Sequências de "A Um Passo da Eternidade", vendo-se Sinatra com Ernest Borgnine e Burt Lancaster (ao fundo); na outra foto Sinatra ferido e abraçado a Monty Clift. |
Frank Sinatra viveu um período de
grande turbulência em sua vida pessoal quando esteve casado com Ava Gardner.
Muitas cenas de ciúmes, brigas em público e intermináveis bebedeiras de ambos
culminou com a inevitável separação seguida de divórcio. Os excepcionais discos
de Sinatra vendiam bem, mas sua carreira cinematográfica chegara ao fundo do
poço, com Sinatra ficando dois anos sem filmar (1951/52), até que seus amigos
da Máfia conseguiram para ele o cobiçado papel de 'Angelo Maggio' em “A Um Passo
da Eternidade”. A partir daí a estrela de Sinatra como ator voltou a brilhar,
os bons papéis voltaram e ele resolveu passar também à produção de filmes.
Praticamente todos os grandes astros de Hollywood faziam westerns e Sinatra
entendia que chegara a hora de estrear no gênero, decidindo que sua primeira
produção seria um faroeste. Escolheu então uma história de David P. Harmon que entendeu
ser apropriada para seu estilo de atuar interpretando tipos abandonados pela
sorte. Para dirigir seu filme Sinatra chamou Don McGuire, tão obscuro como ator
quanto como escritor e que nunca antes havia dirigido um filme antes. De certa
forma o famoso cantor arriscava-se a fazer sua carreira regredir com esta
produção pobre, em preto e branco, com 84 minutos de duração intitulada “Johnny
Concho”, “Redenção de um Covarde” no Brasil.
A arrogância bem personificada por Frank Sinatra. |
A
humilhação do arrogante - Qual criança mimada que conta com a
força do irmão mais velho, o fracote Johnny Concho (Frank Sinatra) provoca a
população de Cripple Creek. Johnny rouba descaradamente no pôquer, apropria-se
de tudo que lhe apetece (relógio, cavalo, sela) e mal olha para as pessoas ou
responde a cumprimentos. A população da cidadezinha treme de medo ao ver Johnny
Concho, a quem intimamente odeia, submetendo-se, no entanto, às suas vontades
com medo de represálias por parte de Red Concho, pistoleiro, irmão e protetor
do arrogante, irritadiço e impulsivo Johnny. Somente a jovem Mary Dark (Phyllis
Kirk) nutre admiração por Johnny. Um pistoleiro chamado Tallman (William
Conrad) mata Red Concho em outra cidade e chega a Cripple Creek para assumir o
lugar de dono da cidade que pertencia a Red. Tallman começa por humilhar
Johnny, que se revela um bem acabado covarde e que é expulso da cidade pelo
pistoleiro. A má fama dos Conchos se espalhara e Johnny não é bem-vindo em
nenhuma cidade vizinha, decidindo ir para a distante Califórnia. Mary segue
Johnny e o convence a se casar com ela, união a ser celebrada por Barney Clark
(Keenan Wynn), um temível ex-pistoleiro convertido em ministro. A covardia de
Johnny faz com que Mary desista do casamento, mas Barney Clark incute coragem
no frouxo Johnny. Este retorna a Cripple Creek, enfrenta Tallman e sua bravura
contagia os até então submissos homens da cidade que matam o pistoleiro. Tanto
Johnny como a própria população redimida inicia nova vida para Cripple Creek.
Sinatra com Howard Petrie; abaixo Willis Bouchey. |
De
covarde a herói - Depois de “O Matador” (The
Gunfighter) virou moda mostrar que homens do Oeste também eram seres humanos
com seus medos e nenhuma vontade de se perpetuarem como gatilhos rápidos. O
xerife ‘Will Kane’ (Gary Cooper) em “Matar ou Morrer” (High Noon) e ‘George
Temple’ (Glenn Ford) em “Gatilho Relâmpago” (The Fastest Gun Alive) são dois
bons exemplos da influência do clássico de Henry King estrelado por Gregory
Peck. “Redenção de um Covarde” segue essa linha de faroestes invertendo a
postura do personagem principal que encontra força para a improvável
transformação de homem fraco em ser brioso e determinado. Frank Sinatra não
precisou se esforçar muito para mostrar Johnny Concho como o mais arrogante e
detestável habitante de Cripple Creek. O ápice das provocações de Johnny se dá
diante do ferreiro Helguson (Howard Petrie), homem duas vezes maior que o prepotente
fracote, mas que engole a seco as afrontas para não cair em desgraça com Red
Concho, assim como todos na cidade. E como covarde Sinatra se sai bem,
provocando mesmo indignação dos dois que ainda acreditam nele: Mary Dark e o
xerife Henderson (Willis Bouchey). Já a remissão de Johnny é menos convincente
pois exige muita boa vontade para se acreditar num Sinatra denodado.
