Robert Altman; abaixo Altman com Beatty e Vilmos Zsigmond. |
Com “M.A.S.H”, seu terceiro
longa-metragem, Robert Altman alcançou enorme sucesso e chamou a atenção da
crítica para seu talento confirmado mais tarde com “Nashville”. Antes disso
Altman passara 15 anos dirigindo séries para a televisão, entre elas “Bonanza”,
“Maverick”, “Bronco”, “Sugarfoot” e outras séries westerns. Não foi, portanto,
novidade para o incansável diretor nascido em Kansas City realizar faroestes,
filmando o cultuado “Jogos e Trapaças / Quando um Homem é Homem” em 1971 e o
massacrado pela crítica “Oeste Selvagem” (Buffalo Bill and the Indians) em 1975.
Novidade mesmo foi surgir um western insólito como “Jogos e Trapaças / Quando
um Homem é Homem”, diferente na trama, na concepção e especialmente na
ambientação. A história original, de autoria de Edmund Naughton foi escrita em
1959 e transformada em roteiro por Brian McKay em parceria com o próprio Altman.
O produtor David Foster levou a numerosa equipe para British Columbia, no Canadá,
onde havia as perfeitas condições climáticas para satisfazer o exigente diretor.
Para capturar as imagens foi chamado o cinegrafista húngaro Vilmos Zsigmond, o
mesmo do belo e incomum “Pistoleiro Sem Destino” (The Hired Gun), também de
1971. A música para o filme era um problema a resolver e foi solucionado após Altman
conhecer e ficar impressionado com o álbum “The Songs of Leonard Cohen”. O
compositor canadense cedeu as três canções que ele mesmo canta e que serviram
como leitmotiv para o filme.
Warren Beatty |
Um
empreendedor chamado McCabe - Um povoado chamado Presbyterian
Church floresce numa inóspita região mineiradora de Washington, no Noroeste
norte-americano, onde chega Jack McCabe (Warren Beatty). É lá que McCabe vê a
possibilidade de ganhar dinheiro com um saloon e consequentemente com bebida e prostituição.
Respeitado por supostamente haver matado um famoso pistoleiro, McCabe vê seu
negócio prosperar com a chegada de meretrizes vindas de Seattle, e com a
parceria feita com a cortesã Constance Miller (Julie Christie). Tudo corre bem
com o crescimento de Presbyterian Church até que uma empresa interessada em
explorar zinco decide comprar as propriedades de McCabe. Este estima um valor
acima do razoável e os emissários da corporação resolvem fazer uso do poder de
persuasão do pistoleiro Butler (Jack Millais) que chega à cidade acompanhado de
dois capangas. Inicialmente intimidado, McCabe opta por enfrentar os três homens
num desfecho brutal para todos.
Warren Beatty |
Faroeste
sombrio e triste - Diferentemente de seu estilo
habitual de cruzar diversas histórias, numerosos personagens e diálogos
abundantes, “Jogos e Trapaças” tem uma narrativa simples que deságua no confronto
do capitalismo poderoso contra um pequeno e arrojado homem de negócios. Nesse
pano de fundo Robert Altman concebeu um western incomum com visual e atmosfera
jamais vistos no gênero. Certo que André de Toth já havia realizado em 1959 “Quadrilha
Maldita” (Day of the Outlaw) um brilhante faroeste transcorrido inteiramente em
região de nevascas. E não custa lembrar que Sergio Corbucci nos deu o admirável
“O Vingador Silencioso” (Il Grande Silenzio), em 1968, inesquecível igualmente
por suas sequências desenroladas na neve. Improvável que Altman tivesse visto o
western de Corbucci com o qual guarda similitudes e, mais que esses dois filmes
citados, realizou um assustador, sombrio e triste faroeste. Desde os créditos
iniciais a voz monocórdia de Leonard Cohen indica a melancolia que permeará a
desventura de McCabe associado à menos trágica mas igualmente infeliz Mrs.
Miller.
