Nenhum outro
ator viveu no cinema tantos importantes personagens da História Universal como
Charlton Heston. Invariavelmente com excelentes interpretações Heston foi
Moisés, Ben-Hur, El Cid, Michelangelo, João Batista, Marco Antônio, Cardeal
Richelieu, Brigham Young, Andrew Jackson e Buffalo Bill Cody, este naturalmente
num western. Longe das figuras míticas e ainda num faroeste, Heston foi o
protagonista de “Major Dundee”, o mutilado filme de Sam Peckinpah. Perguntado,
no entanto, qual o personagem que mais gostou de interpretar, Charlton Heston
respondeu sem hesitar: “Will Penny!”
De astronauta a cowboy - “Will
Penny”, que no Brasil se chamou “...E o Bravo Ficou Só”, foi escrito por Tom
Gries, autor de inúmeros roteiros para séries westerns clássicas da televisão.
Um desses roteiros intitulou-se “Line Camp”, episódio da série “The Westerner”,
criada por Sam Peckinpah, episódio que foi dirigido pelo próprio Tom Gries em 1960,
então se iniciando como diretor. Quando a Paramount Pictures decidiu filmar a
história “Line Camp”, Gries informou ao estúdio que só cederia os direitos cinematográficos se ele mesmo a
dirigisse. Em 1968, aos 46 anos de idade, Tom Gries era um experiente diretor de
filmes para a televisão, mas para o cinema havia dirigido somente quatro
obscuros filmes ‘B’. Porém como a Paramount não iria investir muito dinheiro na
produção desse western (orçado em um milhão e quatrocentos mil dólares), acabou concordando que Tom Gries reescrevesse o roteiro
para o cinema e dirigisse o filme intitulado “Will Penny”. Charlton Heston foi
escolhido como protagonista e Eva Marie Saint teria o principal papel feminino.
No entanto Eva Marie recusou a oferta que recaiu então sobre Lee Remick que,
igualmente, não quis atuar no western dirigido por Gries. Foi então chamada
Joan Hackett, atriz de TV com um único trabalho no cinema, no filme “O Grupo”
de 1966. Heston havia acabado de filmar “O Planeta dos Macacos” e de astronauta
o ator passou a cowboy. E que cowboy!
Charlton Heston e Lee Majors; abaixo a faca cravada no peito. |
Ódio, vingança e amor impossível - Will
Penny (Charlton Heston) tem quase 50 anos e os cowboys mais jovens gostam de
menosprezá-lo por sua idade e por ser o veterano do grupo que concluiu mais uma
cansativa condução de rebanho. Findo esse trabalho os cowboys se separam e fazem
planos para o futuro. Blue (Lee Majors) e Dutchy (Anthony Zerbe) caçam
um alce e são ameaçados por um estranho chamado Quint (Donald Pleasence) e por seus três filhos. Quint
se diz pregador da Bíblia e vê seu filho Romulus ser alvejado e morto por um
tiro disparado por Will Penny que chegou inesperadamente em socorro dos dois companheiros
cowboys. Quint jura vingança. Will Penny consegue emprego com o fazendeiro Alex
(Ben Johnson). Quint persegue Penny até emboscá-lo e, com a ajuda de Rafe Quint
(Bruce Dern) e Rufus Quint (Gene Rutherford), crava uma faca no peito de Penny
que é deixado pelos Quints para morrer. Will Penny consegue se arrastar até
uma cabana onde estão Catherine Allen (Joan Hackett) e seu filho Horace (Jon
Gries). Catherine saiu de Ohio e pretende chegar ao Oregon onde deverá
encontrar o marido que lá está. A mulher se condói da situação de Penny e o
ajuda a se recuperar do grave ferimento. Penny e Catherine se apaixonam e a
relação entre eles é bruscamente interrompida na noite de Natal com a invasão
da cabana por parte de Quint, Rafe e Rufus. Quando tudo parece perdido para
Will Penny, seus amigos Blue e Dutchy ressurgem e o ajudam a exterminar os
Quints. Ao final Will Penny parte solitariamente contrariando o desejo de
Catherine e Horace que querem que Penny permaneça com eles.
