9 de novembro de 2014

REVANCHE SELVAGEM (THE SCALPHUNTERS), BURT LANCASTER EM DIVERTIDO WESTERN


Burt Lancaster em "Vera Cruz", sozinho
e com Henry Brandon e Gary Cooper.
Para muitos Burt Lancaster foi o mais completo ator do cinema. Excepcional em incontáveis dramas inesquecíveis e incomparável nas muitas aventuras antológicas, Lancaster não conseguia fazer o público rir com muita facilidade mesmo quando o roteiro pedia por isso. A graça do Capitão Vallo (“O Pirata Sangrento”), de Dardo (“O Gavião e a Flecha”) ou de Joe Erin (“Vera Cruz”) eram mais resultado das façanhas acrobáticas ou do cinismo e atrevimento de Lancaster que de seu dom para a comédia. Em 1965 o ator tentou esse gênero em “Nas Trilhas da Aventura” (The Hallelujah Trail) mas filme e ator não tiveram muita graça. Após o excelente “Os Profissionais” (The Professionals) em 1966, dois anos depois Lancaster voltou a tentar a comédia em outro western, “Revanche Selvagem” (The Scalphunters). Burt ficou animado com o roteiro criado por William W. Norton que não só lhe dava nova oportunidade para se mostrar divertido como tocava na questão dos direitos civis pelos quais Lancaster sempre lutou. Talvez Burt quisesse aliviar a carga de Sidney Poitier que mostrava ao mundo que o negro na América podia triunfar, pelo menos no cinema, em filmes de sucesso como “No Calor da Noite” e “Adivinhe Quem Vem para Jantar”. Sem esquecer de “Ao Mestre com Carinho”, passado em Londres.


Ossie Davis
As peles de Joe Bass - Em “Revanche Selvagem” (The Scalphunters), o caçador Joe Bass (Burt Lancaster) tem suas peles roubadas pelos índios Kiowas que como compensação lhe deixam o escravo negro Joseph Lee (Ossie Davis). Lee sabe ler e para sua condição de escravo é quase um erudito. Jim Howie (Telly Savalas) é chefe de um bando que ruma para o México para fugir da justiça que os procura. No caminho atacam os Kiowas que estão bêbados, matam boa parte deles e se apossam das peles roubadas. Joe Bass juntamente com Joseph Lee persegue os bandidos com as peles e tenta recuperá-las das mãos de Howie, sem conseguir e ainda vê Lee se agregar ao bando chefiado pelo líder calvo. A intenção do escravo negro é chegar ao México e lá privar de liberdade. Após inúmeras tentativas de recuperar as peles, Howie se defronta com Bass mas acaba morto por Joseph Lee. O caçador e o negro resolvem suas diferenças numa luta a socos enquanto os Kiowas mais uma vez se apoderam das peles. Bass e Lee partem juntos para um futuro incerto, quem sabe reencontrando os Kiowas e as peles em outro dia e lugar.

Lancaster como caçador; abaixo,
enlameados Burt e Ossie Davis.
Brancos, negros e vermelhos - Para que se tenha uma ideia da efervescência política nos Estados Unidos em 1968, basta lembrar dos protestos contra a Guerra do Vietnã e das mortes de Martin Luther King e Robert Kennedy. Em seu terceiro filme, justamente em 1968, o diretor Sidney Pollack dá sua contribuição antissegregacionista com “Revanche Selvagem” que é uma espécie de “Acorrentados” (The Defiant Ones) em tom de comédia. Ao invés da corrente que unia o branco (Tony Curtis) ao negro (Sidney Poitier) nesse filme de 1958, o que liga Joseph Lee a Joe Bass é uma sucessão de situações nada dramáticas e sim engraçadas. Lee é um estorvo para Bass, mais ainda com a surpreendente cultura e inteligência do negro, a quem Bass chama cm desdém de ‘Julio César’. Joe Bass sabe tudo que é necessário para sobreviver, caçar e enfrentar foras-da-lei e índios, perigos maiores para um solitário caçador como ele. E Bass não entende e não aceita que um escravo que vivia com os Comanches seja intelectualmente superior a ele. As diferenças entre os dois aumentam à medida que não conseguem se afastar um do outro. A violenta luta física entre ambos se desenvolve numa arena de lama e finda a briga, o negro e o branco enlameados parecem iguais. Irreconhecíveis, ali deixados após enfrentar Jim Howie e seus bandidos brancos de diversas etnias e se defrontar ainda com os pele-vermelhas. A alusão ao Vietnã e mais ainda à América é óbvia demais com um final que promete a aceitação e a luta conjunta pela igualdade racial.

