Acima Michael Blake e Kevin Costner ao receberem o prêmio Golden Globe; abaixo Blake e Costner anos depois. |
A carreira de Kevin Costner como ator
(e mesmo como diretor) se assemelha a uma gangorra, tantos são os altos e
baixos que conheceu. Essa trajetória oscilou de fracassos de público como
“Wyatt Earp”, “Waterworld” e “O Mensageiro” a muitos sucessos, o maior deles
“Dança com Lobos”, o qual não só Costner estrelou como foi também sua estreia
como diretor. O escritor Michael Blake havia, em meados dos anos 80, elaborado
um pré-roteiro que Kevin Costner leu e pediu ao autor para desenvolvê-lo ainda
mais, conseguindo que o trabalho fosse editado e publicado em livro. Costner
então comprou os direitos cinematográficos da obra que se intitulou “Dances
with Wolves” e levantou a nada desprezível quantia de 15 milhões de dólares
para produzir o filme. Rodado em grande parte na Dakota do Sul, durante as
filmagens houve muita preocupação com o orçamento que foi insuficiente, sendo
necessários outros sete milhões de dólares, quantia quase toda desembolsada com
recursos do próprio ator-produtor-diretor. Acreditava-se que se desenhava o que
acontecera com “Heaven’s Gate” (Portal do Paraíso), o western de Michael Cimino
que foi um monumental fracasso, tanto que “Dances with Wolves” era chamado, a
boca não tão pequena, de “Kevin’s Gate”. Mais dificuldades ocorreriam com a
edição do filme de Costner pois a Orion que iria distribuí-lo não aceitava a
metragem de mais de três horas de duração, insistindo em reduzi-lo a 140
minutos. Prevaleceu a vontade de Kevin Costner, então um dos homens mais
poderosos de Hollywood e que surpreendeu a todos que não esperavam de um
diretor iniciante uma realização que agradasse crítica e público, ainda mais
com um faroeste, gênero mais que desacreditado. “Dança com Lobos” rendeu 184
milhões de dólares nos Estados Unidos e um total de 424 milhões de dólares no
mundo todo, isto apenas por ocasião de seu lançamento nos cinemas. É, até hoje,
o faroeste de maior bilheteria de todos os tempos, bem como o mais premiado,
arrebatando sete prêmios Oscar e uma vasta lista de premiações no mundo todo.
Kevin Costner; abaixo Costner com Graham Greene |
A
descoberta e o fim de uma forma de vida - Ferido em combate,
o Tenente John Dunbar (Kevin Costner) deveria ter seu pé amputado. Ao perceber a
intenção dos cirurgiões e num descuido destes, foge da mesa de cirurgia e do
acampamento, chegando à frente de batalha em Saint Davis, no Tennessee. Acreditando
que morreria de qualquer modo, Dunbar num gesto suicida galopa solitário diante
das barricadas sulistas e por milagre escapa às centenas de tiros disparados
contra ele. Como prêmio por seu gesto heroico lhe é dada a opção de escolher o
posto onde passará a atuar. Escolhe o Forte Sedgewick, local isolado na
fronteira onde, ao chegar, Dunbar não encontra ninguém e solitário tem a
companhia apenas de seu cavalo e de um lobo que o está sempre observando.
Sedgewick fica próximo de um acampamento Sioux, tribo de quem Dunbar se torna
amigo após salvar da morte ‘Stand with a Fist’ (Mary McDonnell) uma mulher
branca que vive com os índios desde os seis anos. A amizade e a admiração de
Dunbar pela forma de vida dos Sioux o leva não só a aprender a língua Lakota
dos nativos como a lutar ao lado deles contra os hostis Pawnee. Nesse conflito
Dunbar arma os Sioux com rifles e munição pertencente ao Exército, armas que
escondera no Forte. Dunbar e ‘Stand with a Fist’ se apaixonam e se casam no
ritual Sioux, antecedendo a aproximação do Exército ao Forte Segdewick com
ordens de Washington de submeter os nativos à reserva indicada. Dunbar que
assistira à matança de búfalos por brancos caçadores de pele, vira a morte de
seu cavalo ‘Cisco’ e de ‘Two Socks’, seu amigo lobo, afastou-se com a esposa
testemunhando a crueldade do homem branco com seus amigos índios e com isso,
mais um capítulo do fim da admirável forma de vida dos nativos.
