James Stewart e Anthony Mann |
James Stewart fez o maior negócio de
sua vida ao assinar um contrato com a Universal para atuar em “Winchester 73”,
em 1950. O ator receberia um salário menor que o normal, mas teria direito a
uma porcentagem nos lucros brutos do filme. “Winchester 73” fez enorme sucesso
e Stewart ganhou muito dinheiro, querendo repetir o mesmo esquema em outro
western da mesma Universal, dirigido pelo mesmo Anthony Mann, com a diferença
que desta vez James Stewart receberia 50% mas do lucro líquido. O novo western era
“Bend of the River” (“E o Sangue Semeou a Terra”, no Brasil), com roteiro
escrito por Borden Chase, autor, entre outros, dos roteiros de “Rio Vermelho”
(Red River) e “Winchester 73”. Para o segundo papel em importância foi
contratado Arthur Kennedy, ator que vinha de duas indicações para o Oscar, além
de receber um prêmio Tony por sua participação no extraordinário sucesso, na
Broadway, com a peça “Morte de um Caixeiro Viajante”, com direção de Elia
Kazan. Avizinhava-se um grande duelo de interpretações em “E o Sangue Semeou a
Terra”.
Acima Jay C. Flippen, Howard Petrie e James Stewart; no centro Rock Hudson, Arthur Kennedy e Stewart; abaixo Kennedy. |
Suprimentos
da discórdia - Glyn McLyntock (James Stewart) é o guia de uma caravana
liderada por Jeremy Bale (Jay C. Flippen), que objetiva se estabelecer no
Oregon. No caminho McLyntock salva Emerson Cole (Arthur Kennedy) de ser enforcado,
acusado de roubar um cavalo. Cole se junta à caravana que chega a Portland,
onde Bale encomenda com o comerciante Tom Hendricks (Howard Petrie) mantimentos
para passar o inverno. McLyntock e Cole confidenciam sobre seus passados como
foras-da-lei, fato que é descoberto por Bale que tem duas filhas, Laura (Julie
Adams) e Marjie (Lori Nelson). Cole e Laura se enamoram e durante um ataque de
índios ela é ferida por uma flecha, o que a impossibilita de seguir com a
caravana. Laura e Cole permanecem em Portland. Como os suprimentos demoram a
chegar, McLyntock vai a Portland e encontra uma cidade enlouquecida pela febre
de ouro após a descoberta de alguns veios. O desonesto Hendricks decide não
entregar os suprimentos aos colonos porque prefere vender as mercadorias por
dez vezes mais aos garimpeiros. Com a ajuda de Cole e do jovem jogador Trey
Wilson (Rock Hudson), McLyntock consegue se apossar do suprimento que é
embarcado para a região onde Bale e os demais colonos se estabeleceram.
Hendricks persegue McLyntock e seus companheiros mas acaba morto. Emissários
dos garimpeiros oferecem quantia irrecusável pelos mantimentos mas McLyntock
não aceita a oferta, o que contrária Cole. Este fere Trey Wilson e surra
McLyntock que é deixado sem comida e sem cavalo, entregue à própria sorte para
morrer. McLyntock se recupera, consegue alcançar Cole com quem trava luta de
morte na qual Cole morre. McLyntock leva então os suprimentos necessários à
sobrevivência dos sitiantes.
Arthur Kennedy e James Stewart |
Homens
diferentes - Mais uma vez pelas mãos de Anthony Mann, James Stewart
interpreta um homem em luta com seu passado buscando a redenção de sua
consciência. Glyn McLyntock havia sido um malfeitor no Kansas e chegara a ter o
pescoço numa corda, marcas que procura esconder da mesma forma como foge à
procura de outro tipo de vida. Por azar encontra Emerson Cole, que como ele
cometeu crimes sem que isso o abale. Cole é sorridente, simpático, misterioso e
até fascina Laura, sem dar chance a McLyntock de flertar com a bonita moça,
quem sabe futura companheira nessa nova fase. Da mesma forma que McLyntock
acredita poder se regenerar, ele crê que Cole pense da mesma maneira, mas cedo
descobre que este é incorrigível, não se importando em roubar um simples cavalo
ou deixar famílias inteiras privadas de alimentos durante o inverno. A tese de
Mann é que há diferentes tipos de homens e que a reabilitação pode ser difícil
mas não impossível. Isso dá margem ao diretor exercitar o tema que lhe é caro e
onde ele brilha como poucos, o do conflito psicológico. Anthony Mann já havia
feito o mesmo em todos seus westerns anteriores: o referido “Winchester 73”,
“Almas em Fúria” (The Furies) e “O Caminho do Diabo” (Devil’s Doorway), os
três, por incrível que pareça, produzidos no mesmo ano de 1950.
