13 de março de 2014

...E O BRAVO FICOU SÓ (WILL PENNY) – CHARLTON HESTON, INESQUECÍVEL COWBOY


Nenhum outro ator viveu no cinema tantos importantes personagens da História Universal como Charlton Heston. Invariavelmente com excelentes interpretações Heston foi Moisés, Ben-Hur, El Cid, Michelangelo, João Batista, Marco Antônio, Cardeal Richelieu, Brigham Young, Andrew Jackson e Buffalo Bill Cody, este naturalmente num western. Longe das figuras míticas e ainda num faroeste, Heston foi o protagonista de “Major Dundee”, o mutilado filme de Sam Peckinpah. Perguntado, no entanto, qual o personagem que mais gostou de interpretar, Charlton Heston respondeu sem hesitar: “Will Penny!”

De astronauta a cowboy - “Will Penny”, que no Brasil se chamou “...E o Bravo Ficou Só”, foi escrito por Tom Gries, autor de inúmeros roteiros para séries westerns clássicas da televisão. Um desses roteiros intitulou-se “Line Camp”, episódio da série “The Westerner”, criada por Sam Peckinpah, episódio que foi dirigido pelo próprio Tom Gries em 1960, então se iniciando como diretor. Quando a Paramount Pictures decidiu filmar a história “Line Camp”, Gries informou ao estúdio que só cederia os direitos cinematográficos se ele mesmo a dirigisse. Em 1968, aos 46 anos de idade, Tom Gries era um experiente diretor de filmes para a televisão, mas para o cinema havia dirigido somente quatro obscuros filmes ‘B’. Porém como a Paramount não iria investir muito dinheiro na produção desse western (orçado em um milhão e quatrocentos mil dólares), acabou concordando que Tom Gries reescrevesse o roteiro para o cinema e dirigisse o filme intitulado “Will Penny”. Charlton Heston foi escolhido como protagonista e Eva Marie Saint teria o principal papel feminino. No entanto Eva Marie recusou a oferta que recaiu então sobre Lee Remick que, igualmente, não quis atuar no western dirigido por Gries. Foi então chamada Joan Hackett, atriz de TV com um único trabalho no cinema, no filme “O Grupo” de 1966. Heston havia acabado de filmar “O Planeta dos Macacos” e de astronauta o ator passou a cowboy. E que cowboy!


Charlton Heston e Lee Majors;
abaixo a faca cravada no peito.
Ódio, vingança e amor impossível - Will Penny (Charlton Heston) tem quase 50 anos e os cowboys mais jovens gostam de menosprezá-lo por sua idade e por ser o veterano do grupo que concluiu mais uma cansativa condução de rebanho. Findo esse trabalho os cowboys se separam e fazem planos para o futuro. Blue (Lee Majors) e Dutchy (Anthony Zerbe) caçam um alce e são ameaçados por um estranho chamado Quint (Donald Pleasence) e por seus três filhos. Quint se diz pregador da Bíblia e vê seu filho Romulus ser alvejado e morto por um tiro disparado por Will Penny que chegou inesperadamente em socorro dos dois companheiros cowboys. Quint jura vingança. Will Penny consegue emprego com o fazendeiro Alex (Ben Johnson). Quint persegue Penny até emboscá-lo e, com a ajuda de Rafe Quint (Bruce Dern) e Rufus Quint (Gene Rutherford), crava uma faca no peito de Penny que é deixado pelos Quints para morrer. Will Penny consegue se arrastar até uma cabana onde estão Catherine Allen (Joan Hackett) e seu filho Horace (Jon Gries). Catherine saiu de Ohio e pretende chegar ao Oregon onde deverá encontrar o marido que lá está. A mulher se condói da situação de Penny e o ajuda a se recuperar do grave ferimento. Penny e Catherine se apaixonam e a relação entre eles é bruscamente interrompida na noite de Natal com a invasão da cabana por parte de Quint, Rafe e Rufus. Quando tudo parece perdido para Will Penny, seus amigos Blue e Dutchy ressurgem e o ajudam a exterminar os Quints. Ao final Will Penny parte solitariamente contrariando o desejo de Catherine e Horace que querem que Penny permaneça com eles.

O psicótico 'pregador'; Reis Magos do inferno.

