26 de junho de 2015

O TIRANO DA FRONTEIRA (THE LAST FRONTIER) – O MONTANHÊS VICTOR MATURE


Capa do livro de Richard Emery Roberts;
Burt Lancaster e Kirk Douglas.
Em 1955 Anthony Mann já havia inscrito seu nome entre os grandes diretores de westerns, com a série de filmes por ele dirigidos e estrelados por James Stewart. E nesse ano o diretor de “O Preço de um Homem” (The Naked Spur) realizou aquele que pode ser considerado o menos lembrado e também o mais diferente de seus faroestes, “O Tirano da Fronteira” (The Last Frontier). Para quem se acostumara a dirigir um ator com o talento dramático de Stewart, seria um desafio para Mann ter Victor Mature como astro principal de seu novo western, mas era o que havia à mão. O personagem Jed Cooper desse novo filme não se adequava a James Stewart, além do que o ator não vencia seus compromissos fazendo um filme atrás do outro, alguns deles com Alfred Hitchcock. Foram lembrados inicialmente Burt Lancaster e Kirk Douglas, atores igualmente ocupadíssimos. Lancaster, por sinal, nesse mesmo momento estava produzindo, dirigindo e atuando em “Homem Até o Fim” (The Kentuckian), com ambientação próxima a “O Tirano da Fronteira”. Kirk Douglas, outro ator talhado para o personagem Jed Cooper, já havia se compromissado para no ano seguinte viver as aventuras de um montanhês durante a ‘Red Cloud War’ no filme “A Um Passo da Morte” (The Indian Fighter). Mesmo Victor Mature não chegando próximo de Douglas ou Lancaster, curiosamente o filme de Anthony Mann é o melhor dos três filmes citados e rodados quase que simultaneamente.


James Whitmore, Victor Mature e Pat Hogan
nas montanhas e no Forte Shallan.
Das montanhas para o Forte - O romance “The Gilded Rooster”, de autoria de Richard Emery Roberts, foi adaptado para o cinema por Philip Yordan em parceria com Russell S. Hughes. Na capa do livro de Roberts há uma chamada que diz ‘Ele queria a dama do capitão’, vendo-se um homem rude e uma senhora elegante. Esse bruto é o montanhês Jedd Cooper (Victor Mature), que junto de seus companheiros Gus (James Whitmore) e Mungo (Pat Hogan) se vê forçado pelos índios comandados pelo cacique Red Cloud a se refugiar no Forte Shallan, comandado pelo Capitão Glenn Riordan (Guy Madison). Os três são contratados como batedores e Cooper se sente atraído por Corinna Marston (Anne Bancroft), esposa do Coronel Frank Marston (Robert Preston) que se encontra no Forte Laramie. O Coronel Marston chega ao Forte Shallan e pouca atenção dá à esposa que cede ao assédio de Cooper. O Coronel Marston arbitrariamente toma o comando do Capitão Riordan e decide atacar um dos acampamentos dos índios, mesmo avisado pelos batedores que Sioux e Cheyennes juntaram forças e são numericamente superiores. O precariamente treinado regimento sob as ordens de Marston é presa fácil para os índios, o Coronel é morto em combate e Cooper lidera a retirada salvando parte do regimento. O Capitão Riordan admite Jeb Cooper como soldado e este passa a viver no Forte Shallam, abandonando a vida de montanhês.

A tristeza da vida na caserna - Mesmo sem a força dramática e a densidade psicológica de seus principais westerns – “O Preço de um Homem” e “Um Certo Capitão Lockhart” (The Man from Laramie) - “O Tirano da Fronteira” é um filme fascinante não só pela sua trama principal como pelas subjacentes. Jeb Cooper nasceu e cresceu nas montanhas, tendo sido criado por Gus que o ensinou como sobreviver e amar a natureza. Em companhia do índio Mungo os três levam uma vida feliz vendendo as peles dos animais que caçam. A chegada dos túnicas azuis e a construção dos fortes altera o cenário e gera uma série de conflitos entre índios sob o comando de Red Cloud  e o Exército. Em meio a essa contenda estão homens que não aceitam a civilização representada pelos fortes construídos e sua complexa organização. Uma túnica azul pode ser uma atração na vida de alguém sem rumo, mas significa a privação da liberdade sem a qual homens como Cooper, Gus e Mungo se tornam infelizes. O Capitão Riordan diz a Cooper que ele “não se encaixa na vida militar” pois o batedor abomina a disciplina da vida de soldado.

Guy Madison e Victor Mature

O amor sem barreiras do bruto- Porém Jeb Cooper se apaixona por Corinna, que é simplesmente a esposa mal-amada de um Coronel, e o apaixonado batedor não aceita as ponderações de Gus. Para Cooper o fato de Corinna ser casada não representa impedimento para que ele a possua, ainda mais quando ele percebe que aquele é um casamento sem amor. Iliterato mas nobre em seus sentimentos, Cooper possui seu próprio código de vida, segundo o qual tem direito de lutar pela mulher (mesmo casada) que ama. E conclui que seria um covarde se tentasse trocá-la por uma mulher livre que ele não ame. O selvagem montanhês conheceu o amor e com ele o sofrimento imposto por convenções que desconhecia.