O psicótico 'pregador'; Reis Magos do inferno. |
Will Penny aplica uma surra de frigideira num cowboy provocador (Roy Jenson); abaixo Slim Pickens. |
Preservação das mãos para o trabalho - “...E o Bravo Ficou
Só” é dividido em duas partes bastante distintas. De início remetendo a “Rio
Vermelho” (Red River) e aos posteriores igualmente clássicos “Os Pistoleiros do
Oeste” (Lonesome Dove) e “Pacto de Justiça” (Open Range) pois a história mostra
a dura lida dos cowboys enfrentando sol, chuva, frio em suas acidentadas vidas. Uma
perna quebrada numa queda de cavalo e a possível forçada aposentadoria não é
motivo para que alguém desista da profissão, até porque não há muito mais o
que fazer para quem vive naquela parte do Velho Oeste. E para Will Penny a
rotina é ainda pior pois ele tem que provar a todo momento que o peso dos anos
não o inferiorizam diante de alguns debochados vaqueiros mais jovens. Penny
engole as humilhações pois entende que a prioridade é concluir o trabalho de
conduzir o rebanho. Finda a longa jornada o acampamento é palco de uma luta em
que Penny demonstra sua experiência ao abater um provocador sem fazer uso das
mãos. Estas, lembra o cozinheiro Ike (Slim Pickens) precisam ser preservadas
para o trabalho com o gado, afirmando que “Se
Deus quisesse que os homens brigassem como cães teria nos dado dentes e garras”.
Após o fim da jornada os sonhos e ambições de cada um dos cowboys mostram que
eles são humanos, apesar de um deles ter dito que só é cowboy “para poder maltratar as reses”. O
encontro do fanático pregador Quint e seus três filhos com alguns dos cowboys é
um acidente que ocorre na pradaria mas poderia ocorrer também no saloon onde os
cowboys gastariam com jogo e mulheres o ganho da extenuante labuta. Azar de Dutchy
que recebe um tiro na barriga e azar ainda maior de Will Penny que ganha a ira
do psicótico pregador. Este é o Velho Oeste e esses são alguns de seus
personagens.
Cowboy com linha e agulha costurando as meias rotas; a nobreza de um simples cowboy. |
Heston e Joan Hackett |
Velho demais para amar - A segunda
parte de “...E o Bravo Ficou Só” apresenta o inusitado e pouco convincente
encontro do velho cowboy com uma mulher. Através do contato forçado com
Catherine Allen, Will Penny descobre que sua higiene pessoal é praticamente
ignorada. Descobre ainda um tipo de sentimento desconhecido para ele que como
todo cowboy se acostumou a desfrutar efemeramente do corpo de uma prostituta.
Catherine é quase um anjo de pureza e bondade e por sua vez vê que aquele homem
sujo e analfabeto é digno e corajoso a ponto de se apaixonar por ele. A esta
altura a história deixa de ser sobre cowboys e passa a ser uma história de amor
que cresce a cada gesto e palavra de Will e Catherine. Histórias de amor, no
entanto, nem sempre têm final feliz e a relação é ameaçada pelos Quints que
ressurgem. O casal encontra um obstáculo intransponível que é a consciência do
velho cowboy. Penny sabe que não é o homem que Catherine precisa e merece e
argumenta com a dificuldade financeira que se prenunciará inevitavelmente. Mas
sua nobreza de caráter impede que ela se entregue a alguém como ele cujo futuro
é não só incerto mas e principalmente curto diante da grande diferença de
idade.
A triste partida - De
inequívoca obra-prima que “...E o Bravo Ficou Só” se desenha em sua primeira
metade, o filme de Tom Gries decresce justamente em sua parte mais tocante. E
isso se deve à inconvincente presença de Catherine, tão bonita e suave e
perdida com seu filho numa região onde o respeito perde longe para a falta de
escrúpulos. E sequer viúva Catherine é, uma vez que o marido a espera no
Oregon. A poética história de amor não se sustenta e o final triste foi uma
solução perfeita para a irrealidade vivida por Penny e Catherine. A partida de
Will Penny lembra o final de “Os Brutos Também Amam” (Shane), com a diferença
que neste o amor tem o obstáculo do adultério e no western de Tom Gries o peso
dos anos de Penny e mais sua honradez falam mais forte que a paixão e o desejo
manifestado na convivência durante o inverno.
