“Não
estou entre homens... Ao meu redor estão animais... Não sossegarei até que o
último apache esteja morto.” Frases como esta são proferidas por Ed
Bannon, o ‘herói’ de “O Último Guerreiro”, um dos filmes mais racistas
já produzidos por Hollywood. Isto num momento (início dos anos 50), em que o
gênero western era o principal responsável pela revisão do papel do índio na
História norte-americana. “Sangue de Heróis” (1948), “Flechas de Fogo” e “A
Passagem do Diabo” (ambos de 1950) deram início à série de filmes que mostravam
os nativos não só de forma humana, mas também como vítimas do homem branco
invasor de seus territórios. Em 1953, contrariando a tendência de reverter a
odiosa desvirtuação histórica, o diretor Charles Marquis Warren, também autor
do roteiro baseado numa história de W.R. Burnett, realizou “O Último
Guerreiro”.
Acima Al Sieber, que inspirou o personagem vivido por Charlton Heston; abaixo Jack Palance. |
A
derrota do ‘Invencível’ - Baseado livremente na vida de Al
Sieber, chefe dos batedores do Exército Norte-Americano na Região Sudeste, “O
Último Guerreiro” conta como Ed Bannon (Charlton Heston) colaborou para fazer
com que os apaches fossem para a reserva a eles destinada por seus opressores.
Bannon vivera entre os apaches por 4 anos, tendo sido filho adotivo de um
curandeiro apache, fato que o levou a conhecer profundamente a cultura e
práticas desses índios. Não há, no entanto, uma explicação lógica para o ódio
brutal que Bannon sente pelos apaches. Suas ações em desobediência aos
superiores o levam a ser demitido da função de batedor do Exército, o que não o impede de
continuar a se envolver nos assuntos militares, isto em razão da incompetência
dos oficiais e soldados. Os apaches esperam o cumprimento de uma profecia
segundo a qual um guerreiro ‘Invencível’ viria do Leste para libertá-los do
jugo imposto pelo homem branco. E Toriano (Jack Palance), filho do chefe apache
Chattez (Frank DeKova) que foi estudar no Leste, é quem conduzirá as tribos
apaches à vitória contra os túnicas azuis. Bannon e Toriano se conheceram na
infância e nutrem reciprocamente ódio mortal, ódio aumentado quando se
reencontram. Após confrontos entre a Cavalaria e os apaches liderados por
Toriano, Bannon através de estratégias próprias dos apaches, leva os soldados a
uma heroica resistência pois os índios são numerosamente superiores. Em uma
luta pessoal entre Toriano e Bannon, este quebra o pescoço do apache e prova
não ser Toriano o ‘Invencível’ que se acreditava. Abatidos com a perda do
‘último guerreiro’ os apaches aceitam ser conduzidos para a reserva.
Charlton Heston e Milburn Stone; Sandy (Stone) morto de forma cruel. |
E Sheridan
tinha razão - Atribui-se ao General Philip Sheridan, do Exército
norte-americano, a frase “O único índio
bom é um índio morto”. Em “O Último Guerreiro” esse raciocínio é levado ao
pé da letra e todos os apaches são mostrados como traiçoeiros, cruéis, ingênuos
e por fim covardes. Mesmo o batedor apache Jim Eagle (Pat Hogan) que usa farda
da Cavalaria e os irmãos mestiços Nita (Katy Jurado) e Espanhol (Peter Coe) que
possuem sangue apache e vivem também no Forte Clark, agem todos como espiões.
Aguardam eles o momento certo de trair os brancos que neles confiaram. Sob a
liderança de Toriano os apaches cometem atrocidades queimando ranchos de sitiantes
brancos, atacando caravanas e promovendo torturas. Um exemplo é a barbárie
cometida contra Sandy (Milburn Stone), companheiro de jornadas de Ed Bannon,
que recebe flechadas por todo o corpo. Em um único momento Toriano diz que “os
apaches só matam quando sentem fome”, lembrando do extermínio dos animais pelos
brancos. Além da ferocidade, os apaches são mostrados como crédulos numa
premonição ingênua segundo à qual receberão uma espécie de messias. Esse
messias é Toriano, que quando tem oportunidade, mostra sua insensibilidade ao
matar friamente um amigo de infância só pelo fato deste ser branco. O filme dá
razão a Sheridan e Ed Bannon existe para fazer valer o adágio do general.