Julie Christie |
Fraqueza
mal disfarçada - Esconde-se sob a aparência de um homem carismático, resoluto
e destemido que Jack McCabe inicialmente passa, um farsante que somente não
engana a experiente Mrs. Miller. Percebe ela que seu sócio sequer domina os
números da contabilidade do dinheiro que o bordel ‘House of Fortune’ arrecada. O
fanfarrão que parece ainda maior vestido com sua enorme pele de urso se impõe
com facilidade aos homens simples que vivem em Presbyterian Church e que se
apequena diante da cortesã que descobre amar. Tão néscio é McCabe que mal suspeita
ser a linda madame viciada em ópio. Pouco se importando em melhor desenvolver
os personagens, Altman perde uma excelente oportunidade de criar uma das mulheres
mais fascinantes de todos os westerns. Nada se sabe de Mrs. Miller, além de sua
capacidade de bem administrar o prostíbulo e da fraqueza de se entregar ao
vício que esconde do amante. Após exercitar sua fanfarronice o desajeitado McCabe
se mostra frio diante de um jovem cowboy (Keith Carradine) que imagina ter
vindo por ordem dos interessados em comprar sua mina. Diante, porém, de Butler,
o verdadeiro pistoleiro, McCabe se aterroriza instantaneamente pois sabe que
está diante da morte.
Warren Beatty; no centro Jace Van Der Veen; abaixo Manfred Schulz |
Atirando
pelas costas - Intitulado em seu lançamento nos cinemas no Brasil como “Jogos
e Trapaças”, quando de sua edição em DVD teve o título alterado para “Quando os
Homens são Homens”, muito mais adequado para um western, na linha de ‘Os Brutos
Também Amam’. Menos ruins esses títulos que o recebido pelo western de Altman em
Portugal, onde foi chamado “A Noite Fez-se para Amar”. Mas afinal, quando os
homens são homens? Um personagem que surge como advogado, e que almeja ser um
novo Abraham Lincoln, inconvincentemente convence McCabe com a ideia que nunca
se atingirá a liberdade ou se fará justiça sem o sacrifício de alguns, frase
que o apalermado McCabe repete para Mrs. Miller antes de decidir partir para o
suicídio que é enfrentar Butler e seus dois capangas. Num filme que não se preocupa
em ser claro, a determinação do jogador soa estranha e injustificada mas é
suficiente para criar um arrebatador e realista momento de ação. É quando ainda
mais o iconoclasta Altman desmantela a imagem de um herói. McCabe primeiro se
defronta com o presunçoso jovem pistoleiro chamado Kid (Manfred Schulz)
reedição do personagem ‘Eddie’ criado Richard Jaeckel em “O Matador” (The
Gunfighter) e pelo próprio Jaeckel revivido em outros westerns. O inepto McCabe
acerta Kid pelas costas e mesmo assim é atingido por ele na perna e na barriga.
Arrastando-se com as forças que lhe restam McCabe mata também pelas costas o
segundo pistoleiro e Altman sacramenta o revisionismo do Velho Oeste que seu
filme do começo ao fim estampa. O confronto final mostra que mesmo um frio e
experiente pistoleiro de aluguel como Butler não escapa de ser abatido por
alguém inábil como McCabe que baleado por três vezes ainda saca uma Deringer e
acerta o oponente ‘right between the eyes’ como disse antes de morrer Liberty
Valance.
Hugh Mallais |
Acima Presbyterian Church; no centro Keith Carradine;abaixo Carradine no bordel. |
A poética
câmara de Zsigmond - Mesmo nos filmes menos bem sucedidos
de Altman jamais faltam diálogos interessantes na fartura de tipos que ele
cria. Em “Jogos e Trapaças” não são os diálogos sarcásticos que chamam a
atenção num filme cuja primeira metade transcorre tão modorrentamente quanto
era a vida em Presbyterian Church. A notável Direção de arte (Al Locatelli-Philip
Thomas) e a fotografia de Vilmos Zsigmond impressionam mais que tudo, somados à
desolação produzida pela música de Leonard Cohen. Vale dizer que as canções de
Cohen “The Stranger Song”, “Sisters of Mercy” e “Winter Lady” existiam antes do
filme de Altman, coincidindo muitos de seus versos com as imagens e situações
de “Jogos e Trapaças”. Não há música incidental de estúdio, exceto o uso de
violino e flauta tocados por personagens e as canções de Cohen desdobradas
singelamente por um violão. E se faltam diálogos característicos dos filmes de
Altman sobram chuva, neve, nebulosidade, lama que a câmara de Zsigmond
transforma em poesia. Uma pena que para isso o cinegrafista húngaro tenha
utilizado excessivamente a técnica de granulação das imagens para torná-las
brumosas, esfumaçadas e sombrias. Houve muitas queixas quanto á qualidade do
áudio deste filme, a ponto de tornar alguns diálogos incompreensíveis, fenômeno
comum no cinema nacional. O bem legendado DVD favorece a inteira compreensão e mais
ainda, o que é inusitado, todos os versos cantados por Leonard Cohen são
legendados, para sorte nossa.
