Acima Dino De Laurentiis; abaixo Carlo Lizzani. |
Em 1966, aos 47 anos de idade, Dino De
Laurentiis já havia produzido mais de 80 filmes. Alguns deles memoráveis como
“Arroz Amargo”, “Noites de Cabíria”, “A Estrada da Vida”, “Ulisses” (com Kirk
Douglas), “O Ouro de Nápoles”, “Guerra e Paz” (com Henry Fonda e Audrey
Hepburn) e “A Grande Guerra”. E como é sabido, para se produzir filmes de arte
como os muitos que De Laurentiis produziu, era necessário produzir
paralelamente filmes de maior apelo popular, o que o levou a ser o produtor
executivo de “Maciste Contra o Vampiro”. Quem interpretou Maciste nesse filme
de título bizarro foi o ex-Tarzan Gordon Scott e o diretor desse filme foi o
conhecido Sergio Corbucci. Assim como Corbucci, alguns dos diretores que
conheceram a glória nos Westerns Spaghetti iniciaram suas carreiras trabalhando
nos ‘sandálias e espadas’ filmados em
Cinecittá. Entre esses diretores estão Sergio Leone, Ducio Tessari, Gianfranco Parolini e
Sergio Solima. Para ganhar dinheiro Dino De Laurentiis decidiu produzir o
gênero que estava deixando outros produtores mais ricos que ele, gênero que logo seria apelidado de ‘Western Spaghetti’.
Para sua primeira aventura num faroeste Made-in-Italy, De Laurentiis chamou um
diretor que nunca rodara filmes de Maciste, Ursus, Hércules e companhia. Esse diretor era
Carlo Lizzani.
Western
para o mercado norte-americano - Dino De Laurentiis e Carlo Lizzani
se conheciam há muito tempo pois Lizzani, após ter sido crítico de cinema, passou
a escrever roteiros, sendo de sua autoria (em colaboração) os roteiros de obras neo-realistas
como “Alemanha, Ano Zero” (de Roberto Rosselini) e “Arroz Amargo” (de Giuseppe De Santis). Os
filmes dirigidos por Carlo Lizzani muitos deles com roteiros de sua autoria,
tinham forte cunho sócio-político e o mundo cinematográfico italiano ficou
ansioso para ver o resultado desse primeiro western produzido por De Laurentiis
e dirigido pelo intelectualizado Lizzani. O filme teria o título de “Un Fiume di Dollari” e em
Inglês se chamaria “The Hills Run Red”. A prática da época na Itália era filmar
faroestes utilizando-se títulos em Inglês que criassem a dúvida sobre a origem
do filme. E mesmo atores, diretores e técnicos em geral passavam a ter nomes
aparentemente norte-americanos, pois a América do Norte era a terra do
faroeste. No caso de “Un Fiume di Dollari”/“The Hills Run Red”, a razão era
mesmo porque De Laurentiis pretendia lançar o filme também nos Estados Unidos,
o que ainda não acontecia com os Westerns Spaghettis, mesmo os de grande
sucesso na Europa, como a Trilogia dos Dólares de Sergio Leone.
Dan Duryea |
Dan
Duryea no elenco - A produtora de Dino De Laurentiis
associou-se à C.B. Films, de Barcelona, para realizar “Un Fiume di
Dollari”/“The Hills Run Red”, cujo elenco foi encabeçado por três atores
norte-americanos, os muito conhecidos Dan Duryea e Henry Silva e por Thomas
Hunter. Ainda praticamente um iniciante como ator, Hunter foi escolhido por sua
fisionomia lembrar bastante a de Clint Eastwood, o maior nome nas bilheterias
italianas em 1965. Atores norte-americanos já vinham atuando em faroestes
produzidos na Europa e De Laurentiis sabia que isso facilitaria o lançamento do
filme nos Estados Unidos. As filmagens teriam como locações as pradarias de La
Pedrita e Colmenar Viejo, na Espanha, aparentemente porque Almería, também na
Espanha, estava sempre ocupada com tantos westerns sendo filmados
simultaneamente. A Dinocittá, estúdio de Dino De Laurentiis localizado nos
arredores de Roma também seria utilizado, tanto para cenas externas, na cidade
cenográfica que foi construída, como para as cenas internas. O roteiro de “Un Fiume di Dollari”/“The Hills
Run Red” foi escrito por Piero Regnoli, que nos créditos aparece como ‘Dean
Craig’. A trilha sonora foi composta pelo incansável Ennio Morricone, ‘Leo
Nichols’ nos créditos e o próprio Carlo Lizzani ganhou o americanizado nome
‘Lee W. Beaver’.