Telly Savalas e Shelley Winters;
Savalas, bandido de ceroulas...
Escravo erudito - Western com Burt Lancaster é invariavelmente sinônimo de filme de ação de alta qualidade e isso não falta em “Revanche Selvagem”. Aos 55 anos de idade Lancaster esbanjava vitalidade, saltando, montando e trocando socos, centralizando quase todas as sequências movimentadas. Mas este faroeste de Sidney Pollack pretendeu muito mais que ser um mero filme de ação. Envereda em sua maior parte para a comédia e os destaques passam a ser Ossie Davis principalmente, secundado por Telly Savalas e Shelley Winters. Com que graça o escravo Joseph Lee (Ossie Davis) dá lições de História, Filosofia, Sociologia e até Astrologia. Acovarda-se quando isso lhe interessa e conquista com sua melíflua conversa a confiança da fútil Kate (Shelley Winters), ex-saloon-girl que o que mais almeja na vida é um lar com “uma toalha de mesa de linho branco”. O vilão da história, Telly Savalas, passa a maior parte do filme vestido com ceroulas cor-de-rosa e com sua reluzente careca faz Kid Sheleen (“Cat Ballou”) parecer um personagem ‘normal’. A dupla Telly Savalas-Shelley Winters se completa esplendidamente entre os tapas e beijos que trocam quando Savalas não está maltratando Ossie Davis ou enfrentando a esperteza de Joe Bass (Lancaster). Ao final, invertendo tudo que já se viu num western, a solitária Kate se rende à beleza física de Two Crows, o chefe Kiowa, dizendo a ele: “Índio, sei lá quantas esposas você tem, mas agora você vai possuir a mais assanhada squaw branca de toda a nação Kiowa!”

A erudição do escravo.

Shelley Winters e o índio bonitão.

Burt Lancaster e Ossie Davis.
Comédia dá lugar ao drama - Quando “Revanche Selvagem” tenta ser mais sério conflita com a comédia e perde muito do ritmo agradável até então desenvolvido. Joe Bass passa a destilar seu preconceito reduzindo moralmente Joseph Lee: “Uísque é para homens. Você não é um homem. Você é um escravo”.  Durante a luta Bass é subjugado momentaneamente pela força e golpes do negro que diz: “Agora você percebe a superioridade da raça branca”. A interminável briga se transforma num pastelão de lama e a ideia da não distinção do branco e do negro após se defrontarem resvala na pieguice. E o espectador é surpreendido com as muitas reviravoltas com as peles trocando de mãos a todo momento. “Mash”, o célebre ‘filme de guerra’ de Robert Altman não tem momentos dramáticos, só comédia, mostrando que soldados, mesmo em plena guerra, podem ser humanos e divertidos. E “Mash” é até hoje um dos maiores libelos contra a inutilidade das guerras. Faltou a Sidney Pollack dar seu recado politicamente correto com o mesmo humor que contrapôs o negro Joseph Lee aos brancos e índios na maior parte de “Revanche Selvagem”.