Julie Adams |
Caráter
e consciência - “E o Sangue Semeou a Terra” é o mais fordiano dos
westerns de Anthony Mann ao retratar a dureza da conquista da terra onde
famílias se assentarão. Os carroções atravessando caminhos íngremes, as
mulheres que ficam com os trabalhos domésticos, como cozinhar, lavar e
costurar, a necessidade de se abastecer contra os rigores do tempo, são elementos
pouco comuns nos exasperados filmes de Mann, bem como o comportamento juvenil
da filha mais nova de Bale tentando interessar o atraente Trey Wilson. O
diretor, no entanto, não enfatiza devidamente esses aspectos, centrando-se mais
nas questões de caráter e consciência dos personagens principais (McLyntock e
Cole). Além destes há ainda o insensível e embusteiro comerciante Hendricks e
também o grupo de homens maus capazes de fazer um carroção desabar sobre o corpo
de um homem sitiante. Tão ou mais perigosos que os percalços da longa caminhada
que a caravana faz até o sonhado paraíso que edificarão com seu trabalho são os
homens como Cole que não hesitam em destruir anseios dignos como os dos simplórios
sitiantes.
Julie Adams; Jay C. Flippen e James Stewart |
Economia
excessiva - O roteiro de Borden Chase se aproxima em diversos pontos,
com este “E o Sangue Semeou a Terra”, do épico “Rio Vermelho”. No filme de
Howard Hawks a condução de um gigantesco rebanho atravessando boa parte do país
é o fio condutor da história, neste de Anthony Mann são os seres humanos a se
confrontar com transtornos de todo tipo, mesmo um ataque índio. Assim como
Joanne Dru em “Rio Vermelho”, desta vez é Julie Adams que é atingida no ombro
por uma flecha. Em ambas as histórias os fatos vão se sucedendo tornando os
roteiros mais complexos, mas, ao contrário do western de Hawks, “E o Sangue
Semeou a Terra” é um filme enxuto, econômico até demais mesmo. A ponto de o
personagem Trey Wilson (Rock Hudson) parecer estranho à história e sua simpatia
pela causa dos sitiantes não ter razão de ser. Trey é um jogador profissional e
Portland se transforma num local propício para ele ganhar dinheiro, mas o rapaz
abandona tudo para seguir (e defender) a caravana de idealistas aventureiros.
Mesmo Cole convencer o grupo de homens do porto de Portland a seguir suas
ordens transcorre de forma mal explicada e rápida demais. Por outro lado Jeremy
Bale, o líder da caravana, está sempre pronto a comparar homens com maçãs,
tentando com isso o roteiro mostrar a importância da filosofia popular. Anthony
Mann trabalha melhor com a aspereza que com frases de pretensa profundidade.
