12 de outubro de 2014

DEZ SEGUNDOS DE PERIGO (JUNIOR BONNER), TOCANTE FILME DE SAM PECKINPAH


Sam Peckinpah
Depois de surpreender o mundo cinematográfico com “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch), um dos mais extraordinários westerns até então realizados, Sam Peckinpah filmou “Sob o Domínio do Medo” (Straw Dogs). Em ambos os filmes diversas sequências brutais chocaram espectadores mais sensíveis, o que levou Peckinpah a ser chamado de ‘Poeta da Violência’. Outros, no entanto, preferiam chamá-lo de ‘Bloody Sam’ (Sam, o Sanguinário). Com seu filme seguinte Peckinpah procurou mostrar que era capaz de realizar películas mais emotivas, ao gosto do público não afeito à ferocidade vista nos filmes citados. Entre “The Wild Bunch” e “Straw Dogs" Sam Peckinpah já havia apresentado o estranho “A Morte Não Manda Recado” (The Ballad of Cable Hogue) e em 1972 o os espectadores conheceram seu novo trabalho, intitulado “Junior Bonner”, que no Brasil recebeu o equivocado título “Dez Segundos de Perigo”.


Acima Steve McQueen e Robert Preston;
abaixo Preston e Ida Lupino.
Pai e filho, cowboys errantes - Baseado em história e roteiro de Jeb Rosenbrook, “Dez Segundos de Perigo” é um western contemporâneo que se desenrola durante um de rodeio. O filme conta as desventuras de dois cowboys, pai e filho, ambos errantes. J.R. Booner (Steve McQueen), também chamado de ‘Junior’ é filho de Ace Booner (Robert Preston) e após algumas andanças participando de rodeios retorna a Prescott, Arizona, sua cidade natal e palco do mais antigo rodeio do Oeste norte-americano. J.R. se inscreve para participar em diversas modalidades de competição no rodeio anual de Prescott, que se realiza anualmente desde 1888. Lá J.R. encontra velhos conhecidos de outros eventos e procura por seus pais. O velho Bonner encontra-se num hospital devido a ferimentos leves sofridos há poucos dias num acidente de trânsito. Elvira Bonner (Ida Lupino), a mãe de J.R., já perdeu as esperanças com o incorrigível e irresponsável marido. Curly Bonner (Joe Don Baker) é o irmão mais novo de J.R. que optou por ser empreendedor imobiliário e se aproxima do primeiro milhão de dólares ganho com seus negócios. Enquanto isso os cowboys de rodeio pai e filho ganham hoje (quando ganham) para comer amanhã. Ace Bonner decide ir para a Austrália, onde as chances de fazer fortuna são maiores. J.R. por sua vez está obcecado pela idéia de montar novamente o mais temido touro dos rodeios que se conhece. Esse animal é o Brahma negro Old Sunshine que derrubou J.R. há menos de uma semana em outro rodeio. Na competição de Prescott J.R. consegue permanecer os oito segundos necessários sobre Old Sunshine e recebe 950 dólares pelo feito. Com o dinheiro compra, ao custo de 840 dólares, uma passagem de primeira classe para o pai tentar a sorte na Austrália. E J.R. volta para a estrada seguindo sua vida de decadente cowboy de rodeio.

Steve McQueen e Joe Don Baker
Pouca ação, muita delicadeza - Federico Fellini sentenciou certa vez que os melhores filmes são aqueles em que parece que nada acontece. Assim é “Junior Bonner”, filmado propositalmente em ritmo lento e sem nenhuma morte, desgraça ou fato mais importante. Peckinpah filma o rodeio de Prescott num estilo de semidocumentário mostrando os bastidores do evento e a dura vida dos cowboys que dormem em motéis, quando não ao ar livre. O relacionamento entre J.R. e seus pais e ainda com seu irmão Curly é um subtema desenvolvido de modo singelo mesmo que revele a amargura de Elvira Bonner por se ver sozinha e às vésperas de perder a casa e o marido. Uma sequência de desentendimento entre J.R. e Curly é resolvida com um soco espetacular de J.R. que joga o irmão para dentro da sala passando pelos vidros de uma janela. Mais tarde, no Palace, bar onde parece se reunir todos que estão em Prescott, Curly devolve o soco em J.R., que, depois de se levantar do chão, convida o irmão para tomar uma cerveja. No mesmo Palace ocorre uma briga de grandes proporções mas onde aparentemente ninguém é inimigo de ninguém e os contendores exercitam apenas o próprio machismo e a força dos punhos. Esses momentos, mais para a comicidade que para a violência, não retiram de “Dez Segundos de Perigo” a delicadeza que é a marca maior deste filme de Sam Peckinpah.