Shelley Winters e Dan Vadis.
Ossie e Shelley, os destaques - Burt Lancaster lidera o elenco mas a atração maior do filme é disparado Ossie Davis, quatro anos mais novo que Lancaster. A longa carreira desse ator negro teria seu ponto alto quando literalmente ‘engoliu’ comediantes talentosos como Walter Matthau e Jack Lemmon em “Dois Velhos Rabugentos” e depois em “Rabugentos e Mentirosos”. No cinema desde 1950, Ossie já havia chamado bastante a atenção em filmes como “Faça a Coisa Certa”, o explosivo filme que deu fama a Spike Lee. Telly Savalas que já havia trabalhado duas vezes antes com Burt Lancaster (em 1961 em “Juventude Selvagem” e em 1962 em “O Homem de Alcatraz”) pode ser igualmente violento e engraçado, mais ainda ao lado de uma provocante Shelley Winters. “Revanche Selvagem” marcou o reencontro de Lancaster com Shelley, eles que contracenaram também em “Juventude Selvagem”. Os dois tiveram um tórrido caso de amor em 1950 e apaixonado por uma então magra Shelley Winters, faltou pouco para Lancaster abandonar a esposa Norma. Shelley era perfeita quando tinha que interpretar uma adorável prostituta como a Kate deste western. Completam o elenco o companheiro de Lancaster nos tempos das vacas magras pelas ruas de Nova York, Nick Cravat; Paul Picerni (da série de TV “Os Intocáveis”); Chuck Roberson, como ator e stuntman; Dabney Coleman como bandido e Armando Silvestre como o chefe Kiowa Two Crows. O grandalhão Dan Vadis, que é um dos facínoras liderados por Telly Savalas, fez inúmeros filmes do gênero ‘espada-e-sandália’ na Itália e depois alguns westerns-spaghetti. Seus últimos trabalhos no cinema foram como membro da ‘Clint Eastwood Stock Company’, antes de falecer. Curiosamente Dan Vadis morreu, vítima de uma overdose de heroína, na cidade de Lancaster, na Califórnia.

O diretor Sidney Pollack com o
produtor Burt Lancaster.
Lancaster, um ator de faroestes - Oficialmente Burt Lancaster dirigiu apenas dois filmes em sua carreira, mas infernizou a vida de muitos diretores, tantas eram suas intromissões durante as filmagens. Mais ainda quando ele era um dos produtores como em “Revanche Selvagem” dirigido pelo ainda inexperiente Sidney Pollack. O diretor, no entanto, nunca reclamou de Lancaster, de quem se tornou amigo e a quem dirigiria em outros dois filmes. Quatro anos mais tarde Pollack filmaria o western “Mais Forte que a Vingança” (Jeremiah Johnnson), um dos muitos filmes de enorme sucesso de Pollack em parceria com Robert Redford. Boa, como não poderia deixar de ser, a trilha sonora musical de Elmer Bernstein, mesmo que distante de seus mais inspirados trabalhos para faroestes, aqui emoldurando os cenários naturais de Durango, no México, onde o filme foi quase inteiramente rodado. Terceiro western de Burt Lancaster em sequência, o grande ator atuaria em outros três faroestes em 1971/72, os excelentes “Mato em Nome da Lei” (Lawman), “Quando os Bravos se Encontram” (Valdez is Coming) e “A Vingança de Ulzana” (Ulzana’s Raid). Essa série, somada aos faroestes clássicos de Lancaster nos anos 50 fazem dele um dos grandes atores do gênero.


Telly Savalas, Chuck Roberson, Dabney Coleman e Nick Cravat.

Savalas antes de ser 'Kojak'; Telly com Shelley.

Nick Cravat e Burt Lancaster: amigos por mais de 60 anos.

O jovem Burt Lancaster no tempo em que foi enfeitiçado por Shelley Winters.

6 comentários:

  1. Ótimo post amigo Darci...falar de Mr. Lancaster é sempre um prazer, não? Com certeza, foi e será sempre um dos meus preferidos. Parabéns e grande abraço !

    Beto Montgomery

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    1. Beto, Burt Lancaster foi um grande ídolo da minha geração e é o ator preferido de muitos cinéfilos. Abraço do Darci.

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  2. Olá Darci, achei ótimo esse post. Seria possível, postar algo, sobre o seriado will Sonnet? No 3 episódio, estão Jack Elam e Jack Nicholson.
    Parabéns.
    Junior.

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  3. Olá Junior - Conheço essa série só de nome, série que teve Walter Brennan como protagonista. Esse episódio deve ser interessante pois traz Jack elam quando começava a deixar de ser bandido e Jack Nicholson nos tempos da American International de Roger Corman. - Abraços, Darci

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  4. Recomendei ao Sr Paulo Lui e demais amigos do Faroeste e afins !!

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    1. Lau Shane, espero que a sessão deste sábado de Faroeste e Afins tenha agradado ao seleto público que comparece aos programas. Abraço do Darci também no seu Paulo.

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