Henry Silva |
García
e Los Garcíanos - A história de “Un Fiume di
Dollari”/“The Hills Run Red”, que no Brasil se chamou “Sangue nas Montanhas”, é
visivelmente inspirada em outros westerns.O filme começa com dois sulistas, ao
fim da Guerra Civil, roubando 600 mil dólares do U.S. Army, dinheiro destinado
à compra de armamentos. Perseguidos por uma patrulha do Exército, os bandidos decidem
que um deles se entregaria enquanto o outro fugiria. [Certamente o leitor deve
ter lembrado de “A Face Oculta”, o admirável western de Marlon Brando.] Ken
Seagall (Nando Gazzolo) tem mais sorte que Jerry Brewster (Thomas Hunter) e
fica com os 600 mil dólares, enquanto o comparsa vai para a prisão em Fort
Wilson. Lá Brewster amarga cinco anos de maus tratos e trabalhos forçados,
enquanto Seagall, que mudou seu nome para Ken Milton, aplica bem o dinheiro
roubado e se torna praticamente o dono de Austin, para onde fugira. Ao sair da
prisão Brewster descobre que sua esposa falecera por culpa de Seagall, a quem
Brewster pedira que cuidasse dela e do filho pequeno. O paradeiro do menino Tim
Brewster (Loris Loddi) é desconhecido. Orientado por um estranho chamado Winny
Getz (Dan Duryea), Brewster muda seu nome para Jim Houston e arquiteta a
vingança. Para isso precisa se aproximar de Seagall, que tem como capataz
García Mendez (Henry Silva), mexicano que comanda dezenas de homens que trabalham
na Fazenda Mayflower, de propriedade de Ken Milton (Seagall). Jim Houston
(Brewster) ganha a confiança de García Mendez e passa a trabalhar em Mayflower,
porém ao mesmo tempo trabalha também para Brian Horner (Geoffrey Coppleston),
que disputa o poder em Austin com Milton. [É natural que o leitor lembre-se das
duas facções em “Por um Punhado de Dólares”.] Sempre ajudado pelo estranho
Winny Getz, Jim Houston consegue liquidar com o pequeno exército chamado Los
Garcíanos, liderado por García Mendez e vinga-se de Ken Seagall, matando-o.
Houston volta a chamar-se Brewster, revela que é pai do pequeno Tim e sua
viuvez está com os dias contados pois Mary Ann (Nicoletta Machiavelli), a irmã
de Seagall sente-se atraída por Brewster.
Thomas Hunter |
Personagem
atormentado pela vingança - Certa vez Sergio Leone disse a Budd
Boetticher, querendo glorificar o diretor de “Sete Homens Sem Destino”, que
havia roubado tudo dele. Mas quem parece conhecer bem os westerns de Boetticher
é mesmo Carlo Lizzani. E Lizzani conhecia ainda melhor os faroestes de
Anthony Mann. Partindo de um roteiro que em outras mãos teria um tratamento rotineiro,
Lizzani dá a essa história de vingança um desenvolvimento diferente do que se
fazia nos Westerns Spaghetti. Jerry Brewster é um personagem atormentado pelo
seu desejo de vingança, o que o leva a ter pesadelos e a gritar como se
estivesse enlouquecido pelo ódio. Lizzani dirige Thomas Hunter como se este
fosse o James Stewart dos westerns de Mann. Mais violento que os faroestes de
Boetticher ou de Anthony Mann, até porque os Westerns Spaghetti não tinham as
restrições que Hollywood impunha nos anos 50, Lizzani cria cenas fortíssimas.
