Ibitinga, situada a 360 km de São
Paulo, é conhecida como ‘A Capital dos
Bordados’ e foi uma das primeiras cidades do interior paulista a ganhar
um cinema de categoria, o Cine-Theatro Rio Branco. Inaugurado em 1920, sua
arquitetura, como era o estilo da época, incluía camarotes ocupados pelas
famílias mais importantes da cidade. Mais que um simples cinema o Rio Branco foi também palco
de encenações teatrais, antes de se definir como a principal sala exibidora de
Ibitinga e cidades vizinhas. Os proprietários eram os irmãos Oreste e Olívio
Russi, grandes amigos do Sr. Luiz Galli, proprietário da ‘Alfaiataria
Galli’. Companheiros de pescarias, Luiz Galli era tão querido pelos irmãos
Russi que possuía até um camarote exclusivo no Cine Rio Branco. E nesse
camarote foi que o menino Duílio Galli assistiu aos primeiros filmes de sua
vida, sucessos como “Gunga Din”, “A Ponte de Waterloo”, “Suez”, “Maria
Antonieta” e o filme que mais o impressionou, que foi “Tempos Modernos”. Outro
filme que jamais saiu da memória de Duílio foi “No Tempo das Diligências”, um
de seus faroestes preferidos e mais ainda por ter sido visto pela primeira vez
no Cine Rio Branco.
Assistindo
“A Deusa de Joba” de camarote - Duílio ia praticamente todas as
noites ao Cine Rio Branco uma vez que não pagava entrada e sentava-se no
camarote dos Galli, de onde tinha visão privilegiada da tela sem que nenhuma
cabeça mais alta o atrapalhasse. Sem esconder uma ponta de inveja seus amiguinhos diziam que aquele privilégio
se devia ao fato de o pai de Duílio fazer ternos de graça para os donos do
cinema. Mas as sessões que Duílio mais gostava eram mesmo as matinês que sempre
exibiam os trepidantes faroestes acompanhados por um eletrizante seriado. Como a
molecada torcia freneticamente durante a projeção batendo mãos e pés, levantando-se
e impedindo até que fosse visto o final do filme, Duílio preferia mesmo o
conforto do camarote onde vibrava tanto ou mais que a turma da plateia. Entre
os 'far-wests' que a garotada mais apreciava estavam aqueles com Durango Kid, o
mocinho mascarado interpretado por Charles Starrett. E entre os muitos seriados
que Duílio assistiu um deles o marcou para sempre: “A Deusa de Joba” (Darkest
Africa), de 1936. Esse foi o primeiro seriado produzido pela Republic Pictures,
companhia que realizaria nos próximos 20 anos os melhores filmes em capítulos
da história do cinema. O herói do filme era Clyde Beatty, o mais famoso domador
de leões dos circos norte-americanos e que após o seriado “A Deusa de Joba” se
tornou ídolo dos jovens espectadores.
O
imitador de Clyde Beatty - “A Deusa de Joba” impressionou tanto
o menino Duílio que ele decidiu montar seu próprio cirquinho e se transformar
num Clyde Beatty-mirim. Com canas de milho Duílio construiu uma jaula onde
colocava os animais que iria domar diante da plateia embevecida formada pelas crianças da vizinhança. De chicote em punho Duílio ‘lutava’ com seus cães rolando com eles
pelo chão e não raro machucando as mandíbulas dos pobres animais ao tentar fazer com
eles o que Clyde Beatty fazia com os leões. Quando Duílio começava a montar seu circo os cachorros tratavam de se esconder para não serem 'domados'. Mas o pior mesmo foi quando ‘Duílio
Beatty’ se dispôs a domar um felino de verdade, um gato que morava nas
imediações de sua casa e que foi capturado para ser atração do cirquinho do
Duílio. Nesse dia a plateia estava formada por meninos e meninas esperando para ver Duílio
demonstrar sua habilidade e quando a jaula foi aberta eis que, inesperadamente,
o desesperado bichano salta direto no rosto do pequeno ‘domador’ cravando-lhe
as unhas nas faces. Os espectadores apavorados debandaram para suas casas
contando para as mães como terminara a sessão do circo naquela tarde, sessão
que foi a última da curta carreira de Duílio como imitador de Clyde Beatty.