Steve McQueen e Robert Preston;
abaixo Ben Johnson.
Sonhos e decepções - O que poderia ser o clímax do filme, a competição mais esperada do rodeio com J.R. sustentando-se sobre o enraivecido Old Sunshine, é desenvolvida naturalmente e mostrada até rapidamente sem excessos de edição. Ainda assim a sequência emociona pela estupenda performance de Steve McQueen. O uso costumeiro do slow motion pelas câmaras de Lucien Ballard, marca registrada de Peckinpah, atenua ainda mais o ritmo do filme que não pretende empolgar pelo dinamismo da edição. O que pretendeu Sam Peckinpah com “Dez Segundos de Perigo” não foi contar uma história que prendesse a atenção do espectador através de momentos de emoção estudados. Quis sim o diretor mostrar o delicioso marasmo da vida de pessoas simples que arriscam o pescoço praticando rodeio. A camaradagem só encontra paralelo na paixão pelo esporte que é o rodeio. É Sam Peckinpah lembrando que não só a violência se faz presente em seus filmes, mas também outra forma de poesia falando de seres humanos e de seus sonhos e decepções. Junior Bonner rejeita proposta de trabalho que o irmão lhe oferece, assim como não aceita trabalhar como assistente de Buck Roane (Ben Johnson), empresário do ramo de rodeios. J.R. gosta mesmo é de colocar seu surrado Cadillac 63 na estrada, rumo a Salinas, Phoenix, El Paso, Forth Worth, para tentar ficar oito segundos sobre meia tonelada de fúria. Neste filme não há vilões o que faz de Curly o antipático representante do progresso que destrói o lirismo daquele estilo de vida onde a tônica é a frugalidade e a bonomia. Curiosamente a publicidade da ‘Reata Rancheros’, projeto de Curly, tenta vender o mundo que ele acaba com implacáveis escavadeiras.

O judiado Cadillac 63 dirigido por McQueen, e seu home on the range.

McQueen
Steve McQueen, que ator! - Um filme com a característica de “Dez Segundos de Perigo”, no qual os sentimentos humanos são mais importantes que a ação, teria que ter um elenco de primeira classe. Steve McQueen como Junior Bonner tem uma de suas mais memoráveis interpretações. Contido sem perder o espontâneo carisma que sempre carregou e triste sem sentimentalismo piegas. E presente em cenas perigosas com os animais, isto até onde foi possível dispensar o uso de dublês, o que supervaloriza sua atuação. O filme é todo de McQueen mesmo correndo o risco de ter um coadjuvante sempre brihante como Robert Preston. Outra destacada atuação de Preston especialmente nas ternas sequências em que contracena com a veterana e também excelente Ida Lupino. Ben Johnson desta vez aparece menos e Mary Murphy tem seu último trabalho no cinema, ela que contracenou com Marlon Brando em “O Selvagem” (The Wild One). Por falar em Brando, Joe Don Baker parece, fisionomicamente, uma mistura de Marlon com Orson Welles. Baker se sai melhor interpretando personagens truculentos mas foi otimamente aproveitado por Peckinpah. Dub Taylor e Don ‘Red’ Barry estão presentes em pequenas participações e Bill McKinney, o odioso Terrill de “Josey Wales, o Fora-da-Lei”, desta vez como o simpático cowboy Red Terwiliger.

Ida Lupino, Mary Murphy e Bill McKinney.

