon. Em 1958 foi aberta uma estação de esquiagem nesse local com a edificação de um hotel que abrigou a equipe do filme dirigido por De Toth. Desacostumados com o ar gélido da região, diversos técnicos e atores sentiram os rigores do clima, entre eles Robert Ryan que contraiu pneumonia, o que retardou o início das filmagens em mais de um mês. Porém valeu à pena o sofrimento da equipe pois “A Quadrilha Maldita” é um desses poucos conhecidos westerns clássicos, uma joia a ser descoberta por quem ainda não o conhece. E este certamente não era o caso de Robert Altman (“Quando um Homem é Homem”/McCabe & Mrs. Miller) e de Sergio Corbucci (“O Vingador Silencioso”/Il Grande Silenzio), ambos fortemente influenciados pelo filme de André De Toth.


Robert Ryan e Burl Ives
O amor, a neve e a morte - A história de “A Quadrilha Maldita” foi escrita por Lee E. Wells e roteirizada por Philip Yordan, localizando a ação no Vale do Wyoming, onde também se passara a história de “Shane”. E com alguns minutos de filme o espectador tem a impressão que vai assistir a mais uma imitação do famoso faroeste de George Stevens, apenas que em preto e branco e com orçamento reduzido das produções ‘B’. A pequena cidade de Bitter é em tudo parecida com o lugarejo de “Shane”, exceto pela neve que toma conta de tudo. Nas ruas de Bitter onde neve e lama se misturam, um criador chamado Blaise Starrett (Robert Ryan) entra em conflito com outro rancheiro que cercou suas terras. A verdadeira razão da disputa é a esposa de um deles, Helen Crane (Tina Louise). Aqui terminam as semelhanças com “Shane” pois quando os dois homens estão prestes a duelar chega ao lugarejo o ex-capitão do Exército dos Estados Unidos Jack Bruhn (Burl Ives), agora comandando uma brigada de seis bandidos. A quadrilha acabou de assaltar um destacamento militar apossando-se de 40 mil dólares, sendo por isso perseguida pela Cavalaria, o que levou o bando a se esconder naquele gélido fim de mundo. A Cavalaria está há poucas milhas do bando e Bruhn tem uma bala em um dos pulmões. Decide então pernoitar na cidade para ser operado por um médico-veterinário, o único da cidade. Bruhn obriga as duas dezenas de pessoas que compõe a população do lugar a se confinar no tosco hotel local. No grupo há, além da bela Helen Crane, outras três mulheres. O Capitão Bruhn trata seus bandidos com regras semimilitares proibindo-lhes álcool e mulheres, ainda que eles estejam sedentos tanto de um quanto de outro. Após ter a bala extraída e percebendo a dificuldade em controlar o grupo de seis homens, Bruhn sente que o motim é iminente e aceita a proposta de fuga aventada por Starrett. O que Starrett pretende mesmo é afastar os bandidos da cidade pois sabe que não há caminho algum para a fuga, apenas a neve e a morte para quem por aquele caminho se embrenha.

Tina Louise provocando Robert Ryan.
Longe dos clichês do gênero - O roteiro perfeito de Philip Yordan permitiu a De Toth criar um western sombrio e tenso, aprofundando questões diversas como o desejo adúltero, o medo, a excitação sexual, a cobiça e a retomada de consciência. Tudo isso sem esbarrar em clichês comuns a tantos faroestes. O Starrett de “A Quadrilha Maldita” deseja desesperadamente a mulher que amou um dia e que se casou com outro. Por esse amor Starrett é capaz de matar, no que é impedido pela chegada dos bandidos numa cena de excepcional originalidade: uma garrafa rolando sobre o balcão do bar autorizará o saque de Starrett contra seu desafeto. O Capitão Bruhn e seus homens oprimem e aterrorizam o povo da cidade desde quando Bruhn os apresenta: Tex – Irritem-no e ouvirão gritos pela cidade”; “Pace – Sente prazer quando machuca as pessoas”; “Vause – Ossos cobertos por pele suja e mesmo bêbado é o gatilho mais rápido do Wyoming”; “Cheyenne Denver – Ele ‘odiar’ homens brancos, mas não sente o mesmo pelas mulheres brancas”; “Shorty – Serviu comigo no Exército”; “Gene – Ele é jovem mas aprende depressa”. Instalado o medo, vem o terror com a sequência de baile onde as mulheres sentem-se psicologicamente estupradas numa das cenas mais violentas de um western, mesmo sem que um tiro seja disparado. E Starrett olhando-se no espelho vê a imagem de um covarde, o que o leva à desesperada tentativa de afastar os bandidos da cidade numa impossível fuga. Starrett sabe que se o frio não os matar, a cobiça o fará pelas próprias mãos dos bandidos.