Robert Preston e Anne Bancroft; Victor Mature e Anne Bancroft.

O Custer da fronteira - A segunda subtrama é a tantas vezes mostrada pelo cinema insanidade de um oficial capaz de levar seus comandados à morte. O Coronel Marston é conhecido como ‘O Carniceiro de Shiloh’ por ter sido o responsável pela morte de 1.500 soldados naquela batalha travada na Guerra Civil. Afastado dos campos de luta por seus superiores, Marston recebe como punição comandar um forte distante de tudo, especialmente da glória que vitórias contra confederados ou índios pode acrescentar à sua biografia. O Coronel Marston vislumbra essa possibilidade no Forte Shallam e inebriado pelo desejo de limpar seu nome ordena o ataque que fará dele um novo Custer. Sua esposa é apenas um adorno a quem trata com o mesmo desprezo que trata subalternos.

Robert Preston como o coronel que encontra a morte em batalha.

Victor Mature
Imposição de final feliz - Anthony Mann desenvolve com habilidade a história de Jeb Cooper mesclada ao caso com a Senhora Marston e à batalha forçada pelo autoritário Coronel. Aspecto pouco comum em seus westerns, Mann dá leveza e graça a “O Tirano da Fronteira” com a inadequação de Jeb Cooper à vida na caserna. Singular também o romance proibido, inicialmente com a hesitação da esposa desprezada pelo marido, isto até que o ardor da paixão e do desejo a empurrem para os braços do montanhês. Ponto alto de “O Tirano da Fronteira” as sequências da adúltera atração incontida. E se nos westerns da série Mann-Stewart o clímax ocorria em confrontos intimistas entre dois contendores armados de fuzis e escondendo-se em rochas e tendo a vingança como motivo, neste filme Anthony Mann encena satisfatoriamente uma batalha campal seguida do cerco ao forte. A lamentar apenas o forçado final feliz com Jeb Cooper se tornando soldado, ele que desconsolado com atitudes dos militares afirmara que a farda do Exército “Não passa de um trapo azul imundo e imoral”. Mann afirmou que esse final lhe foi imposto pelos produtores, piorando ainda mais com a última imagem do filme com Jeb Cooper em meio à pseudo-poética neve que cai no forte, indo ao encontro da viúva Marston. Decididamente um final infeliz que o filme não merecia.

Victor Mature e Anne Bancroft
O ótimo Victor Mature - Não falta a “O Tirano da Fronteira” os imensos e deslumbrantes cenários presentes nos principais westerns de Anthony Mann, valorizados pela esplendorosa fotografia de William C. Mellor. A vastidão das montanhas e florestas aparecem em muitas sequências atrás da figura de Victor Mature que se agiganta com as tomadas baixas da câmara. Anthony Mann afirmou que foi difícil trabalhar com Mature por não ser ele exatamente um homem do Oeste. Parece que o ator não conseguia se desvincular das imagens marcantes de seus filmes interpretando Sansão, Demétrius, egípcios e outros heróis épicos. Contrariamente, porém, ao que insinuou o diretor, Victor Mature está excelente como o montanhês que vira batedor e se apaixona, seguramente em uma das melhores interpretações de sua carreira, ele que jamais se vangloriou de ser ator.

James Whitmore e Victor Mature
Abaixo dos clássicos de Anthony Mann - Anne Bancroft, loura e antes de se consagrar nos palcos de Nova York e retornar vitoriosamente ao cinema, mostra seu potencial como intérprete. Westerns não são o terreno mais apropriado para as melhores atrizes, preocupando-se os produtores mais com um rosto bonito, tese que Bancroft contradiz, ainda que sua composição como a senhora Marston seja um tanto fria, contrastando com o ardor de Mature. Guy Madison, que em 1955 era ídolo na TV com a série “As Aventuras de Wild Bill Hickok” interpreta um personagem que poderia ser melhor dimensionado. James Whitmore tem mais uma primorosa atuação, ele que era um dos melhores tipos característicos do seu tempo. No filme Gus (Whitmore) criou Jed Cooper (Mature) desde pequeno. Ocorre que Victor Mature era oito anos mais velho que Whitmore... Coisas e Hollywood. Robert Preston nada acrescenta a seu personagem que poderia ser mais execrável ainda e Peter Whitney dá uma saudade enorme de sargentões sádicos como os de Ernest Borgnine. Situando-se um pouco abaixo dos clássicos de Anthony Mann, “O Tirano da Fronteira” brilharia em filmografia de qualquer outro diretor.


Bonitos pôsteres italiano e alemão de "O Tirano da Fronteira".

A cópia de "O Tirano da Fronteira" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.

2 comentários:

  1. Gostei, mas esperava mais, até por ser do Mann!

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  2. O filme e muito bom.muitos críticos tem implicância com Victor Mature.nao sei porque.talves por ser muito humilde. Maur Nogueira

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