Rock Hudson salvando James Stewart; James Stewart |
O
rio como metáfora - Anthony Mann com a preciosa ajuda do
cinegrafista Irving Glassberg explora magnificamente os belíssimos cenários aos
pés do Monte Hood, no Oregon e isso torna o filme deslumbrante. E Mann, que é
mestre em contrastar a grandiosidade de paisagens com o lado sombrio dos
personagens, produz o clímax do confronto entre McLyntock e Cole muito
rapidamente. Mann, que excepcionalmente integra esse tipo de sequência tensa
com os cenários, como o fez prodigiosamente em “O Preço de um Homem” (Naked
Spurs), simplifica ao extremo o desfecho entre os dois homens. Em ambos os
filmes é a água do rio que metaforicamente purga o passado do homem em busca de
sua absolvição psicológica. O mesmo diretor que vinha de dignificar a presença
do índio na História norte-americana com “O Caminho do Diabo”, desta vez mostra
um grupo inábil de cinco nativos sendo abatido com facilidade por McLyntock e
Cole. Como em tantos e tantos outros westerns os índios esquecem repentinamente
todo o conhecimento que os levou a sobreviver por séculos em meio aos perigos e
são abatidos sem muito esforço pelos brancos.
James Stewart e Arthur Kennedy |
Disputa
de talentos - No duelo de interpretações entre James Stewart e Arthur Kennedy
a vantagem fica com o segundo, como normalmente acontece uma vez que bandidos
são, quase sempre, personagens mais ricos dramaticamente que os heróis. Stewart não atinge a tensão emocional
dos outros trabalhos sob a direção de Anthony Mann, enquanto Kennedy é perfeito
como o tipo cínico, ambicioso e desprovido da mínima honradez. Mesmo quando
Cole salva a vida de McLyntock, o faz por mero interesse em disputar a carga de
suprimentos. Rock Hudson ainda na fase de ser projetado em pequenos papéis pela
Universal é bastante prejudicado pela inconsistência de seu personagem. E Hudson é vítima de falas nada abonadoras para um iniciante ator de quem ainda o
grande público não se suspeitava ser gay, o que para um ator nos anos 50 poderia
significar fim de carreira. Jay C. Flippen vive uma sequência premonitória ao
se acidentar e ter a perna quase esmagada, ele que pouco tempo depois teria amputada
uma de suas pernas e assim mesmo participado de inúmeros outros filmes. Julie
Adams, atriz de menores recursos dramáticos, é igualmente desperdiçada num
papel insosso e apenas menos ruim que o de sua irmã no filme Lori Nelson. Ótima
participação de Howard Petrie como o comerciante velhaco e, entre o grupo de
homens maus que habitam o porto, destaque como não poderia deixar de ser para
Jack Lambert de quem a direção poderia extrair ainda muito mais maldades. Atenção
para as presenças de Cliff Lyons e Chuck Hayward entre os bandidos. Porque tantos
capitães de navio (no caso uma barcaça) em filmes norte-americanos são
portugueses é um mistério e desta vez é Chubby Johnson quem atende por ‘Melo’.
E o que faz Stepin Fetchit, mais estereotipado que nunca como negro idiotizado,
inteiramente perdido neste western?
Chubby Johnson, Howard Petrie, Julie Adams, Lori Nelson, Rock Hudson, Jay C. Flippen |
Arthur Kennedy e James Stewart |
A
quina de ouro de Mann-Stewart - Da portentosa quina de westerns
resultante da parceria entre Mann-Stewart “E o Sangue Semeou a Terra” é o mais
fraco, o que em absoluto significa ser este um filme sem qualidades. O fato é
que Mann realizou pelo menos duas obras-primas do gênero e não se faz filmes
como “O Preço de um Homem” e “Um Certo Capitão Lockhart” (The Man from Laramie)
todos os dias. Não fosse um movimentado e bonito western,o filme valeria pela
formidável interpretação de Arthur Kennedy, um ponto acima do igualmente ótimo
James Stewart.
Arthur Kennedy e Rock Hudson; Frank Ferguson baleado por Rock Hudson |
Sensacional, a sua iniciativa... tenho 70 anos... fui picado, bem cedo, pela 'mosca do western'... Parabéns!! Obrigado!!
ResponderExcluirLembro-me de ter assistido a esse filme em minha infância, no interior. Sensacional! Gostaria de reve-lo após tantos anos. É posível? Também estou a alguns meses para completar os meus 70 anos.Obrigado
ResponderExcluirAh. Esqueci de dizer que também sou fanático pelos filmes antigos(da década de 1950 em diante) de bang bang.
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