Heston, Brian Keith e Mary Sinclair; Heston e Katy Jurado. |
Racismo
extremado - Mal o filme se inicia e Ed Bannon embosca um par de apaches
dizendo a eles: “Virem-se, seus sujos!” Esse
é o primeiro dos muitos vitupérios expressos pelo batedor ao longo de “O Último
Guerreiro”. E Bannon é um ser rancoroso que não perdoa os soldados da União que
venceram o Sul, odiando-os também, ainda que em menor dose que o ódio que
revela pelos nativos. Pressionado pelo Capitão Bill North (Brian Keith) e pelos
demais soldados que acreditam ser possível convencer os apaches a aceitar
passivamente a rendição final, Bannon sabe que sob a liderança de Toriano não
haverá paz. Para Bannon essa é a situação ideal que lhe proporcionará
oportunidade de assassinar mais índios, além de demonstrar a estupidez e
desconhecimento dos oficiais e soldados do Exército. Tão virulento quanto
Toriano, Bannon nunca perdoou aqueles que o venceram em Gettysburg. Bannon é
amado por Lela Wilson, viúva de um capitão, mas se aproxima dela para
demonstrar sua superioridade ao Capitão North, pretendente da viúva. O relacionamento
de Bannon com a mestiça Nita é igualmente hipócrita, mas de ambas as partes
pois a ele só interessa o corpo da mulher e a ela as informações sobre as
campanhas. Ed Bannon é um perfeito e gritante retrato dos norte-americanos
racistas extremados que o cinema não gostava de mostrar.
Ed Bannon (Charlton Heston) lutando com Toriano (Jack Palance); abaixo o Forte Clark. |
Amadorismo
em Brackettville - À parte o delineamento psicótico de
Ed Bannon e o estado de permanente
hostilidade de Toriano, “O Último Guerreiro” está longe de ser um bom filme. As
sequências de batalha são encenadas de forma incoerente e o número de
contendores, sejam os apaches ou os soldados, aumentam e diminuem ao sabor da
implausibilidade do roteiro. As mortes durante as lutas são capazes de causar
riso no menos crítico dos espectadores. Os golpes de defesa pessoal aplicados
por Bannon no Sargento Stone e por Toriano em Bannon são típicos do mais amador
espetáculo de luta-livre. Mesmo a excelente luta final travada entre Bannon e
Toriano, ambos sem dublês, é comprometida pelo golpe fatal desfechado com extrema facilidade pelo batedor. “O Último
Guerreiro” foi filmado inteiramente em Brackettville (Texas), mesmas locações
onde foi rodado “O Álamo” de John Wayne seis anos depois. O original Forte Clark,
também em Brackettville é cenário do filme de Charles Marquis Warren e serviria
de alojamento para as centenas de pessoas envolvidas na produção do épico de
John Wayne. O veterano diretor de fotografia Ray Rennahan foi o responsável
pelas belas tomadas de Brackettville.
Toriano recém-chegado do Leste. |
Destaque
para Jack Palance - Conta o elenco de “O Último
Guerreiro” com bons atores como Brian Keith em um de seus primeiros papéis
importantes, Katy Jurado sempre ótima, Frank DeKova e Robert J. Wilke em papéis
menores. Boas as caracterizações dos muitos coadjuvantes com destaque para Pat
Hogan como Jim Eagle. Uma pena que o excelente Milburn Stone tenha sido
relegado a um papel incondizente com seu talento. Stone se tornaria mais
conhecido como o ‘Doc’ da série de TV “Gunsmoke”, personagem que viveu por 20
anos. Jack Palance personifica esplendidamente o revoltado líder apache,
criando um Toriano amedrontador. Palance que não sabia montar em “Os Brutos
Também Amam” (rodado em 1951), monta seu cavalo sem sela e até que se sai bem. Palance
faria inúmeros outros bons westerns em sua carreira e receberia um Oscar de
Melhor Ator Coadjuvante em 1991 justamente interpretando um cowboy no
western-comédia “Amigos, Sempre amigos”. Charlton Heston interpretou Ed Bannon
com visível má vontade, tendo declarado que este era um dos filmes que preferia
não ter feito. Este tipo de atuação é que levou parte da crítica a considerá-lo
um canastrão.
Luta de morte entre Ed Bannon e Toriano. |
Charlton
Heston, de um extremo a outro - Nenhum outro ator norte-americano
interpretou mais personagens históricos que Charlton Heston, ator talhado para
esse tipo de interpretação. Nem sempre reconhecidas suas qualidades como ator
dramático, Heston se impôs em interpretações que derrubariam atores muito mais
talentosos que ele. Heston irradiava a grandeza de caráter ao compor com
perfeição personagens bíblicos, medievais e históricos de modo geral. Lembrado
como intransigente defensor da NRA (National Rifle Association), da qual foi
presidente de 1998 a 2003, nos anos 60 Heston foi um dos artistas mais ativos
na luta pela conquista dos direitos civis. O Democrata tornou-se Republicano
dos mais conservadores, ao lado de Ronald Reagan, entre outros. Em tempos de
Guerra Fria, Guerra da Coréia e Eisenhower como presidente e Nixon como seu vice, Ed Bannon refletia o pensamento de milhões
de norte-americanos. Com a proposta no início de “O Último Guerreiro” para que
Ed Bannon receba uma medalha do Congresso, este filme é uma espécie de resposta
aos liberais de Hollywood, resposta sem nenhuma sutileza e verdadeiramente
revoltante no trato dos fatos históricos.
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