Uma delas é a retirada da tatuagem do braço de Brewster, feita com uma faca em
brasa, por Winny Getz. Outra é Brewster esfaqueando com crueldade um bandido
que queria matá-lo O espancamento sofrido por James Stewart em “Um Certo
Capitão Lockhart” é quase nada perto do que Brewster passa na cadeia e
posteriormente nas mãos dos Los Garcíanos. Essa dose de violência absorvida
pela determinação do sofrido e vingativo Brewster, mais a presença de
personagens como Getz e Mendez, dá a “Sangue nas Montanhas” um tom insólito para
um Western Spaghetti e seus invulneráveis anti-heróis.
Loris Loddi |
Um
estranho chamado Getz - Os bandidos quase sempre se destacam
nos filmes, não raro brilhando mais que os heróis. É o que acontece com o personagem
García Mendez, mesmo interpretado com excessivo histrionismo por Henry Silva. García
é enamorado de Mary Ann (Nicoletta Machiavelli), a irmã do patrão Seagall, mas
quem gosta de García é a dançarina Hattie Gardner, numa subtrama que poderia
ser melhor desenvolvida. García é elegante, arrogante e frio, qualidade esta
que demonstra quando ao invés de matar Brewster que está prostrado implorando para
ser morto, decide contratá-lo dizendo “Você
é um campeão. Campeões não se matam, preservam-se.” O interesse de “Sangue
nas Montanhas” aumenta sempre que entra em cena o estranho chamado Getz,
interpretado por Dan Duryea. Eterno e sempre perfeito homem mau de tantos
faroestes e filmes policiais, desta vez Duryea feito uma sombra protege o vingativo
Brewster e dá ao filme um inesperado toque de mistério. E há uma razão para
isso pois Getz está em missão para reaver o dinheiro e seguindo Brewster
chegará a Ken Seagall. O cinismo marcante de Dan Duryea, desta vez num
desempenho simpático, valoriza o personagem. Mulheres interpretam tipos quase
sempre prescindíveis nos faroestes, sendo necessárias mais para agradar as platéias
masculinas. Dino De Laurentiis colocou no elenco Gianna Serra, a Miss Itália de
1963, mas quem enche os olhos dos espectadores é Nicoletta Machiavelli. Dona de
uma beleza delicada, Nicoletta faz o possível par romântico com Thomas Hunter, ainda que
o roteiro permita apenas a mútua admiração entre os dois. O ator infantil Loris
Loddi, que participou de inúmeros filmes, entre eles “Cleopatra” (com Liz Taylor)
e “O Vingador Silencioso” (de Sergio Corbuci) foi bastante bem utilizado por Carlo Lizzani. Suas
cenas com Thomas Hunter são comoventes numa relação perfeita de amizade depois
esclarecida como amor filial.
O extravagante bandido mexicano. |
Detalhamento
típico dos Westerns Spaghetti - Se falta originalidade ao roteiro de
“Sangue nas Montanhas”, esse fato é compensado pelo excelente ritmo do filme,
com muita ação de boa qualidade propiciada pelos dublês Paolo Magalotti, Osiride
Pevarello e Guglielmo Spoletini. Lizzani valoriza algumas cenas que são
filmadas mais vagarosa e detalhadamente, o que é padrão dos Westerns Spaghetti.