Will Penny aplica uma surra de frigideira
num cowbo
y provocador (Roy Jenson);
abaixo Slim Pickens.
Preservação das mãos para o trabalho - “...E o Bravo Ficou Só” é dividido em duas partes bastante distintas. De início remetendo a “Rio Vermelho” (Red River) e aos posteriores igualmente clássicos “Os Pistoleiros do Oeste” (Lonesome Dove) e “Pacto de Justiça” (Open Range) pois a história mostra a dura lida dos cowboys enfrentando sol, chuva, frio em suas acidentadas vidas. Uma perna quebrada numa queda de cavalo e a possível forçada aposentadoria não é motivo para que alguém desista da profissão, até porque não há muito mais o que fazer para quem vive naquela parte do Velho Oeste. E para Will Penny a rotina é ainda pior pois ele tem que provar a todo momento que o peso dos anos não o inferiorizam diante de alguns debochados vaqueiros mais jovens. Penny engole as humilhações pois entende que a prioridade é concluir o trabalho de conduzir o rebanho. Finda a longa jornada o acampamento é palco de uma luta em que Penny demonstra sua experiência ao abater um provocador sem fazer uso das mãos. Estas, lembra o cozinheiro Ike (Slim Pickens) precisam ser preservadas para o trabalho com o gado, afirmando que “Se Deus quisesse que os homens brigassem como cães teria nos dado dentes e garras”. Após o fim da jornada os sonhos e ambições de cada um dos cowboys mostram que eles são humanos, apesar de um deles ter dito que só é cowboy “para poder maltratar as reses”. O encontro do fanático pregador Quint e seus três filhos com alguns dos cowboys é um acidente que ocorre na pradaria mas poderia ocorrer também no saloon onde os cowboys gastariam com jogo e mulheres o ganho da extenuante labuta. Azar de Dutchy que recebe um tiro na barriga e azar ainda maior de Will Penny que ganha a ira do psicótico pregador. Este é o Velho Oeste e esses são alguns de seus personagens.

Cowboy com linha e agulha costurando as meias rotas;
a nobreza de um simples cowboy.

Heston e Joan Hackett
Velho demais para amar - A segunda parte de “...E o Bravo Ficou Só” apresenta o inusitado e pouco convincente encontro do velho cowboy com uma mulher. Através do contato forçado com Catherine Allen, Will Penny descobre que sua higiene pessoal é praticamente ignorada. Descobre ainda um tipo de sentimento desconhecido para ele que como todo cowboy se acostumou a desfrutar efemeramente do corpo de uma prostituta. Catherine é quase um anjo de pureza e bondade e por sua vez vê que aquele homem sujo e analfabeto é digno e corajoso a ponto de se apaixonar por ele. A esta altura a história deixa de ser sobre cowboys e passa a ser uma história de amor que cresce a cada gesto e palavra de Will e Catherine. Histórias de amor, no entanto, nem sempre têm final feliz e a relação é ameaçada pelos Quints que ressurgem. O casal encontra um obstáculo intransponível que é a consciência do velho cowboy. Penny sabe que não é o homem que Catherine precisa e merece e argumenta com a dificuldade financeira que se prenunciará inevitavelmente. Mas sua nobreza de caráter impede que ela se entregue a alguém como ele cujo futuro é não só incerto mas e principalmente curto diante da grande diferença de idade.

A triste partida - De inequívoca obra-prima que “...E o Bravo Ficou Só” se desenha em sua primeira metade, o filme de Tom Gries decresce justamente em sua parte mais tocante. E isso se deve à inconvincente presença de Catherine, tão bonita e suave e perdida com seu filho numa região onde o respeito perde longe para a falta de escrúpulos. E sequer viúva Catherine é, uma vez que o marido a espera no Oregon. A poética história de amor não se sustenta e o final triste foi uma solução perfeita para a irrealidade vivida por Penny e Catherine. A partida de Will Penny lembra o final de “Os Brutos Também Amam” (Shane), com a diferença que neste o amor tem o obstáculo do adultério e no western de Tom Gries o peso dos anos de Penny e mais sua honradez falam mais forte que a paixão e o desejo manifestado na convivência durante o inverno.

A triste partida sem gritos que ecoem pelo vale.