Sinatra com Phyllis Kirk; Wallace Ford e Dorothy Adams. |
Frank Sinatra com Keenan Wynn. |
Desfecho
insatisfatório - A história de “Redenção de um Covarde” poderia resultar
num filme do nível dos citados no parágrafo acima, mas certamente não seria um inexperiente
diretor como Don McGuire o indicado para essa proeza. Além disso salta aos
olhos a extrema pobreza da produção, a falta de um diretor de arte capaz de
preencher os cenários modestos demais, como se a ação se passasse num daqueles
filmes de Durango Kid produzidos pela Columbia nos anos 40. O roteiro peca por
não conseguir justificar o fascínio de Mary Dark por Johnny Concho, ainda mais
que o comerciante Albert Dark (Wallace Ford), pai de Mary, é o mais pusilânime dos
aviltados por Johnny Concho. O mesmo se dá com o interesse do
ministro-pistoleiro Barney Clark por Johnny e o que leva Clark a crer que ainda
reste uma gota de brio no pedante covarde. “Redenção de um Covarde” merecia um
desfecho mais eficaz e a Sinatra faltou justamente a bravura que ‘Angelo Maggio’
demonstrou no filme que lhe deu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante três anos
antes. É a diferença que faz ser dirigido por Fred Zinnemann ao invés de Don
McGuire!
Acima Phyllis Kirk; abaixo Sinatra e Gloria Vanderbilt. |
Mulheres
fortes - O ator-cantor agora transformado em produtor havia conseguido que sua então namorada,
a socialite Gloria Vanderbilt estreasse no cinema como atriz interpretando a
jovem Mary Dark em seu filme. No entanto o romance entre Gloria e Francis Albert terminou e a rica
herdeira desistiu do papel e da carreira de atriz. Porém Gloria chegou indiretamente ao cinema anos depois quando o escritor Truman Capote se baseou na sua classe, elegância e beleza para criar a personagem ‘Holly Golightly’, imortalizada
por Audrey Hepburn em “Bonequinha de Luxo”. Num filme onde os homens de uma cidade são em sua
quase totalidade covardes, as mulheres são o exemplo de integridade moral pois tanto Mary
Dark quanto sua mãe Sarah Dark (Dorothy
Adams) e ainda a saloon-girl Pearl Lang (Jean Byron) enfrentam ou criticam
claramente Johnny Concho ou o facinoroso Tallman. A importância das mulheres na
formação do Oeste nem sempre é destacada nos faroestes e “Redenção de um
Covarde” foge a essa regra.
Keenan Wynn (acima); William Conrad (abaixo). |
O
melhor western de Sinatra - O elenco de “Redenção de um Covarde”
traz nomes conhecidos e capazes de despertar o interesse do espectador, como
Leo Gordon, Claude Akins, John Qualen e Keenan Wynn, mas apenas este se
sobressai numa composição tenebrosa e de impacto que lembra os tipos
amedrontadores criados por Robert Mitchum em vários westerns. Ótimos Wallace
Ford e Howard Petrie, aquele rastejando o tempo todo até atirar em Tallman no
final; Petrie por sua vez é responsável por um dos melhores momentos do filme
quando aplica uma surra em Johnny Concho, vingando-se de tantos menosprezos
sofridos. Atenção para uma ponta de Strother Martin, sempre irônico. William
Conrad é um vilão no estilo vigoroso de Broderick Crawford. Num filme em que
quase nada chama a atenção, brilha o maestro-compositor Nelson Riddle com uma
trilha sonora musical nos moldes daquelas que Bernard Herrmann compunha,
fugindo do lugar-comum das trilhas dos faroestes. Riddle acompanharia o grande
cantor em algumas de suas mais antológicas gravações. Frank Sinatra tentaria
outras vezes algum sucesso no gênero western, até entender que era melhor
deixar as cavalgadas no Velho Oeste para atores mais convincentes. E o modesto “Redenção
de um Covarde” acabou sendo, de longe, o melhor dos faroestes em que Sinatra atuou.
Leo Gordon e Claude Akins; Frank Sinatra a cavalo. |
No filme é mostrada uma cartucheira que se abre lateralmente quando forçada, tornando o saque, se é que assim pode ser chamado, rapidíssimo. |
O álbum com a trilha sonora de "Redenção de um Covarde"; Nelson Riddle com Sinatra durante uma gravação na Capitol; à direita Sinatra sentado ao lado do diretor Don McGuire. |
NR - "Redenção de um Covarde" não foi lançado em VHS ou DVD e esta cópia raríssima foi gravada por volta de 1995 quando o filme foi exibido pelo Canal TNT. Gravada em VHS e transcrita para DVD, a cópia foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.
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