A triste partida sem gritos que ecoem pelo vale. |
Donald Pleasence |
Pleasence e Hackett: desperdício de bons papéis - Embora
contenha bons momentos de ação, “...E o Bravo Ficou Só” é um filme que se
desenvolve lentamente. A bestialidade da família Quint é claramente inspirada
nos Cleggs de “Caravana de Bravos”, o precioso pequeno western de John Ford. Gries
adicionou ao personagem Quint uma mescla dos muitos fanáticos religiosos vistos
em faroestes, alguns deles interpretados por R.G. Armstrong, com raízes no ‘Abe
Kelsey’ criado por Joseph Wiseman em “O Passado Não Perdoa” (The Unforgiven),
de John Huston. Uma pena que Donald Pleasence exagere na composição de seu
personagem e mais ainda que Bruce Dern em início de carreira não tenha sido
melhor aproveitado como tipo animalesco e selvagem que ele sabe criar. Joan
Hackett, por sua vez, se torna cansativa gaguejando demais e pondo a perder um
excelente papel feminino que bem poderia ter sido de Verna Bloom, por exemplo.
Verna, a brilhante atriz de “Pistoleiro Sem Destino” (The Hired Hand) formaria,
sem dúvida, um par mais harmonioso com Charlton Heston.
William Schallert ao lado do casal Charlton Heston e Lydia Clark. |
Na galeria dos grandes personagens - O
excelente elenco de “...E o Bravo Ficou Só” traz ainda Lee Majors anunciado
como sendo este seu primeiro filme; os ótimos atores e excepcionais cavaleiros
Ben Johnson (discreto) e Slim Pickens (lembrando Walter Brennan); Anthony Zerbe
em uma das melhores sequências do filme quando vê sua vida se esvaindo devido
ao ferimento; Roy Jenson, Matt Clark e Luke Askew (o hippie de “Easy Rider”) pouco
aparecem. Lydia Clark contracena rapidamente com o marido Charlton Heston e o
menino Horace é interpretado por Jon Gries, filho do diretor. O grande destaque
do filme fica para Charlton Heston, simplesmente perfeito como Will Penny,
fazendo com que os muitos que o consideram canastrão repensem esse injusto julgamento.
Autêntico como cowboy e com a reconhecida dignidade que lhe rendeu interpretar
grandes figuras, Heston fez com que Will Penny entrasse para a seleta galeria
dos personagens inesquecíveis dos faroestes ao lado de Ethan Edwards e Thomas
Dunson (John Wayne), Will Kane (Gary Cooper) e o Wyatt Earp de Henry Fonda.
O bullying e o velho cowboy. |
Charlton Heston |
Mau gosto musical - “...E o
Bravo Ficou Só” é bastante violento em algumas sequências pois foi rodado num
tempo em que o cinema norte-americano se preparava para a explosão de violência
que ocorreria com “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch). O filme de Tom
Gries teve como diretor de fotografia o mesmo Lucien Ballard da obra-prima de
Sam Peckinpah. A câmara de Ballard capturou imagens belíssimas que em muito
ajudaram o tom elegíaco da história de Will Penny. Por outro lado a música de
David Raksin em raros momentos lembra as trilhas de Jerry Fielding, descambando
infelizmente para uma pretensiosa modernidade descabida num faroeste. E a
canção que acompanha os letreiros finais é um verdadeiro exemplo de deslocado mau
gosto com Don Cherry (um sub-Tom Jones) cantando “The Lonely Rider” composta
pelo próprio David Raksin. Fracasso de bilheteria lançado uma semana depois do
estrondoso sucesso que foi “O Planeta dos Macacos” estrelado também por Heston,
“...E o Bravo Ficou Só” foi excepcionalmente bem aceito pela crítica. Para
muitos um filme admirável e clássico do faroeste, “...E o Bravo Ficou Só” é um
filme que merece ser assistido mais que tudo pela performance de Charlton
Heston que não sem razão considera esta a interpretação da sua vida. E Heston
não está só nessa opinião.
Acima Bruce Dern; abaixo Lee Majors. |
Oito ou nove banhos por ano, se encontrar um rio... |
Decisão difícil mas realista e sincera de Will Penny. |
Pôsteres alemão, espanhol e francês de "Will Penny". |
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCharlton Heston Sucesso garantido em tudo que faz , entre seus filmes que por sinal são muitos e bons um que gostei muito foi BEN HUR : Charlton Heston arrasou !!!
ResponderExcluirAbraços