30 de agosto de 2012

ASSIM SÃO OS FORTES (Across the Wide Missouri) – O QUE SOBROU DE UMA GRANDE AVENTURA



O livro de Bernard De Voto e dois de
A.B. Guthrie Jr., que foi o autor da
adaptação de "Shane" para o cinema.
Nem sempre a adaptação de um romance festejado resulta em um grande filme, mesmo se dirigido por um diretor de talento. Exemplos não faltam, especialmente quando a transposição para a tela trata de obras que contam sagas dos pioneiros que desbravam regiões onde a vida ainda podia ser chamada de selvagem, ou seja, onde ainda não chegara o homem branco. Com “Rio da Aventura” Howard Hawks não realizou um grande filme, mesmo partindo de um roteiro que adaptava “The Big Sky” de A.B. Guthrie Jr. Do mesmo Guthrie Jr., porém vencedor de um Prêmio Pulitzer, foi “The Way West”, levado ao cinema por Andrew V. McLaglen com o título brasileiro “Desbravando o Oeste” e que não foi bem aceito nem por público e nem por crítica. Nessa mesma linha de filmes adaptados de romance famosos está “Assim são os Fortes”, dirigido por William A. Wellman com roteiro elaborado a partir de “Across the Wide Missouri”. Essa obra histórico-literária recebeu um Prêmio Pulitzer em 1948, custou cinco milhões de dólares aos cofres da MGM em 1950, incluídos os direitos autorais pagos a seu autor, Bernard De Voto, e está longe de poder ser considerado um, bom filme.



Acima William A. Wellman e abaixo Dore Schary.
A palavra final da MGM - Para que o leitor tenha uma idéia do custo final de “Assim são os Fortes”, rodado em 1950, com os mesmos cinco milhões de dólares teria sido possível filmar os clássicos “O Matador”, “Winchester 73”, “Caravana de Bravos” e “Embrutecidos pela Violência”. E ainda sobraria dinheiro para no ano seguinte produzir “Matar ou Morrer”, que custou 750 mil dólares. Alguns fatores contribuíram para que “Assim são os Fortes” não desse certo e entre eles o principal é o fato de ser um filme da Metro-Goldwyn-Mayer. Estúdio muito mais famoso pelos maravilhosos musicais que produzia, o gênero western não era o território preferido da MGM. Um ano antes o estúdio dirigido por Louis B. Mayer havia destruído “A Glória de um Covarde”, de John Huston, editando o filme à sua maneira e o distribuindo com inacreditáveis 69 minutos de duração, como se fosse um faroeste ‘B’. Em 1950 Mayer perdeu o poder e Dore Schary passou a ser o homem forte da casa. Após haver assistido a uma preview de “Assim são os Fortes”, Schary ordenou que o filme fosse radicalmente encurtado, tornando-o palatável para o gosto do grande público. No entender de Schary os fãs do ‘King of Hollywood’, Clark Gable queriam mesmo era ver o eterno ar de soberba, poses com sorrisos e olhares cínicos que deram fama de irresistível ao ator.

Filme rejeitado pelo diretor - William A. Wellman renegou “Assim são os Fortes”, não o aceitando como um filme seu. A versão final foi reduzida a 77 minutos apenas, desaparecendo quase todas as sequências dramáticas que davam consistência ao filme, que resultou frio e desprovido de profundidade emocional. Segundo Wellman, diversos personagens do livro de Bernard De Voto, importantes na construção da saga, tornaram-se praticamente estranhos à história. Após a história ser praticamente dilacerada a MGM colocou um narrador (voz de Howard Keel) para tentar dar unidade ao filme. Como não há nenhuma cópia do tipo ‘director’s cut’ de “Assim são os Fortes”, apenas o romance entre o oportunista caçador de peles e a índia Blackfoot resiste razoavelmente no filme. E justiça seja feita, permaneceram também as deslumbrantes tomadas das locações feitas no Colorado, responsabilidade do cinegrafista William C. Mellor. No entanto isso é pouco quando se imagina o que Wellman pode ter feito ao contar a história dos caçadores que decidem se aprofundar naquele território desconhecido, o Noroeste dos Estados Unidos no início do século XIX.

María Elena Marqués e Clark Gable
A ganância de um caçador - “Assim são os Fortes” conta um dos segmentos do livro de A.B. Guthrie Jr. adaptado pelos roteiristas Talbot Jennings e Frank Cavett. Vindo de Kentucky, o caçador e comerciante de peles Flint Mitchell (Clark Gable), lidera uma excursão a uma região além das Montanhas Rochosas habitada pelos índios Nez Perce e Blackfoot. Ao conhecer a bela nativa Kemiah (María Elena Marqués) e descobrir que a índia é neta do chefe Bear Ghost (Jack Holt), Mitchell decide cortejar e se casar com ela para obter livre acesso às terras dominadas pelos índios. Iron Shirt (Ricardo Montalbán), sobrinho de Bear Ghost, é contrário à presença dos caçadores e termina por assassinar Kemiah, que já havia dado um filho ao marido Mitchell. Os caçadores enfrentam os índios e permanecem na região, dando início à dominação do homem branco naquele local paradisíaco.

