20 de julho de 2014

UM DE NÓS MORRERÁ (The Left Handed Gun) - UM BILLY THE KID REBELDE SEM CAUSA


Foto feita durante as filmagens de "Ben-Hur",
vendo-se William Wyler, o roteirista
Christopher  Fry, Gore Vidal e Charlton
Heston com a túnica de Judah Ben-Hur.
Aos 23 anos de idade, em 1948, o escritor norte-americano Gore Vidal chocou os Estados Unidos com seu romance “The City and the Pilar” no qual os personagens principais são homossexuais. O jornal ‘The New York Times’ simplesmente se recusou a resenhar esse e outros livros de Vidal, o que não impediu que seu talento fosse reconhecido, mesmo tocando sempre no tema tabu da homossexualidade. Gore Vidal escrevia não só romances mas também peças de teatro e teleplays que eram histórias escritas especialmente para serem encenadas na televisão. Em 1958 Vidal foi contratado como roteirista pela Metro-Goldwyn-Mayer e criou enorme polêmica quando trabalhando no roteiro de “Ben-Hur”, enfatizou uma latente relação homossexual entre Ben-Hur e Messala. A MGM alterou o texto para evitar que seu épico sofresse algum tipo de campanha negativa. Certa ocasião Gore Vidal assistiu a um balé inspirado na vida de Billy the Kid e ficou encantado com o que viu, escrevendo em seguida a sua versão da história do jovem assassino, para ser encenada no The Philco Television Playhouse. A peça chamou-se “The Death of Billy the Kid” e Vidal sonhava com James Dean como protagonista. Dean, porém, estava preso às filmagens de “Assim Caminha a Humanidade” que se prolongaram acima do esperado e Paul Newman foi então convidado para substituir James Dean. O teleteatro “The Death of Billy the Kid”, com direção de Robert Mulligan, foi ao ar na noite de 24 de julho de 1955, obtendo êxito de público. Por ser exibida na televisão William Bonney não foi mostrado como homossexual conforme Vidal deixara evidente em seu texto. Em 1957 a Warner Bros. adquiriu os direitos de “The Death of Billy the Kid” escalando o roteirista Leslie Stevens para reescrever a peça de Gore Vidal. O western baseado no teleplay foi intitulado “The Left Handed Gun” (O Pistoleiro Canhoto), recebendo o título nacional de “Um de Nós Morrerá”.


Paul Newman
A vingança de Billy the Kid - Arthur Penn, bastante respeitado por seus trabalhos como diretor de teleteatros na televisão norte-americana estreou no cinema dirigindo “Um de Nós Morrerá”. Essa versão da história de Billy the Kid (William Bonney) se inicia com Billy como um cowboy que passa a trabalhar para Tunstall (Colin Keith-Johnston), um inglês criador de gado no Condado de Lincoln, no Novo México. Há uma guerra entre grupos de criadores rivais e Tunstall é emboscado e morto por quatro homens. Billy descobre quem são os assassinos de seu patrão e juntamente com os amigos Tom (James Best) e Charlie (James Congdon) decide vingar a morte de Tunstall. Kid executa dois dos assassinos. Perseguido Billy escapa com queimaduras de uma casa incediada e se refugia na cidade de Madero juntamente com seus dois amigos. O governador do Novo México decreta anistia para os que participaram da ‘Guerra do Condado de Lincoln’. Mesmo assim Billy the Kid quer completar a vingança e comete novo crime de morte. Seu amigo Pat Garrett (John Dehner) se torna xerife do Condado de Lincoln e passa a procurar Billy e seus companheiros que fogem e são caçados por Garrett e um grupo de delegados. Billy retorna a Madero onde é ajudado pelo mexicano Saval (Martin Garralaga) e por sua esposa Celsa (Lita Milan), com quem acaba se envolvendo amorosamente. Celsa ajuda Billy a se esconder de Garrett, mas Billy é descoberto por Moultrie (Hurd Hatfield), escritor que publicava histórias dos crimes de Billy Bonney. Moultrie denuncia a Garrett onde Billy se encontra escondido, o xerife dá voz de prisão a Billy que simula reagir, mesmo estando desarmado. Garrett dispara e mata o ex-amigo, finalizando sua vida de crimes.