Hugh Mallais |
Antônio
das Mortes na neve - Warren Beatty era um dos mais destacados
nomes de Hollywood após o êxito de “Bonnie & Clyde”, mesmo com seus
limitados recursos interpretativos. Sem brilhar, Beatty compõe bem McCabe,
especialmente quando o cinismo que Beatty naturalmente expressa se faz
necessário. Indicada para o Oscar de Melhor Atriz, Julie Christie tem atuação
pouco expressiva, ela que o mundo aprendera a admirar como a Lara de “Dr. Jivago”
e mais ainda em filmes como “Darling” e “Farenheit 451”. Julie e Warren Beatty
viviam juntos quando da produção de “Jogos e Trapaças”. Destacam-se ainda Keith
Carradine em sua estreia no cinema e Hugh Millais, este responsável pelo grande
momento do filme quando um memorável diálogo reduz McCabe à sua pequenez moral
diante dos, até então, seus admiradores de Presbyterian Church. Incrível como o
pistoleiro criado por Hugh Millais lembra nosso Maurício do Vale como ‘Antônio
das Mortes’ dos filmes de Glauber Rocha.
Julie Christie |
Robert Altman; Warren Beatty |
Prestígio
crescente - Mesmo com os nomes de Warren Beatty e Julie Christie encabeçando
o elenco, “Jogos e Trapaças” não despertou a atenção do grande público, ainda
que não tenha se constituído em fracasso comercial como a maioria dos filmes de
Robert Altman. Porém este insólito western não fez outra coisa que não crescer
em prestígio através das décadas seguintes, o que muito se deve a críticos como
Pauline Kael e Roger Ebert, dois dos muitos que vêem “Jogos e Trapaças” como
uma obra-prima e o melhor filme de Altman. Recentemente, uma enquete da British
Broadcasting Corporation o apontou como o 16.º melhor filme norte-americano de
todos os tempos. Na enquete decenal da revista “Sight & Sound” realizada em
2012, “Jogos e Trapaças” foi o 13.º western mais votado, à frente de westerns estimados
como “Os Brutos Também Amam” (Shane), “Os Imperdoáveis” (Unforgiven) e “Da Terra
Nascem os Homens” (The Big Country), respectivamente 15.º, 22.º e 30.º
colocados. Não um filme para apreciadores dos westerns clássicos ou mesmo dos
westerns-spaghetti, “Jogos e Trapaças” é um filme com inegáveis qualidades e
imprescindível para os fãs do gênero, mesmo que, como quase todos os filmes de
Robert Altman aplique-se o ‘love it or leave it.
FILMAÇO. UM FILME QUE NÂO FEZ MUITO SUCESSO AQUI NO RJ. FOI EXIBIDO NO CIRCUITO PAISSANDU E MUITO ELOGIADO NO JB. JULIE CHRISTIE ESTÁ MAGNIFICA E TEM UMA SEQUENCIA ESPETACULAR QUANDO OS DOIS BANDIDOS CONTRATADOS SE APRESENTAM E UM FALA. my name is SEARS and my friend ROEBUCK. É UM FILME QUE VC SÓ ENCONTRA SE BAIXAR PELA INTERNET. IMPERDIVEL. ATÉ DEREPENTE
ResponderExcluirPois é, de novo a velha mania de alguns críticos de querer dar o status de 'clássico moderno' a filmes não mais que modorrentos (e a gente acabando embarcando e assistindo). Nem Leonard Cohen nem Vilmos Zsigmond conseguiram salvá-lo. Sendo assim, no caso deste a opção é certeiramente "Leave it". Quem quiser ver faroeste de verdade deve voltar de 2 a 54 anos no tempo!
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