Kevin Kostner; Rodney Grant e Graham Greene |
Revendo
a verdade dos fatos - O revisionismo da história do Oeste
longínquo norte-americano no cinema teve início discretamente em 1950 com “A
Passagem do Diabo” (Devil’s Doorway) e com “Flechas de Fogo” (Broken Arrow).
Nos anos seguintes muitos outros westerns trataram os índios com dignidade, ao
contrário do que era costume em Hollywood. Essa tendência ganhou mais força nos
anos 70 e westerns como “Pequeno Grande Homem” (Little Big Man) e “Quando é
Preciso Ser Homem” (Soldier Blue) não eram apenas claramente pró-índio como
denunciavam as atrocidades cometidas pelos homens brancos naquele que foi o
maior genocídio da história da humanidade. Mas foi em 1990, com “Dança com
Lobos”, que a indústria cinematográfica norte-americana se rendeu ao movimento
revisionista premiando com os mais importantes Oscars o filme de Kevin Costner.
E seria impossível que isso não acontecesse porque o ator-diretor conseguiu
narrar de forma épica e com imagens poéticas o roteiro de Michael Blake. Filme
bastante longo, reflexivo e relativamente com pouca ação considerados seus 181
minutos, “Dança com Lobos” jamais cansa o espectador, mérito de Costner auxiliado
pelas elegíacas cinematografia (Dean Semler) e música (John Barry).
Do
sublime ao espetacular - Fazer um filme apenas bonito não é
tarefa difícil num tempo em que o cinema ganhou contornos do artificialismo dos
comerciais de propaganda. Incutir, no entanto, à história a exata dose de
lírica melancolia sem cair na armadilha da pieguice é o desafio que cineastas
encontram e poucas vezes superam de forma tão bem sucedida quanto se vê em
“Dança com Lobos” quando narra o descobrimento da vida na fronteira. Solitário,
os momentos em que Dunbar se diverte com suas únicas companhias, o cavalo Cisco
e o reticente lobo ‘Duas Meias’ (Two Socks) que o visita, evocam a pureza ainda
não maculada pela maldade humana. O contato com os nativos é igualmente
enternecedor com toda dificuldade causada pela diferença do idioma. Do sublime
ao espetacular é a sequência da caça aos búfalos para garantir o alimento e
tudo mais necessário à sobrevivência durante o rigor do inverno. Esses momentos
de grande cinema dão o apropriado tom épico a “Dança com Lobos”, mais que mera
sequência de ação bem filmada. A curiosidade dos índios e a respeitosa vontade
de melhor conhecê-los se afastam da figura imponente que cavalga com o pavilhão
norte-americano mostrada quando Dunbar chega à aldeia Sioux. Num filme com
poucos momentos de comicidade é inesquecível a singela expressão de Black Shaw
(Tantoo Cardinal) ao se deparar com a surpresa de Dunbar ao vê-la fazendo amor
com o marido Kicking Bird (Graham Greene) na mesma tenda em que, ao lado, dormem
o Tenente e Stands with a Fist. A virtude maior de Costner como diretor foi ter
realizado um filme sincero e cativante mesmo apesar dos aspectos que poderiam
comprometer a película.
Jimmy Herman (acima) e Maury Chaykin |
Selvagens
nobres, soldados sórdidos - Nem tudo, no entanto, é perfeito
neste western, a começar pela presença do próprio Kevin Costner com seus
cabelos longos bem tratados e esvoaçantes realçando uma descabida figura que
visa agradar ao público feminino. Costner como um Tenente Dunbar de fazer
inveja ao Custer de Errol Flynn contrasta com a simplicidade desprovida de
beleza de Mary McDonnell. A história de amor de ambos é forçada demais, ela uma
espécie de Cynthia Ann Parker que tenta suicídio ao perder o esposo Sioux,
sendo salva, claro pelo providencial e encantador Tenente. Consta que o gesto
de Costner abrindo os braços como Cristo enquanto se torna alvo dos soldados
confederados foi espontâneo e não estava previsto, mas a imagem mais que
emocionar evidencia o egocentrismo do ator. O nada claro suicídio do repugnante
Major que recebe e encaminha Dunbar ao Forte Sedgewick é uma sequência patética
e deslocada na história. Por fim os Sioux, hábeis no manejo de rifles que eles
nunca possuíram, são mostrados excessivamente idealizados enquanto quase todos
os soldados são asquerosos, analfabetos, covardes e cruéis.
