18 de outubro de 2013

“VERA CRUZ”, A CRÍTICA, O PÚBLICO E O SORRISO DE BURT LANCASTER


Robert Aldrich
Críticas destrutivas podem fazer um filme fracassar nas bilheterias? “Vera Cruz” é um excelente exemplo e a comprovação que o sucesso de um filme independe das críticas boas ou más que receba. Bosley Crowther (1905-1981) é considerado por muitos o mais influente crítico norte-americano de cinema. De 1940 a 1967 Crowther assinou as críticas de cinema do jornal de maior circulação nos Estados Unidos, o ‘The New York Times’. Crowther praticamente determinava o que os demais críticos diriam sobre um filme e sua influência atravessava fronteiras, lido que era em países como o Brasil por exemplo. No dia 25 de dezembro de 1954 Bosley Crowther foi ao cinema Capitol, em Nova York, para assistir ao faroeste “Vera Cruz”, filme que detestou. Nem o espírito natalino atenuou a ferocidade com que Crowther massacrou o filme de Robert Aldrich.  “Vera Cruz” demorou quase um ano para chegar ao Brasil, estreando em São Paulo em 16 de novembro de 1955. Por aqui Rubem Biáfora (1922-1996), o já respeitado crítico do ‘Estadão’, foi quase tão cruel quanto seu colega norte-americano ao espicaçar “Vera Cruz”.

Bosley Crowther
Lancaster, um vilão porco - Em sua resenha sobre “Vera Cruz” publicada no ‘The New York Times’ em 27/12/1954 Bosley Crowther diz que “o filme é um desperdício de talentos num barulhento melodrama fotografado ao ar livre ... Filme muito ruim, repleto de violência inconsequente num verdadeiro show sádico... O Sr. Lancaster interpreta um personagem tão ordinário que merecia ser morto logo no início do filme. O Sr. Lancaster é um vilão porco que exibe sua maldade através de risadas diabólicas ... Nessa interminável luta entre trapaceiros e sequestradores há tiros, facadas, lutas por dinheiro e as armas são mais importantes que o Sr. Cooper ou o Sr. Lancaster. Nenhum deles impressiona nos papéis dos aventureiros... O cenário até poderia parecer bonito, não fossem as cores borradas mostradas em Superscope. Em suma, para ser franco, não há nada que possa redimir este filme”. Sem dúvida a opinião de Bosley Crowther influenciou outros críticos, possivelmente até mesmo o brasileiro Rubem Biáfora.

Rubem Biáfora
Enredo medíocre, sumário e superficial - Gervásio Rubem Biáfora foi reconhecido por décadas como o principal crítico brasileiro, ao lado de Antônio Moniz Vianna. Biáfora no jornal ‘O Estado de S. Paulo’ e Moniz Vianna no ‘Correio da Manhã’, editado no Rio de Janeiro. Após assistir “Vera Cruz” Biáfora fez eco à virulência do colega norte-americano escrevendo na edição do ‘Estadão’ de 20/11/1955: “... ‘Vera Cruz’ é uma sucessão de incidentes tão numerosos quanto romanescos e sem outro sentido senão o de esticar a ação... Fica-se diante de duas personagens ricas de psicologia e sedução, mas vivendo um enredo medíocre, sumário, de aventureirismo superficial e encadeado mais ou menos arbitrariamente ... desenrolando uma ação tão pueril quanto às dos westerns seriados, sem a legitimidade que nestes decorre da homogeneidade da ação... Robert Aldrich pertence à categoria dos diretores exibicionistas que mais iludem do que convence... Gary Cooper confirma sua excelente categoria de ator impecável e em ótima forma física... Burt Lancaster é um dos mais simpáticos e conscientes atores de Hollywood. Acontece, porém, que a sua louvável preocupação em dar existência psicológica aos tipos que encarna, às vezes o leva a excessos, como nesta fita, com a máscara exageradamente risonha que criou para tornar mais contrastante e sinistro seu amoralismo... Denise Darcel é feia e irresponsável como atriz”.

Andrew Sarris e François Truffaut
Elegante escapismo - Livros fundamentais para estudiosos do gênero western ignoraram “Vera Cruz” não dedicando a ele sequer uma linha. Entre essas obras estão o famoso guia de referência de faroestes “Shoot-em-Ups” (de autoria de Buck Rainey e Les Adams) e “A Pictorial History of the Western Films” (de autoria de William K. Everson). Nada consegue justificar que menção alguma seja feita ao western de Robert Aldrich nessas duas volumosas obras, não fosse por outra razão, pela presença de Gary Cooper e de Burt Lancaster encabeçando o elenco do filme. Nem todos os críticos na época, porém, acompanharam Bosley Crowther na sua catilinária contra “Vera Cruz”. Andrew Sarris (1928-2012), então crítico da revista ‘Film Culture’, chamou o filme de Robert Aldrich de “elegante escapismo”. Os franceses do ‘Cahiers du Cinéma’, que criaram a ‘teoria do diretor-autor’, disseram que 1955 era o ‘Ano Robert Aldrich’ após a exibição de “O Último Bravo” (Apache), “Vera Cruz” e “A Morte num Beijo” (Kiss me Deadly). François Truffaut (1932-1984), um dos jovens críticos do ‘Cahiers Du Cinéma’, comparou Aldrich a Nicholas Ray, grande ídolo dos criadores da Nouvelle Vague.