Donald Pleasence
Pleasence e Hackett: desperdício de bons papéis - Embora contenha bons momentos de ação, “...E o Bravo Ficou Só” é um filme que se desenvolve lentamente. A bestialidade da família Quint é claramente inspirada nos Cleggs de “Caravana de Bravos”, o precioso pequeno western de John Ford. Gries adicionou ao personagem Quint uma mescla dos muitos fanáticos religiosos vistos em faroestes, alguns deles interpretados por R.G. Armstrong, com raízes no ‘Abe Kelsey’ criado por Joseph Wiseman em “O Passado Não Perdoa” (The Unforgiven), de John Huston. Uma pena que Donald Pleasence exagere na composição de seu personagem e mais ainda que Bruce Dern em início de carreira não tenha sido melhor aproveitado como tipo animalesco e selvagem que ele sabe criar. Joan Hackett, por sua vez, se torna cansativa gaguejando demais e pondo a perder um excelente papel feminino que bem poderia ter sido de Verna Bloom, por exemplo. Verna, a brilhante atriz de “Pistoleiro Sem Destino” (The Hired Hand) formaria, sem dúvida, um par mais harmonioso com Charlton Heston.

William Schallert ao lado do casal
Charlton Heston e Lydia Clark.
Na galeria dos grandes personagens - O excelente elenco de “...E o Bravo Ficou Só” traz ainda Lee Majors anunciado como sendo este seu primeiro filme; os ótimos atores e excepcionais cavaleiros Ben Johnson (discreto) e Slim Pickens (lembrando Walter Brennan); Anthony Zerbe em uma das melhores sequências do filme quando vê sua vida se esvaindo devido ao ferimento; Roy Jenson, Matt Clark e Luke Askew (o hippie de “Easy Rider”) pouco aparecem. Lydia Clark contracena rapidamente com o marido Charlton Heston e o menino Horace é interpretado por Jon Gries, filho do diretor. O grande destaque do filme fica para Charlton Heston, simplesmente perfeito como Will Penny, fazendo com que os muitos que o consideram canastrão repensem esse injusto julgamento. Autêntico como cowboy e com a reconhecida dignidade que lhe rendeu interpretar grandes figuras, Heston fez com que Will Penny entrasse para a seleta galeria dos personagens inesquecíveis dos faroestes ao lado de Ethan Edwards e Thomas Dunson (John Wayne), Will Kane (Gary Cooper) e o Wyatt Earp de Henry Fonda.

O bullying e o velho cowboy.

Charlton Heston
Mau gosto musical - “...E o Bravo Ficou Só” é bastante violento em algumas sequências pois foi rodado num tempo em que o cinema norte-americano se preparava para a explosão de violência que ocorreria com “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch). O filme de Tom Gries teve como diretor de fotografia o mesmo Lucien Ballard da obra-prima de Sam Peckinpah. A câmara de Ballard capturou imagens belíssimas que em muito ajudaram o tom elegíaco da história de Will Penny. Por outro lado a música de David Raksin em raros momentos lembra as trilhas de Jerry Fielding, descambando infelizmente para uma pretensiosa modernidade descabida num faroeste. E a canção que acompanha os letreiros finais é um verdadeiro exemplo de deslocado mau gosto com Don Cherry (um sub-Tom Jones) cantando “The Lonely Rider” composta pelo próprio David Raksin. Fracasso de bilheteria lançado uma semana depois do estrondoso sucesso que foi “O Planeta dos Macacos” estrelado também por Heston, “...E o Bravo Ficou Só” foi excepcionalmente bem aceito pela crítica. Para muitos um filme admirável e clássico do faroeste, “...E o Bravo Ficou Só” é um filme que merece ser assistido mais que tudo pela performance de Charlton Heston que não sem razão considera esta a interpretação da sua vida. E Heston não está só nessa opinião.

Acima Bruce Dern; abaixo Lee Majors.

Oito ou nove banhos por ano, se encontrar um rio...

Decisão difícil mas realista e sincera de Will Penny.


Pôsteres alemão, espanhol e francês de "Will Penny".


2 comentários:

  1. Charlton Heston Sucesso garantido em tudo que faz , entre seus filmes que por sinal são muitos e bons um que gostei muito foi BEN HUR : Charlton Heston arrasou !!!
    Abraços

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