10 de novembro de 2013

O ÚLTIMO GUERREIRO (ARROWHEAD) – O MAIS PRECONCEITUOSO DOS FAROESTES


“Não estou entre homens... Ao meu redor estão animais... Não sossegarei até que o último apache esteja morto.” Frases como esta são proferidas por Ed Bannon, o ‘herói’ de “O Último Guerreiro”, um dos filmes mais racistas já produzidos por Hollywood. Isto num momento (início dos anos 50), em que o gênero western era o principal responsável pela revisão do papel do índio na História norte-americana. “Sangue de Heróis” (1948), “Flechas de Fogo” e “A Passagem do Diabo” (ambos de 1950) deram início à série de filmes que mostravam os nativos não só de forma humana, mas também como vítimas do homem branco invasor de seus territórios. Em 1953, contrariando a tendência de reverter a odiosa desvirtuação histórica, o diretor Charles Marquis Warren, também autor do roteiro baseado numa história de W.R. Burnett, realizou “O Último Guerreiro”.


Acima Al Sieber, que inspirou o personagem
vivido por Charlton Heston;
abaixo Jack Palance.
A derrota do ‘Invencível’ - Baseado livremente na vida de Al Sieber, chefe dos batedores do Exército Norte-Americano na Região Sudeste, “O Último Guerreiro” conta como Ed Bannon (Charlton Heston) colaborou para fazer com que os apaches fossem para a reserva a eles destinada por seus opressores. Bannon vivera entre os apaches por 4 anos, tendo sido filho adotivo de um curandeiro apache, fato que o levou a conhecer profundamente a cultura e práticas desses índios. Não há, no entanto, uma explicação lógica para o ódio brutal que Bannon sente pelos apaches. Suas ações em desobediência aos superiores o levam a ser demitido da função de batedor do Exército, o que não o impede de continuar a se envolver nos assuntos militares, isto em razão da incompetência dos oficiais e soldados. Os apaches esperam o cumprimento de uma profecia segundo a qual um guerreiro ‘Invencível’ viria do Leste para libertá-los do jugo imposto pelo homem branco. E Toriano (Jack Palance), filho do chefe apache Chattez (Frank DeKova) que foi estudar no Leste, é quem conduzirá as tribos apaches à vitória contra os túnicas azuis. Bannon e Toriano se conheceram na infância e nutrem reciprocamente ódio mortal, ódio aumentado quando se reencontram. Após confrontos entre a Cavalaria e os apaches liderados por Toriano, Bannon através de estratégias próprias dos apaches, leva os soldados a uma heroica resistência pois os índios são numerosamente superiores. Em uma luta pessoal entre Toriano e Bannon, este quebra o pescoço do apache e prova não ser Toriano o ‘Invencível’ que se acreditava. Abatidos com a perda do ‘último guerreiro’ os apaches aceitam ser conduzidos para a reserva.

Charlton Heston e Milburn Stone;
 Sandy (Stone) morto de forma cruel.
E Sheridan tinha razão - Atribui-se ao General Philip Sheridan, do Exército norte-americano, a frase “O único índio bom é um índio morto”. Em “O Último Guerreiro” esse raciocínio é levado ao pé da letra e todos os apaches são mostrados como traiçoeiros, cruéis, ingênuos e por fim covardes. Mesmo o batedor apache Jim Eagle (Pat Hogan) que usa farda da Cavalaria e os irmãos mestiços Nita (Katy Jurado) e Espanhol (Peter Coe) que possuem sangue apache e vivem também no Forte Clark, agem todos como espiões. Aguardam eles o momento certo de trair os brancos que neles confiaram. Sob a liderança de Toriano os apaches cometem atrocidades queimando ranchos de sitiantes brancos, atacando caravanas e promovendo torturas. Um exemplo é a barbárie cometida contra Sandy (Milburn Stone), companheiro de jornadas de Ed Bannon, que recebe flechadas por todo o corpo. Em um único momento Toriano diz que “os apaches só matam quando sentem fome”, lembrando do extermínio dos animais pelos brancos. Além da ferocidade, os apaches são mostrados como crédulos numa premonição ingênua segundo à qual receberão uma espécie de messias. Esse messias é Toriano, que quando tem oportunidade, mostra sua insensibilidade ao matar friamente um amigo de infância só pelo fato deste ser branco. O filme dá razão a Sheridan e Ed Bannon existe para fazer valer o adágio do general.

