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O diretor William Witney. |
Em 1964 Audie Murphy chegava aos 40
anos e deixara a Universal onde desfrutara de grande prestígio. Antes disso
Audie tentara a televisão com a fracassada série “Whispering Smith” e iniciara
a luta contra o declínio de sua carreira como ator. Nesse mesmo ano o celebrado
herói da II Guerra Mundial já havia atuado nos westerns “Pistoleiro Relâmpago”
(The Quick Gun) e “Balas para um Bandido” (Bullet for a Badman), dirigidos respectivamente
por Sidney Salkow e R.G. Springsteen. Reunido mais uma vez com o produtor
Robert E. Kent, da pequena Admiral Pictures, o terceiro western de Audie Murphy
em 1964 foi “Rifles Apaches” (Apache Rifles). A boa notícia é que o diretor escolhido
foi William Witney, veterano dos tempos da Republic Pictures e mestre de filmes
de ação. “Rifles Apaches” seria mais um western sobre a cruel ação da Cavalaria
norte-americana sobre os índios não só fosse a abominável mudança do desfecho
do filme. Os estúdios algumas vezes usam a estratégia de filmar finais
alternativos submetendo-os a teste junto a pequenas plateias. Outras vezes
alteram brutalmente o desfecho da história, como ocorreu em “A Face Oculta”
(One-Eyed Jacks), com final alternativo filmado dois meses depois de encerrada a produção, forçando um
final feliz. Nesta primeira reunião da dupla Murphy-Witney, sabe-se lá por
imposição de quem, um final trágico é transformado em risível epílogo.
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Joseph Vitale como o chefe ApacheVictorio. |
Apaches
traídos - O capitão Jeff Stanton (Audie Murphy) recebe a missão de
levar uma mensagem do General Crook a Victorio (Joseph Vitale), chefe dos renegados
Apaches Mescaleros. O General quer que Victorio e seus bravos retornem à
reserva e que o tratado de paz seja cumprido. Porém justamente na reserva
indicada é descoberto ouro, o que desperta a cobiça de mineiros e oportunistas
aos quais interessa a sublevação dos Apaches e consequente uso da força pela
Cavalaria, exterminando os renegados. Um agente federal é morto pelos mineiros,
o que provoca a troca de comando na unidade da Cavalaria, com o Capitão Stanton
dando lugar ao Coronel Perry (John Archer). Ao contrário de Stanton, o Coronel
Perry não tenciona obedecer às ordens de Washington e vê no confronto com os
Apaches uma oportunidade de exercitar sua sanha sanguinária. Victorio é morto e
seu filho Red Hawk (Michael Dante) o sucede no comando dos Apaches. Red Hawk
que confiou no Capitão Stanton se sente traído pela Cavalaria e vinga-se
atacando mortalmente o Capitão.
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Audie Murphy |
Racismo
predominante - A ótima história de autoria de Kenneth Gamet e Richard
Schayer, roteirizada por Charles B. Smith apresenta uma série de conflitos
entre os personagens principais. O Capitão Stanton é filho de um oficial que
por seu respeito aos índios acabou levando um pelotão à derrota, sendo
destituído com desonra da Cavalaria. Stanton carrega esse trauma do qual não
consegue se livrar pois sempre há quem, maledicentemente ou não, o lembre dessa
triste passagem envolvendo seu pai. Ao entrar pela primeira vez no reduto dos Apaches Mescaleros,
como parte de sua missão, o Capitão Stanton descobre que há uma mulher branca –
Dawn Gillis (Linda Lawson) – entre os índios. Dawn é uma mestiça filha de um
homem branco com uma índia Comanche e se tornou missionária. O Capitão Stanton
e Dawn sentem-se atraídos um pelo outro, até que o oficial descobre que Dawn tem sangue índio. Stanton é racista e fala mais alto sua incapacidade de superar seu preconceito.
Paralelamente a isso o jovem e belicoso Red Hawk também se interessa pela
missionária, o que causa ainda maior hostilidade entre ele e Stanton. O Capitão
é um oficial cumpridor de ordens e mesmo diante de seu espírito segregador e da
lembrança humanista do pai leva a cabo a missão que lhe foi designada. O homem
branco surge na história nas figuras do ganancioso comerciante Owens (Charles
Watts) e de seus asseclas Greer (L.Q. Jones) e Hodges (Ken Lynch). Completa o
grupo de personagens principais o Coronel Perry, impiedoso e não cumpridor da
palavra empenhada.
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Michael Dante e Linda Lawson; Linda Lawson. |
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Micahel Dante |
Verdes
campos da nova terra - Em “Rifles Apaches” William Witney
tenta conduzir a história até onde pode com a coerência possível, ainda que o
Capitão Stanton seja um personagem inteiramente contraditório. Stanton sente um
certo orgulho pela hombridade do pai, ao mesmo tempo que sofre com a mácula que
pesa sobre o nome herdado. Respeita e conhece bem os índios, mesmo não tendo
simpatia por eles, não perdendo a oportunidade para demonstrar isso, como
quando amarra Red Hawk exposto ao sol para que ele confesse onde está Victorio.