Acima Lance Fuller enregelado; abaixo
Jack Lambert com as mãos duras.
Horrendas e gélidas mortes - Os últimos 20 minutos de “A Quadrilha Maldita” são verdadeiramente antológicos, com toda ação transcorrendo em meio à neve, com os animais submetidos a descomunal esforço para se locomover carregando aqueles homens. Essa caminhada é de uma autenticidade rara e leva o espectador a ter a sensação de sofrer junto com o grupo, composto por Starrett e Bruhn e seus bandidos, bando que vai aos poucos se desintegrando psicologicamente. Após a morte de Bruhn todos são corroídos pela ambição que os cega a ponto de não perceber que dali não mais sairão. Restando vivos apenas Starrett (Ryan) e os bandidos Tex (Jack Lambert) e Pace (Lance Fuller), estes encontram o fim sem que um só tiro seja disparado. Pace consegue dormir e acorda enregelado como uma pedra com os olhos arregalados de quem foi apresentado à morte; Tex aponta seu rifle para Starrett mas seu dedos endurecidos dentro da luva não conseguem encontrar o gatilho da arma para executar o disparo. Yordan-De Toth conceberam mortes horrendas sem sangue sobre a neve. Hitchcock não faria melhor.

Burl Ives sendo operado a sangue-frio; Venetia
Stevenson e David Nelson com o garoto Michael
McGreevey; Jack Lambert assediando Tina Louise.
A caracterização de Burl Ives - O Capitão Bruhn que não resiste a uma hemorragia interna, morre também na nevasca, ele que passara na noite anterior por uma cirurgia de extração da bala alojada em seu pulmão. Esse trabalho cirúrgico foi executado por um veterinário (Dabs Greer) a sangue-frio pois Bruhn se recusa a ingerir álcool para suportar a dor. Essa sequência, de grande força dramática focalizando alternadamente em close-ups os rostos de Bruhn e do veterinário, é desagradável mas perfeita e demonstra o extraordinário ator que era Burl Ives. Impressionante em sua caracterização como a figura enorme e autoritária do Capitão Bruhn, Ives domina inteiramente “A Quadrilha Maldita”, especialmente quando sua energia diminui à medida que sua vida se esvai. Mesmo um ator de grande talento como Robert Ryan quase desaparece perto de Ives. A United Artists, numa prática comum à época colocou no elenco deste filme chamarizes para atrair o público compensando a falta de grandes astros: Tina Louise, David Nelson e Venetia Stevenson. Tina Louise é uma mulher de grande beleza ainda que de capacidade interpretativa inversamente proporcional a sua anatomia; e Tina até que se sai razoavelmente bem. Venetia Stevenson era à época uma rival de Sandra Dee e David Nelson, assim como seu irmão Ricky Nelson, tinha fãs-clubes por todo Estados Unidos. Esse jovem casal representa o ponto fraco e forçado da trama de “A Quadrilha Maldita” sem, no entanto, comprometer a excelência do roteiro de Philip Yordan. Inúmeros bons atores como Dabbs Greer, Elisha Cook Jr., Robert Cornwaithe e Nehemiah Persoff compõem o elenco de apoio. Nehemiah e Elisha bem que poderiam fazer parte da quadrilha maldita que mereceu um artigo especial neste blog na postagem anterior a esta.