Depois disso nenhuma mãe autorizou seus filhos a voltar a assistir ‘Duílio
Beatty’ domando nem mesmo se fossem pulgas.
Clyde Beatty domando um leão e influenciando o pequeno Duílio Galli. |
Duílio
Galli exibe seriado em Ibitinga - Mais de 50 anos depois, após se
tornar um dos pioneiros das provas de motociclismo no Brasil e rodar o mundo
como artista plástico de reconhecido e premiado talento, Duílio Galli voltou a
se encontrar com Clyde Beatty. Foi quando Duílio, ganhou de um amigo uma fita
VHS com os 15 capítulos de “A Deusa de Joba”. Tendo voltado a residir em
Ibitinga depois de morar por quatro décadas em São Paulo, Duílio avisou seus
amigos da cidade que todos os sábados à tarde iria exibir um capítulo de “A
Deusa de Joba”. Formou-se uma plateia composta por senhores quase todos já
passados dos 60 anos, entre eles alguns que haviam frequentado o cirquinho de Duilio e testemunhado suas 'proezas'.
Todos se emocionaram ao rever Clyde Beatty e o pequeno Baru (Manuel King), que
era apresentado no seriado como ‘O mais
jovem domador de animais selvagens do mundo’. Isto apesar do menino Manuel
King estar muitos quilos acima do peso de uma criança da sua idade. Mas era um
tempo em que ser gordo era ter saúde e Manuel King era também ídolo infantil da
criançada. O seriado “A Deusa de Joba” foi lançado posteriormente em DVD e é um
clássico que não pode faltar na coleção de nenhum cinéfilo.
Clyde Beatty e o robusto Manuel King (Baru). |
Saudade
do Cine Rio Branco - Em 1943 aconteceram duas coisas: a
família Galli se mudou para São Paulo e o Cine Rio Branco foi vendido para o
empresário do ramo de cinemas Ilydio Polachini, dono dos cinemas de Mirassol,
Tanabi, Buritama, Potirendaba, Cassilândia, Paranaíba, Auriflama, Palestina,
José Bonifácio, Ibirá e Cardoso. Escritor, pintor, gravador, escultor,
ex-campeão de motovelocidade, em 1974 Duílio Galli recebeu o título de Cidadão
Ibitinguense. Duílio foi por muito tempo colaborador do jornal “O Comércio”, editado em
Ibitinga e atualmente, aos 83 anos de idade, Duílio é repórter do
Complexo Centro Paulista de Radio e Televisão, cujo site é
portalternurafm.com.br. Duílio já efetuou 1.600 reportagens, uma delas divulgada no mundo inteiro quando foi exibida pelo canal Animal Planet. Essa matéria teve o título 'Sucuri Anaconda Gigante de Ibitinga', cobra que foi encontrada e filmada por Duílio Galli. Estão no
Youtube ‘Carandiru, as Ruínas do Inferno’, ‘O Maravilhoso Pantaninho de São
Paulo – Carpa de 70 quilos é pescada em Ibitinga’ e outras reportagens
realizadas por Duílio Galli. Com todas essas atividades Duílio nunca abandonou
as artes plásticas e continua pintando com talento e inesgotável criatividade. Esse homem incansável se orgulha de ser um
autêntico caipira que deu a volta ao mundo mas que nunca esqueceu dos momentos
felizes passados no Cine Rio Branco da sua querida Ibitinga. E entre suas saborosas memórias está a
malfadada carreira como imitador de Clyde Beatty domando cães e gatos...
Grande alma!
ResponderExcluirSe o amigo Graunna me permite o adendo eu diria: Grande e talentosa alma!
ResponderExcluirDarci Fonseca