Heston, Brian Keith e Mary Sinclair;
Heston e Katy Jurado.
Racismo extremado - Mal o filme se inicia e Ed Bannon embosca um par de apaches dizendo a eles: “Virem-se, seus sujos!” Esse é o primeiro dos muitos vitupérios expressos pelo batedor ao longo de “O Último Guerreiro”. E Bannon é um ser rancoroso que não perdoa os soldados da União que venceram o Sul, odiando-os também, ainda que em menor dose que o ódio que revela pelos nativos. Pressionado pelo Capitão Bill North (Brian Keith) e pelos demais soldados que acreditam ser possível convencer os apaches a aceitar passivamente a rendição final, Bannon sabe que sob a liderança de Toriano não haverá paz. Para Bannon essa é a situação ideal que lhe proporcionará oportunidade de assassinar mais índios, além de demonstrar a estupidez e desconhecimento dos oficiais e soldados do Exército. Tão virulento quanto Toriano, Bannon nunca perdoou aqueles que o venceram em Gettysburg. Bannon é amado por Lela Wilson, viúva de um capitão, mas se aproxima dela para demonstrar sua superioridade ao Capitão North, pretendente da viúva. O relacionamento de Bannon com a mestiça Nita é igualmente hipócrita, mas de ambas as partes pois a ele só interessa o corpo da mulher e a ela as informações sobre as campanhas. Ed Bannon é um perfeito e gritante retrato dos norte-americanos racistas extremados que o cinema não gostava de mostrar.

Ed Bannon (Charlton Heston) lutando com
Toriano (Jack Palance);
abaixo o Forte Clark.
Amadorismo em Brackettville - À parte o delineamento psicótico de Ed Bannon  e o estado de permanente hostilidade de Toriano, “O Último Guerreiro” está longe de ser um bom filme. As sequências de batalha são encenadas de forma incoerente e o número de contendores, sejam os apaches ou os soldados, aumentam e diminuem ao sabor da implausibilidade do roteiro. As mortes durante as lutas são capazes de causar riso no menos crítico dos espectadores. Os golpes de defesa pessoal aplicados por Bannon no Sargento Stone e por Toriano em Bannon são típicos do mais amador espetáculo de luta-livre. Mesmo a excelente luta final travada entre Bannon e Toriano, ambos sem dublês, é comprometida pelo golpe fatal desfechado com extrema facilidade pelo batedor.  “O Último Guerreiro” foi filmado inteiramente em Brackettville (Texas), mesmas locações onde foi rodado “O Álamo” de John Wayne seis anos depois. O original Forte Clark, também em Brackettville é cenário do filme de Charles Marquis Warren e serviria de alojamento para as centenas de pessoas envolvidas na produção do épico de John Wayne. O veterano diretor de fotografia Ray Rennahan foi o responsável pelas belas tomadas de Brackettville.

Toriano recém-chegado do Leste.
Destaque para Jack Palance - Conta o elenco de “O Último Guerreiro” com bons atores como Brian Keith em um de seus primeiros papéis importantes, Katy Jurado sempre ótima, Frank DeKova e Robert J. Wilke em papéis menores. Boas as caracterizações dos muitos coadjuvantes com destaque para Pat Hogan como Jim Eagle. Uma pena que o excelente Milburn Stone tenha sido relegado a um papel incondizente com seu talento. Stone se tornaria mais conhecido como o ‘Doc’ da série de TV “Gunsmoke”, personagem que viveu por 20 anos. Jack Palance personifica esplendidamente o revoltado líder apache, criando um Toriano amedrontador. Palance que não sabia montar em “Os Brutos Também Amam” (rodado em 1951), monta seu cavalo sem sela e até que se sai bem. Palance faria inúmeros outros bons westerns em sua carreira e receberia um Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1991 justamente interpretando um cowboy no western-comédia “Amigos, Sempre amigos”. Charlton Heston interpretou Ed Bannon com visível má vontade, tendo declarado que este era um dos filmes que preferia não ter feito. Este tipo de atuação é que levou parte da crítica a considerá-lo um canastrão.

Luta de morte entre Ed Bannon e Toriano.
Charlton Heston, de um extremo a outro - Nenhum outro ator norte-americano interpretou mais personagens históricos que Charlton Heston, ator talhado para esse tipo de interpretação. Nem sempre reconhecidas suas qualidades como ator dramático, Heston se impôs em interpretações que derrubariam atores muito mais talentosos que ele. Heston irradiava a grandeza de caráter ao compor com perfeição personagens bíblicos, medievais e históricos de modo geral. Lembrado como intransigente defensor da NRA (National Rifle Association), da qual foi presidente de 1998 a 2003, nos anos 60 Heston foi um dos artistas mais ativos na luta pela conquista dos direitos civis. O Democrata tornou-se Republicano dos mais conservadores, ao lado de Ronald Reagan, entre outros. Em tempos de Guerra Fria, Guerra da Coréia e Eisenhower como presidente e Nixon como seu vice, Ed Bannon refletia o pensamento de milhões de norte-americanos. Com a proposta no início de “O Último Guerreiro” para que Ed Bannon receba uma medalha do Congresso, este filme é uma espécie de resposta aos liberais de Hollywood, resposta sem nenhuma sutileza e verdadeiramente revoltante no trato dos fatos históricos.

Ed Bannon carrega o corpo inerte de Toriano após tê-lo matado.

Charlton Heston beijando Mary Sinclair e Katy Jurado; Heston esganando
Robert J. Wilke; Brian Keith e Charlton Heston.

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