Acima Alan Napier, Evelyn Finley e Adolphe Menjou;
abaixo Gable sem nenhum glamour.
Desperdício de talentos - O livro de De Voto historia profunda e detalhadamente o comércio de peles no período de 1830 a 1840. E dá nuances românticas e épicas à saga dos gananciosos aventureiros, sendo o casamento de conveniência que se transforma em amor, entre Flint Mitchell e Kamiah, o grande momento romântico do livro. E o que torna a leitura ainda mais realista e saborosa é a presença de diversos tipos entre os aventureiros, como o francês Pierre (Adolphe Menjou), o capitão escocês  Humberstone Lyon (Alan Napier) e o outro escocês chamado Brecan (John Hodiak), este casado com uma índia da tribo Nez Perce. São todos personagens importantes, alguns engraçados mas mal delineados certamente devido à implacável tesoura orientada por Dore Schary. E o grupo de excelentes atores do filme acaba fazendo meras figurações pois o espaço maior é destinado às poses do astro Clark Gable. Verdade que desglamourizado, vestido com roupas de peles, com barba por fazer e em muitas cenas até sujo. Porém, sob seu chapéu de caçador, brilha o cabelo impecavelmente empastado. Gable até que se esforça para convencer como um herói aventureiro, mas seus 50 anos de idade não lhe permitiam mais os movimentos ágeis que ficariam muito melhor em Burt Lancaster ou Kirk Douglas. Os melhores momentos na tela do personagem Mitchell acontecem quando Gable é dublado.

Ricardo Montalbán
Respeito à língua nativa - “Assim são os Fortes” é um daqueles westerns que com certa relutância são enquadrados nesse gênero. O mesmo aconteceu com o referido “Rio da Aventura”, de Howard Hawks e com “Ao Rufar dos Tambores” de John Ford. A rigor mais um filme histórico, “Assim são os Fortes” é excessivamente lento e parte desse ritmo se deve ao respeito ao idioma dos índios que não falam Inglês, diferentemente da maioria dos westerns em que é espantoso o domínio da língua inglesa por parte dos nativos. Ocorre que cada diálogo entre brancos e índios no filme de Wellman é traduzido por Pierre ou por Brecan, que conhecem a língua dos Blackfoots. Sequências vitais como o confronto entre os índios e os caçadores e peles, que seria o clímax do filme, são pobres para um filme que custou cinco milhões de dólares. Bastante boa, no entanto, a sequência em que Mitchell (Gable) e Iron Shirt (Montalbán) se enfrentam fazendo uso das primitivas espingardas carregadas com pólvora.

Acima James Whitmore socorre Clark Gable
em cena excluída do filme; à direita J. Carrol
Naish; abaixo o par romântico.
Furioso massacre - O excelente elenco de apoio de “Assim são os Fortes” destaca os veteranos Adolphe Menjou, Alan Napier e Jack Holt. Por outro lado J. Carrol Naish faz uma triste caricatura do chefe Looking Glass e John Hodiak é inteiramente desperdiçado como o escocês Brecan, transformado em índio Nez Perce. Mas o melhor mesmo é a presença impressionante de Ricardo Montalbán como o feroz Iron Shirt, ainda que o ator mexicano não tenha tido oportunidade, neste fime, de mostrar o excelente ator que era. A atriz Maria Elena Marqués, também mexicana, é tão bela quanto inexpressiva e suas melhores cenas são aquelas em que é dublada por Evelyn Finley nas cenas de ação. A ressaltar ainda a estréia no cinema de Timothy Carey e a presença de Frankie Darro, pequeno herói de tantas aventuras infanto-juvenis no cinema. Como não poderia deixar de ser o filme é todo de Clark Gable que deve ter feito todas as exigências que sua condição de grande astro lhe permitia. Pena que sua performance em “Assim são os Fortes” não corresponda à sua fama. A transformação de seu personagem de um caçador duro e oportunista para o homem vulnerável e apaixonado pela nativa é inconvincente por fugir do modelo com que Gable se tipificou. E lamento ainda maior fica por conta da Metro-Goldwyn-Mayer que massacrou o filme de Wellman com a mesma fúria com que os gananciosos brancos massacraram através da história os nativos norte-americanos.

Acima John Hodiak e Jack Holt (pai de Tim Holt); abaixo Gable em duas cenas.


Um comentário:

  1. Quanto dinheiro desperdiçado! Da lista que dava pra filmar com essa dinheirama toda, “O Matador” já é mais que suficiente pra superar essa fraca adaptação. Mais uma das incansáveis provas de que aí o dinheiro sem o talento não resolve grande coisa. E os produtores sempre dando aquela força extra e fazendo gols contra para distanciar o cinema do rol das artes. Uma nova adaptação talvez viesse bem a calhar... mas, pensando bem, do jeito que a produção contemporânea do cinema está, não sei se sairia igual ou pior.

    Abraço, Darci!

    Vinícius Lemarc

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