Precioso filme de Sam Peckinpah - Lucien Ballard, o cinegrafista preferido de Peckinpah, captura com sua câmara as variadas modalidades esportivas do homem dominar os animais. Casey Tibbs, ator e campeão nacional, foi o responsável pela coordenação das sequências de rodeio. Jerry Fielding, eterno parceiro de Sam Peckinpah responde pela trilha sonora musical num trabalho diferente que acerta agradavelmente no tom propício ao filme. Destaque para os números interpretados pelo cantor-compositor Rod Hart antes e durante a confusão no ‘Palace Bar’. Se não o melhor, um dos melhores filmes norte-americanos sobre rodeio, “Dez Segundos de Perigo” tem um erro grosseiro em seu título pois o limite para se manter sobre o animal bravio é oito segundos e não dez. Onde o tradutor foi buscar os dez segundos não se sabe, a não ser que ele considere também os segundos que o cowboy necessite para se atirar ou ser atirado ao chão sem ser pisoteado pelo enfurecido touro ou cavalo chucro. Tendo custado 2,5 milhões de dólares, o filme que foi coproduzido pela Solar, produtora de Steve McQueen, rendeu mais de três milhões de dólares apenas. A dupla McQueen-Peckinpah esperaria ainda dois anos para obter um estrondoso sucesso de bilheteria com “Os Implacáveis” (The Getaway). “Dez Segundos de Perigo” é uma preciosidade de filme que envolve o espectador  e que o entristece quando acaba a magnífica passagem pelo tradicional rodeio de Prescott.

Oito segundos só para cowboys de verdade.

Derrubar o bezerro é uma categoria dos rodeios.

Laçar, derrubar e ordenhar uma vaca é outra modalidade.
Montar cavalos broncos contra o relógio é uma das provas
mais emocionantes, exigindo coragem e destreza dos cowboys.

A publicidade da 'Reata Rancheros'; 'Reata' como em "Giant".

McQueen e Barbara Leigh, sua namoradinha no filme.

Agitação no 'Palace Bar'; o bartender é Dub Taylor.

3 comentários:

  1. Bela Postagem deste canastrão, Steve.
    O seu link no blog estava quebrado.
    Fazendo uma verificação, fiz a correção e agora a galera vai novamente poder
    acessá-lo através do Bangbangitaliana.blogspot.com
    Abração.

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    1. Edelzio, é questão de opinião, certamente, mas chamar Steve McQueen de canastrão parece forte demais. Em "Junior Bonner" McQueen demonstra mais uma vez o excelente ator que era, esbanjando carisma. - Abraço do Darci