Alegre diálogo entre Pat Garrett
e Billy the Kid.
Nuances de homossexualidade - O roteiro de Leslie Stevens apresenta William Bonney como um jovem inquieto e revoltado. Esse Billy the Kid guarda semelhanças com os personagens interpretados por James Dean nos três filmes que Dean estrelou antes de falecer e ainda com o motociclista Johnny (Marlon Brando) de “O Selvagem”, todos jovens problemáticos. Os anos 50 foram o berço dos rebeldes sem causa focalizados por Hollywod em dramas urbanos, ainda que a história de “Giant” se passe no Texas. Com “Um de Nós Morrerá” chegaria a vez do autêntico Velho Oeste acolher um jovem indomável e ainda obstinado pelo desejo de vingança. Com James Dean morto e Brando cuidando de seu próprio projeto no gênero western (“A Face Oculta”/One-Eyed Jacks), por sinal uma história parecida com a de “Um de Nós Morrerá”, só poderia ser Paul Newman o insubmisso Billy the Kid. Ao invés das nuances explícitas de homossexualidade contidas no texto original, o filme de Arthur Penn sugere a casualidade de Billy the Kid ter amigos mais velhos. Billy inicialmente adota o criador de gado inglês como amigo e posteriormente a amizade aparentemente filial se dá com Pat Garrett. Quando Billy pergunta a Garrett por que este se preocupa tanto com ele, a resposta de Garrett é: “Suponha que sou naturalmente brando de coração”. Um diálogo que possivelmente foi mantido do texto de Gore Vidal é quando Celsa fala a Billy para ele procurar uma mulher para se divertir dizendo: “Vai, Billy, não há nada de errado com você que uma moça não possa consertar”.

Billy the Kid admirando um revólver...

Billy the Kid assediando Celsa.
Revisionismo incompleto - Alterar a personalidade de Billy the Kid, evitando os aspectos de sexualidade criados por Gore Vidal poderia resultar num bom faroeste, o que afinal não ocorre. “Um de Nós Morrerá” é um filme confuso com delineamento superficial da relação do jovem assassino com Pat Garrett. Este teve um passado obscuro, tendo de se esconder por muitos anos, mas se casa e se torna homem da lei. O fato de ter sido fora-da-lei é a explicação, no filme, para que compreenda os conflitos de Billy. Menos feliz ainda é o caso que Billy tem com Celsa, a esposa do mexicano Saval que o conhece (de quando e onde o filme não diz) e o abriga por duas vezes quando ferido. Repentinamente Billy decide que quer possuir Celsa e as palavras nada românticas que o iliterato assassino pronuncia são: “Com você, com você, com você, com você...”, após o que a mexicana se entrega a ele. A sequência final é também inconsequente com Billy querendo ser morto por Saval e enganando Garrett que não percebe que ele está desarmado e dispara contra Billy. Um perfeito suicídio. Um personagem-chave de “Um de Nós Morrerá” é o escritor que cria a lenda sobre Billy the Kid fazendo dele um corajoso e temido pistoleiro. O Leste devora as histórias escritas por Moultrie falando das proezas do jovem William Bonney, um verdadeiro ídolo seu. E o mundo de Moultrie desaba ao descobrir que Billy é humano, possui consciência, ainda que proceda como um homicida idiotizado. O revisionismo do filme de Arthur Penn deveria mostrar o escritor menos idealista, o que soa inevitavelmente piegas.

A morte do desarmado Billy the Kid.

Paul Newman à beira dos histrionismo.
Pistoleiro irritante - Arthur Penn viria a se tornar um importante diretor com alguns de seus futuros filmes, especialmente sua obra-prima “Uma Rajada de Balas” (Bonnie and Clyde). Em “Um de Nós Morrerá”, porém, Penn prima por uma direção de atores bastante teatral, fruto dos anos de trabalho dirigindo teleteatros que nada mais eram que teatros televisados, isto até o aperfeiçoamento do vídeo-tape que passou a ser usado em 1956. Com o vídeo-tape as produções para a televisão se aproximaram mais do cinema. E para comprometer ainda mais o trabalho de Penn, Paul Newman fez o que quis diante das câmaras, não contido pelo diretor e exagerando nos maneirismos típicos do ‘Method’ (de interpretar) aprendido no Actors Studio. Newman compõe o pistoleiro mais irritante do cinema numa interpretação que nem mesmo Marlon Brando em seus mais exagerados trabalhos seria capaz de sobrepujar. Fica a impressão que Newman queria provar que podia ser mais James Dean que o próprio Dean, já transformado em mito do cinema em 1958, três anos após sua morte. Em meio a tantos senões o talento de Arthur Penn pode ser percebido especialmente em quatro sequências de mortes: a morte do guarda que toma conta do prisioneiro Billy the Kid e é alvejado por este; o xerife Moon (Wally Brown) que quando morto por Billy esmaga seu rosto contra o vidro de uma janela; a morte de Ollinger (Denver Pyle), provavelmente a primeira vez que se usou o processo de slow-motion num faroeste; e a morte do próprio Billy, final de uma primorosa sequência que são os cinco minutos derradeiros do filme.