Sergio Leone
Fora dos 100 melhores westerns - Obras mais recentes sobre o gênero western também desconsideraram “Vera Cruz” como filme merecedor de atenção. Entre esses livros estão o recentemente focalizado pelo WESTERNCINEMANIA, “The 100 Greatest Western Movies of All Time” (editado pela American Cowboy Magazine) e “True West – An Illustrated Guide to the Heyday of the Western” (de autoria de Michael Barson). Ambos os livros, editados respectivamente em 2011 e 2008, listaram os 100 melhores westerns de todos os tempos omitindo “Vera Cruz”. No caso destes dois livros o pecado é ainda maior pois foram escritos após o advento dos westerns-spaghetti, vertente inegavelmente influenciada por “Vera Cruz”. O próprio Sergio Leone afirmou que sua fonte de inspiração para criar os personagens ‘Manco’ e ‘Coronel Douglas Mortimer’ em “Por uns Dólares a Mais” (Per Qualche Dollaro in Più) foram ‘Joe Erin’ (Burt Lancaster) e ‘Ben Trane’ (Gary Cooper), personagens principais de “Vera Cruz”. No Brasil foi lançado, em 2001, o livro “O Filme de Faroeste”, de autoria de Guido Bilharinho, que analisa 51 westerns. Bilharinho também desconsiderou “Vera Cruz”, não mencionando o western de Aldrich.

Burt Lancaster
O sorriso de Lancaster - Como foi lembrado no parágrafo inicial deste texto, não é a crítica que determina o sucesso ou não de um filme pois “Vera Cruz” foi o faroeste que obteve a maior bilheteria no ano de seu lançamento nos Estados Unidos (1955). No Brasil este western de Robert Aldrich lotava as salas em cada reprise ocorrida nos anos 50. Lançado em DVD por diferentes companhias pelo fato de ter caído em domínio público, “Vera Cruz” é, ainda hoje, um dos faroestes mais vendidos, assistidos e estimados de todos os tempos. Isto mesmo tendo sido repudiado pelos críticos quando de seu lançamento e muitas vezes ignorado posteriormente. O sucesso de “Vera Cruz” deve ter provocado em seu produtor Burt Lancaster sorrisos ainda maiores que aqueles que ele exibe no filme, numa evidencia clara que a crítica nem sempre tem razão.

O personagem de Burt Lancaster em "Vera Cruz" como foi visto pela revista
'Mad' de julho de 1955. A legenda diz que Lambaster sobe as escadas para
se lavar... se barbeia... se veste... e quando você está convencido que ele vai
vencer... ele morre com a cara no chão!


5 comentários:

  1. Olá Darci

    Sou fã do Burt Lancaster, inclusive coloquei um filme dele, Mato em Nome da Lei no meu top ten. Grande astro que brilhou em muitos outros filmes fora deste gênero. Felizmente, os críticos possuem apenas o poder danoso, de retardar muitas vezes o reconhecimento de uma obra, como arte. Leone e companhia "poderiam" escrever um tratado sobre este assunto, pois eram super especialistas em levar porradas de críticos. Crítico é apenas o efeito colateral da arte. Muitos realmente relatam Vera Cruz como grande influenciador do spaghetti, mas como os americanos e os seus influenciados, são resistentes à mudanças, perderam o passo para uma mudança radical e para uma revitalização do gênero western, tarefa esta que coube aos Italianos e por isso entraram para a história como os reinventores do faroeste e sobrou aos americanos e cia, a "honra" de esbravejarem e atirar pedras, ironicamente em um movimento que muito bem poderia ter começado por eles próprios.
    Abraço-Joailton

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    1. Olá, Joailton
      Nem todos os críticos eram refratários a filmes que buscavam novas linguagens, como cita o artigo, especificando Bosley Crowther e o nosso Rubem Biáfora, mentor do Rubens Ewald Filho. Veja você que são lembrados Andrew Sarris e o pessoal do Cahiers. Sergio Leone certamente percebeu em 'Vera Cruz' aquilo que mudaria a cara dos faroestes.
      Abraço do Darci

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  2. Realmente, Burt Lancaster era um ótimo ator. E esse era o ``problema´´, de seus filmes. Ficava parecendo um filme-novela. Tanto é, que nenhum de seus filmes são lembrados nas ``listas´´. Ninguem lembra de `o passado não perdoa´ e ´´sem lei e sem alma``. São para figurar em listas sim. Mas Vera Cruz ficou abaixo da média. Gary Grant, seria o tiro de misericordia no filme.
    Dagmar.

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    1. Olá, Dagmar
      Embora menos lembrados que os 'campeões', são citados algumas vezes esses dois que você lembrou, Os Profissionais e o Joailton que fez o comentário anterior ao seu colocou no Top-Ten dele 'Mato em Nome da Lei'.
      Você tem razão! cary Grant seria demais em 'Vera Cruz'.
      Darci Fonseca

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  3. Já assisti e tenho o filme Vera Cruz e considero uma excelente filme. Principalmente pela temática: a luta do povo mexicano pela expulsão de Maximiliano do México. Um tema difícil de se ver tanto em livros como em filmes. Eu recomendo.

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