O entusiasmo inicial de Stanton pela mulher branca se dissipa ao constatar ser
ela mestiça, atitude reprovada pelo Capitão médico (J. Pat O’Malley) que chama Stanton de verdadeiro cabeça dura. Todas as incongruências de personalidade,
porém, seriam superadas com a mensagem principal do filme que é a
insensibilidade e o barbarismo do qual foram vítimas os nativos
norte-americanos. E o que se tem com o ridículo final é a conversão do racista
Capitão Stanton que movido pelo amor supera sua rejeição à branca-comanche, sendo
abençoado ainda pelo... guerreiro Red Hawk. Este, num insulto à inteligência do
espectador diz que a reserva para onde será mandado com seus bravos (no Texas)
é um ótimo lugar para se viver com os rios e montanhas verdejantes.
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Acima o corpo de Victorio; abaixo Audie Murphy e John Archer. |
Uma
lança no coração - Alfred Hitchcock chegou a dizer que
quem quiser encontrar ‘plausibilidade’ não deve ir ao cinema. E Hollywood nunca
levou em consideração o aspecto crível de histórias levadas às telas. Comumente
heróis passam a ter poderes quase sobrenaturais, sobrevivendo a toda sorte de
flagelo e de situações adversas. Em “Rifles Apaches” o Capitão Stanton é perfurado
pela lança de Red Hawk que com a força do ódio de quem é traído, lhe acerta o
coração. Com uma lança, repita-se. Mesmo sem os necessários cuidados
hospitalares, três semanas depois Stanton reaparece com o braço na tipoia e
pronto para recuperar seu comando e receber os abraços da missionária que em
determinado momento da história havia sido dada como morta. “Rifles Apaches” é
um filme de pequeno orçamento, realizado por uma produtora independente e
distribuído pela 20th Century-Fox, daí a ‘cirurgia necessária’. Aparentemente
nenhum dos envolvidos – Murphy, Witney e o produtor Robert E. Kent – comentaram
as modificações que destruíram aquele que poderia ser lembrado como mais um
libelo contra o maior genocídio da história mundial.
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Sequência em que Red Hawk 'mata' o Capitão Stanton. |
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Audie Murphy |
Audie
Murphy em boa interpretação - Reconhecido como um dos mestres das
sequências de ação, William Witney não tem em “Rifles Apaches” oportunidades
maiores de exercitar suas habilidades. Poucos e até mesmo tímidos e nada
inspirados são os rotineiros momentos de confrontos. Por outro lado é grande a
satisfação em ver a ótima atuação de Audie Murphy como o sofrido Capitão
Stanton. Longe da figura eternamente juvenil que o marcou, Murphy é um
convincente e atormentado oficial. Michael Dante, que viveria Crazy Horse em
série de televisão e “Em os Bravos Nunca Morrem” (The Legend of Custer) é um
índio tipo galã que se esforça para superar seus limitados recursos
interpretativos. Linda Lawson pouco tem a fazer no filme, ao contrário dos
eficientes J. Pat O’Malley e Robert Brubaker, este como o fiel Sargento Cobb.
As melhores interpretações entre os coadjuvantes ficam para os vilões Charles
Watts, Ken Lynch e L.Q. Jones. Este último, um daqueles tipos marcantes tantas
vezes sob as ordens de Sam Peckinpah, como na antológica disputa pelas botas de
defuntos em “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch).
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Audie Murphy e L.Q. Jones |
Visão
distorcida - “Rifles Apaches” não faz jus à reputação de Audie Murphy
como astro de bons faroestes e menos ainda à importância de William Witney.
Decididamente é um filme menor na filmografia de ambos quando poderia ter
representado um marco artístico em suas carreiras. Mas o que fazer diante do
poder do dinheiro e da necessidade de agradar o grande público que jamais
aceitaria ver o ídolo Audie Murphy ser morto sem ter conseguido a vitória moral
em sua missão neste filme? Personagens históricos como Custer morreram de forma
gloriosa no cinema, até que o revisionismo cinemtográfico mostrasse a verdade dos
fatos. Murphy, um verdadeiro herói norte-americano jamais poderia vestir a
farda azul da Cavalaria norte-americana e morrer estático pelas mãos de um
índio. Situação inaceitável para a visão distorcida dos homens engravatados de Hollywood.
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Audie Murphy |
Darci, gostei, filme difícil de resenhar, um pouco frio, previsível, além de ter que cumprir certas vontades da história do ator Murphy. Lembrei do filme, Passagem do Diabo, com Robert Taylor, em que morre fardado na cena final, sem maiores explicações. Parabéns, belo trabalho. Paulo...mineiro.
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