A grande cena de ação do filme com o emprego de dezenas de cavalos em meio a
uma emboscada tem um desfecho pouco claro pois não se sabe para onde foram os
animais. Carlo Lizzani, cujos filmes anteriores se passavam em áreas urbanas e
contemporâneas mostrou competência para o faroeste, o que repetiria em “Réquiem
para Matar” (Requiescant). Após essas experiências Lizzani voltou a dirigir
filmes como “Os Bandidos de Milão” (com Gian Maria Volonté e Tomas Milian) e “Mussolini,
Ascensão e Glória de um Ditador” (com Rod Steiger e Franco Nero). Thomas Hunter
é convincente numa interpretação nada fácil num filme cuja estrela é Henry
Silva. Mesmo excessivo em suas gargalhadas e se expressando sempre aos gritos,
como bom bandido mexicano, Henry Silva é domina todas as cenas das quais
participa, com a ajuda da câmara de Antonio (Tony) Secchi. Esse cinegrafista, o
mesmo de “O Dólar Furado” tem oportunidade de mostrar grande habilidade no movimentado
gênero que é o faroeste.
Morricone
impecável - O que mais valoriza “Sangue nas Montanhas” é a música de
Ennio Morricone orquestrada por Bruno Nicolai. Criando trilhas para tantos
filmes seria normal esperar que Morricone elaborasse trilhas cada vez mais repetitivas
e menos inspiradas. Mas isso não acontecia para a fonte inesgotável de inspiração chamada Morricone. O tema principal, “Home to my Love”, uma canção melancólica
e singela, tem letra de Audrey Nohra e é cantada por Gino Spiachetti. Muito mais
marcantes são as diversas criações que pontuam momentos diferentes do filme,
com Morricone utilizando vozes e cordas magistralmente como sempre, além de piano e muita
percussão fazendo a atmosfera perfeita para cada sequência. O CD com a trilha de “Sangue nas Montanhas” merece ser
adquirido pelos colecionadores de música de filmes. Dino De Laurentiis, chamado
por alguns de ‘Dino De Horrendous’ pela má qualidade de alguns filmes que
produziu, legou ao cinema um número considerável de produções artísticas. Entre
estas vale lembrar “O Ovo da Serpente”, de Ingmar Bergman, “Oeste Selvagem”, de
Robert Altman, “O Estrangeiro”, de Luchino Visconti, além dos filmes que
produziu para Federico Fellini nos anos 50. E foi De Laurentiis quem produziu “Joe, o
Pistoleiro Implacável”, de Sergio Corbucci. Diferentemente desse western estrelado por Burt Reynolds, “Sangue nas Montanhas” é um dos
menos lembrados Westerns Spaghetti, ainda que seja um dos melhores filmes desse
polêmico gênero.
Prezado Darci,
ResponderExcluirÓtimo comentário, realmente "Sangue nas Montanhas" (The Hills Run Red) é um dos melhores Westerns Spaghetti realizados até então.
Vamos esperar que o anunciado "Badlanders" de Enzo Castellari, com Franco Nero e Quentin Tarantino tenha, pelo menos, o mesmo nível e se compare aos de Sergio Leone.
Mario Peixoto Alves
Nino Scarciofolo: É mesmo Jeff Cameron como havíamos comentado e que fez vários espaghettis com Gordon Mitchell e Klaus Kinski nas mãos do diretor Demofilo Fidani ao lado da filha do diretor Simone Blondell, (Simonetta Vitelli) que deu um entrevista para o meu blog Bang Bang Italiana em 2012.
ResponderExcluirUm dos filmes de Jeff Cameron que a galera curte é "Sartana... A sombra da morte!".
Fui.
Bela Postagem
Olá, Edelzio
ResponderExcluirEsta aí um esclarecimento muito oportuno a respeito de Jeff Cameron. Vamos ler o que diz Simonetta Vitelli.
Abraço do Darci
Tenho esse The hills run red em DVD, mas preciso revê-lo para dizer alguma coisa. Assisti na TV faz muito tempo, na década de 80. A trama não lembro muito bem, mas a música dificilmente esqueceria, de Ennio Morricone, muito marcante.
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