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  2. OI, DARCI!
    ACHO MCQUEEN E PECKINPAH DOIS GRANDES, CADA UM NA SEU "QUADRADO", CLARO. O PROBLEMA É QUE AMBOS FICARAM MARCADOS PELOS TRABALHOS QUE OS CONSAGRARAM, PECKINPAH COM "MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA" E MCQUEEN COM "SETE HOMENS E UM DESTINO" E "FUGINDO DO INFERNO", OU SEJA, "UM DIRETOR DE AÇÃO INTENSA E VIOLENTA" E "UM ASTRO DE AÇÃO", OU, COMO FICARAM MARCADOS, "O POETA DA VIOLÊNCIA" E "O REI DO COOL". MAS É ÓBVIO QUE ERAM MUITOS MAIS QUE ESSES MEROS TÍTULOS, COMO DEMONSTRARAM DIVERSAS VEZES, INCLUSIVE NOS TÍTULOS CITADOS. SÓ QUE "QUEBRAR" UMA IMAGEM ESTABELECIDA NO SHOW BUSINESS É MUITO DIFÍCIL, SE TIVER UM "GÊNIO DO CÃO", ENTÃO, COMO AMBOS TINHAM, AÍ COISA TODA FICA PIOR AINDA. EU MESMO TIVE ESSE PRECONCEITO EM RELAÇÃO A PECKINPAH. LÁ NOS ANOS 1990, NA ADOLESCÊNCIA, OS DOIS PRIMEIROS FILMES QUE ASSISTI DO DIRETOR FORAM "OS IMPLACÁVEIS" (NA TELA QUENTE) E WILD BUNCH (NO SUPERCINE), OU SEJA, AÇÃO INCESSANTE, ESTILIZADA E INOVADORA. FIQUEI DOIDO PARA VER MAIS FILMES DE "AÇÃO" DESSE DIRETOR ESPETACULAR. CORRI NA LOCADORA E PEGUEI "PAT GARRET E BILLY THE KID". FOI O PRIMEIRO BAQUE. ONDE TAVA AQUELA CORRERIA TODA, AQUELES TIROTEIOS LOUCOS E MORTES AOS BORBOTÕES DO WESTERN ANTERIOR. TUDO ERA MAIS LENTO, CONTEMPLATIVO, PSICOLÓGICO DEMAIS E AS POUCAS MORTES QUE TEVE, APESAR DA CÂMERA LENTA, TINHAM UM TOM PESAROSO. EM SEGUIDA ASSISTI" SOB O DOMÍNIO DO MEDO" (NO DOMINGO MAIOR). LENTO,CONSTRUÍDO AOS POUCOS, COM UMA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA QUE CHEGAVA A ATORMENTAR MAIS QUE A FÍSICA, ONDE TUDO RESULTAVA NUM FINAL EXPLOSIVO E DESNORTEADOR.NA IMATURIDADE DA JUVENTUDE, NAQUELE MOMENTO, ACHEI QUE O DIRETOR SÓ TINHA DOIS FILMES BONS. IMAGINA! MESMO ASSIM NUNCA DESISTI DO CINEASTA, UMA HORA ME RECONCILIAVA COM ELE, POR "PISTOLEIROS DO ENTARDECER", OUTRA JURAVA NUNCA MAIS VER NADA COM SUA ASSINATURA, POR "TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA". PORÉM, NADA COMO OS ANOS PARA ABRIR NOSSO OLHAR E NOVAS PERSPECTIVAS. SINCERAMENTE, "POETA DA VIOLÊNCIA" É UM TÍTULO MUITO PEQUENO E ATÉ DIMINUTIVO PRA TAMANHO TALENTO DESCONCERTADOR. QUANTO A MCQUEEN SEMPRE O CONSIDEREI UM DOS MAIORES ASTROS E UM DOS MEU PREFERIDOS. SÓ QUE MUITOS, PRINCIPALMENTE OS CRÍTICOS E OS "INTELECTUALÓIDES", ACREDITAM QUE POR O ATOR SE DEDICAR A UM GÊNERO MAIS FÍSICO, ISSO ERA SINAL DE FALTA DE TALENTO, FAZER O QUÊ? AS VEZES É PRECISO UM PRÊMIO PARA TODOS ACREDITAREM QUE A PESSOA TEM TALENTO, COMO JOHN WAYNE COM "BRAVURA INDÔMITA". ATÉ O PRÓPRIO MCQUEEN PARECIA LOUCO PARA DEMONSTRAR ESSE TALENTO, QUE ELE JÁ TINHA MAIS QUE COMPROVADO, INCLUSIVE MUDANDO TOTALMENTE SUA IMAGEM COMO FEZ EM "O INIMIGO DO POVO", UM FILME QUE OS PRODUTORES E O PÚBLICO REJEITOU TANTO, QUE MUITOS POUCOS O VIRAM, EU MESMO SOU LOUCO PRA VER. É UMA PENA, POIS SEUS FILMES "QUE TEM CENAS DE AÇÃO", JÁ SÃO MAIS QUE SUFICIENTES PARA DEMONSTRAR SEU VERSÁTIL TALENTO, SEJA COMO O AUDAZ PISTOLEIRO DE "SETE HOMENS E UM DESTINO", O PROVOCADOR E INDOMÁVEL CAPITÃO DE "FUGINDO DO INFERNO", O OBSESSIVAMENTE VINGATIVO "NEVADA SMITH", O INTEGRO E IMPLACÁVEL POLICIAL "BULLIT", O AMARGAMENTE SONHADOR "PAPILLON", ENTRE OUTROS. SÓ QUE MUITOS PREFEREM ENXERGAR SÓ A SUPERFÍCIE DE ALGO. PENA.ABRAÇO.

    ROBSON

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