O poster com pose provocante de
Tina Louise que não está no filme.
Imagens e música sóbrias - Russell Harlan foi o cinegrafista responsável pelas sóbrias imagens e pelo tom sombrio de “A Quadrilha Maldita”. A câmara de Harlan não se interessa em arrebatar o espectador com a beleza das paisagens mas apenas captar a força da própria natureza como cenário tétrico. Os personagens quase todos de roupas escuras em contraste com a neve que domina os exteriores do filme criam uma atmosfera fantasmagórica prenunciando a morte a todo momento. Alexander Courage, orquestrador de tantos filmes, entre eles da estupenda trilha de “Da Terra Nascem os Homens”, compôs a música que pontua com perfeição a tensa e opressiva ação de “A Quadrilha Maldita”. Por economia ou não, Alexander Courage dispensou a tão comum prática nos anos 50 do uso de uma canção cujos versos narravam a história e abriu mão também do uso de alguma melodiosa e enternecedora canção própria para tornar o filme ‘inesquecível’. Exemplo dessa prática é “Johnny Guitar” com a melodia de Victor Young e versos de Peggy Lee. Num ano de tantos e tão bons faroestes como foi 1959, “A Quadrilha Maldita” se destaca entre os clássicos “A Árvore dos Enforcados”, “Duelo de Titãs”, “O Homem que Luta Só”, “Onde Começa o Inferno” e “Minha Vontade é Lei”. Grandes tempos aqueles para os westernmaníacos!




Lance Fuller e Jack Lambert se divertindo com o medo de Robert Ryan, Marshal
Thompson e Tina Louise; abaixo Tina Louise em pose para a publicidade e
como ela aparece no filme, sempre coberta até o pescoço.

7 comentários:

  1. Realmente, Darci, um filme excepcional, pouco conhecido e também por mim negligenciado por um
    bom tempo, pois tinha uma cópia guardada e por duas vezes só vi o começo, até o ponto do diálogo de Starret e Helen. Deixar qualquer filme com o Robert Ryan mofando numa prateleira, é um tanto imperdoável.Tempos depois, vi o finalzinho dete filme na sky e nesta semana o assisti por completo.
    Gosto de filmes em preto e branco e feitos em ambientes extremos, deserto, floresta, mar, etc, que sempre criam aquela atmosfera angustiante, em que os personagens acabam encurralados, presos e sem opções em algum momento da trama. Apesar de lento, não se perde o interesse com aqueles homens cruéis que logo explodiriam, com seus instintos primitivos, naquele ambiente fechado.
    Bruhn(Burl Ives), o gordinho linha dura, já havia me impressionado com aquele rancheiro caipira e bruto de Da Terra Nascem os Homens.
    A cena da garrafa no balcão, é uma cena genial.
    Joailton.

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  2. Olá, Joailton
    E Quadrilha Maldita certamente influenciou o excepcional O Vingador Silencioso de Corbucci nessa atmosfera angustiante que a neve causa.
    Darci Fonseca

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  3. Acabei de comprar o dvd deste filme influenciado pela sua critica.
    O que mais me animou a assisti-lo foi a citação de Quando um Homem é Homem e Vingador Silencioso...

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  4. FERNANDO MONTEIRO escreveu:

    Nunca existiu um filme de André de Toth que fosse "lento" -- principalmente westerns! --, e ninguém faria esse húngaro-americano (que deixou sua marca até em "Lawrence da Arábia, como diretor de segunda unidade de influência fundamental na obra-prima de David Lean) acelerar velocidades "erradas" em filmes cuja dramaticidade e tensão exigem o tempo "certo"...

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  5. Olá, Darci!

    Assisti o filme agora há pouco e gostei. Mas confesso que o achei mais interessante depois de conferir em seguida os seus comentários. Western intenso com o fora-da-lei Jack Bruhn e sua gangue que tomam conta de uma pequena cidade isolada no oeste em meio à neve. Brilhante atuação de Ives, assim como havia feito no faroeste "Da Terra Nascem os Homens", de William Wyler, onde ganhou até um Óscar. Contamos aqui também com Elisha Cook Jr. (me lembro dele como o pequeno valentão Torrey em "Shane") e a estonteante Tina Louise que é uma atração à parte. Para mim a melhor cena foi a da dança forçada da gangue com as mulheres.

    Um abraço!

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    1. Thomaz, esse excelente western merece programa duplo com "O Vingador Silencioso", o extraordinário filme de Sergio Corbucci. - Abraço do Darci.

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  6. Darci,
    Assisti esse maravilhoso western essa semana, e concordo com todos os elogios que recebeu no blog. Acho até que o novo western de Tarantino tem alguma inspiração nesse filme, ao reunir tanta gente ruim num ambiente fechado em dia de tormenta.

    Dorivaldo Salles de Oliveira
    São Paulo

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