A morte do personagem de Denver Pyle em câmara lenta em 1958.

James Best só e com Paul Newman.
Destaque para James Best - A descoberta da traição da esposa por parte de Saval é um momento magnífico, mais ainda por conter o subtexto de Celsa nada sentir por Billy, que não teria sido o homem que ela imaginava. Segue-se o arrependimento de Billy e sua conscientização que é uma criatura quase abjeta. O preto e branco da filmagem reforça o clima trágico do final de “Um de Nós Morrerá” ainda que não salve o western de Penn tão eivado de lapsos do roteiro e indefinição de onde o filme quer chegar. James Best é a melhor presença do filme, livre desta vez de seus tiques interpretativos e mostrando que poderia ser melhor aproveitado como ator sério, ele que fazia a América rir toda semana como o atrapalhado xerife Roscoe P. Coltrane na série “The Dukes of Hazzard”. Denver Pyle (Uncle Jesse Duke dessa mesma série), que viria a ser o xerife que sofre bullying por parte de Bonnie e Clyde num excepcional momento de “Uma Rajada de Balas”, participa pouco em “Um de Nós Morrerá”. John Dehner está nos limites de sua limitada capacidade interpretativa e Hurd Hatfield cansa o espectador a cada vez que entra em cena. A bela Lita Milan está bem neste que foi um de seus últimos trabalhos como atriz antes de abandonar a carreira para se casar com o filho do ditador Trujillo, da República Dominicana. John Dierkes realça qualquer personagem que intérprete, no caso McSween. E merece ser lembrado Martin Garralaga como o amigo traído de Billy the Kid.

Martin Garralaga, Lita Milan e Paul Newman.



Kris Kristofferson em "Pat Garrett and
Billy the Kid" repetindo o gesto de
Paul Newman (Cristo?).
Psicologismo no faroeste – O título original do filme – “The Left Handed Gun” – é um clamoroso erro histórico pois provou-se que William Bonney era destro. A única foto existente de Billy the Kid foi revelada invertida, com seu coldre à esquerda, o que, por muitos anos levou a supor que ele fosse canhoto. Billy the Kid foi finalmente desmitologizado em “Um de Nós Morrerá” e esse é o aspecto mais positivo do filme de Penn que tem a seu favor a admiração de Sam peckinpah que fez a releitura de algumas sequências do filme de Arthur Penn no seu brilhante “Pat Garrett and Billy the Kid”. A fuga da cadeia com Billy assassinando dois guardas foi praticamente refilmada por Peckinpah, idêntica à encenada por Penn em seu primeiro faroeste. Psicologismo em westerns só funciona quando inserido naturalmente, o que não ocorreu em “Um de Nós Morrerá”, provando que fazer de um faroeste um campo de estudo freudiano dificilmente dará bom resultado.
À direita fotos de "Pat Garrett and Bily the Kid", de Sam Peckinpah;
à direita as mesmas cenas filmadas 15 anos antes por Arthur Penn.
Até a bota fora do pé e as crianças observando fazem parte da cena final.

Paul Newman dá as instruções de filmagem sob o olhar resignado de
Arthur Penn (de branco). Ao lado de Newman o ator inglês Colin-Keith

Johnston e ao fundo, próximo à cãmara, John Dierkes.


Paul Newman, Nestor Paiva e Hurd Hatfield, que interpreta o escritor.

Pôsteres de vários países de "Um de Nós Morrerá".


Reprodução do texto publicado na página 25 da revista 'Variety' de
27/7/1955 comentando a exibição do teleplay "The Death of Billy the Kid";
à direita Gore Vidal quando jovem e muitas décadas depois.

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