Kevin Costner e Rodney Grant; Costner e Mary McDonnell |
Convincente
como Gary Cooper - Já foi dito que Kevin Costner é o
mais próximo que um ator conseguiu chegar de Gary Cooper e essa comparação tem
fundamento. Assim como o inolvidável ator de “Matar ou Morrer” (High Noon),
Costner não é dotado de maior talento dramático e menos ainda preocupado com os
truques interpretativos. Costner é sempre o mesmo, assim como era Cooper e,
assim como este, convincente o suficiente para tornar seus personagens
simpáticos. Em “Dança com Lobos” Kevin é o grande nome num filme quase que
inteira e literalmente seu, tendo apenas a boa atuação de Graham Greene, índio
canadense cuja impassibilidade faz lembrar Buster Keaton. Composto em grande
parte por índios autênticos, destacando-se entre eles Rodney Grant e Tantoo
Cardinal (esta também canadense), além do Cherokee Wes Studi interpretando um
líder Pawnee. Mary McDonnell não chega a impressionar como a mulher branca que
vive entre os Sioux, mas foi boa escolha justamente por não ser tão bonita.
Wes Studi (à esquerda); Tantoo Cardinal e Mary McDonnell |
Kevin Costner e Graham Greene |
Western
superpremiado - “Dança com Lobos” fez com que os personagens Sioux do
filme falassem em Lakota com os diálogos legendados na versão em língua
inglesa, aspecto que poderia provocar desinteresse do público, o que obviamente
não aconteceu. Outro fato digno de registro foi o cuidado do
ator-diretor-produtor com os animais. Nenhum animal se feriu durante as
filmagens e Kevin Costner, que dispensou seu dublê nas sequências mais
perigosas, também saiu incólume. “Dança com Lobos” recebeu os prêmios Oscar de
Melhor Filme, Diretor, Roteiro, Cinematografia, Escore Musical, Edição e Som,
num total de sete estatuetas. Antes dele o único western a receber um Oscar de
Melhor Filme foi Cimarron, em 1931. “Dança com Lobos” arrebatou prêmios em
muitos países e pode-se dizer que animou Clint Eastwood a voltar ao gênero com
“Os Imperdoáveis”, que também foi premiado com o Oscar de Melhor Filme em 1992.
Dos atores famosos de sua geração e mesmo da geração posterior, Kevin Costner é
o que mais atuou em faroestes, tendo dirigido e atuado no excepcional “Pacto de
Justiça” (Open Range), em 2003 e também na elogiada minissérie “Hatfields &
McCoys” (2012). “Dança com Lobos” foi relançado em edição especial (estendida)
com 236 minutos, ou seja, mais de uma hora a mais, versão essa não tão bem
recebida por nada mais relevante acrescentar à versão original.
Kevin Costner |
Prezado Darci,
ResponderExcluirComo sempre, um comentário perfeito para um filme quase irrepreensível.
Kevin Costner, está devendo um outro western prometido "Horizons" espero, se for realizado, que seja do mesmo nível dos anteriores.
Ótimo ano novo para você, familiares e leitores.
Mario Peixoto Alves
Como sempre,bela matéria !!
ResponderExcluirExcelente Darci, aliás, como sempre. Só discordo do seu comentário com relação aos cabelos de Costner. É um filme, não uma reportagem, portanto a estética é importante. Gosto da frase de John Ford: Eu sou tal qual John Ford. "O que é mais forte, a história ou a lenda? Se for a lenda, imprima-se a lenda! rsrs
ResponderExcluirForte abraço meu amigo!
Eu próprio não gosto desse "Dança Com Lobos", não digo que o filme é ruim, mas não é o tipo de western que me agrada. Mas uma dica sua "excepcional “Pacto de Justiça” (Open Range), em 2003" me deixou curioso sobre esse outro filme do Kostner (nem sabia que ele tinha dirigido outro western). Pois acabei de ver o filme e concordo 100%: uma beleza!! Depois dessa dica certeira, fico fã do blog.
ResponderExcluirAcho que esse fim retrata verdadeiramente os peles vermelhas ...queria assistir mais filmes desse estilo
ResponderExcluirTodos os filmes do Kevin Costner
ResponderExcluirDeveriam passar na TV Brasileiro
Em língua português para todos
Os público assistirem
Seria maravilhoso nosso país precisa de filmes diferente.
Ilvanete Aquino