Os tão criticados títulos nacionais são,
por vezes, melhores e mais apropriados que os nomes originais de muitos filmes.
É o caso de “A Voz da Honra”, título muito mais acertado que o apelativo “Fury
at Furnace Creek”, faroeste estrelado por Victor Mature. Dirigido por Bruce
Humberstone este western merece ser destacado imediatamente após os clássicos
faroestes produzidos em 1948. Esse foi o ano de “Sangue na Lua”, “Rio
Vermelho”, “Céu Amarelo” e os dois westerns de John Ford “O Céu Mandou Alguém”
e “Sangue de Heróis”. Ano também de “Abutres Humanos”, recém resenhado aqui no WESTERNCINEMANIA. Victor
Mature havia deixado muito boa impressão em seu primeiro western que foi
“Paixão dos Fortes” no qual interpretou ‘Doc Holliday’ e havia participado do
noir “O Beijo da Morte”. Depois desses sucessos a 20th Century-Fox entendeu que
seu contratado Victor Mature deveria fazer mais um faroeste e escalou o ator
para o menosprezado “A Voz da Honra”.
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O General Blackwell no banco dos réus de uma Corte Marcial. |
Sentença de morte - A história original de David Garth
não era assim tão original uma vez que foi calcada em “Quatro Homens e uma
Prece”, dirigido por John Ford em 1938. Nesse filme os irmãos Richard Greene,
George Sanders, David Niven e William Henry tem por objetivo lavar a honra do
pai C. Aubrey Smith, oficial britânico acusado de traição. O escritor David
Garth reduziu o número de irmãos para apenas dois os quais igualmente devem
limpar o nome do pai, o General Fletcher Blackwell (Robert Warwick). Os dois filhos
são Cash Blackwell (Victor Mature) e Rufe Blackwell (Glenn Langan). Uma trama
engendrada por Edward Leverett (Albert Dekker) faz com que uma falsa ordem militar
atribuída ao General Blackwell provoque o massacre do Forte Furnace Creek, sede do 6.º
Regimento de Cavalaria. O Capitão Walsh (Reginald Gardiner), comparsa de
Leverett na trama cumpre a absurda ordem de deixar o forte e uma caravana de
sitiantes desguarnecidos, à sanha dos apaches. O batedor da caravana observa que
“Isso não é uma ordem, é uma sentença de morte”. À espreita o chefe apache
Little Dog (Jay Silverheels) e seus guerreiros impiedosamente exterminam até o
último homem da caravana e queimam o Forte Furnace Creek, não deixando nenhum
sobrevivente. O General Blackwell é levado à corte marcial, senta-se no banco
dos réus e não suportando as injuriosas acusações falece em pleno tribunal
militar. Diante da tragédia a consciência pesada assombra o Capitão Walsh e faz
com que ele peça baixa do Exército e se refugie na cidade próxima de Furnace
Creek.
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Albert Dekker, vilão a quem todos obedecem. |
Farsa trágica - Os irmãos Cash e Rufe trilham
caminhos diferentes em suas vidas pois Cash e um jogador e pistoleiro, enquanto
Rufe é um Capitão do Exército formado em West Point. Ambos, no entanto, têm em
comum a meta de trazer à tona os fatos verdadeiros que levaram à humilhação e
morte do General Blackwell. Os irmãos, que há seis anos não se viam, chegam
anonimamente a Furnace Creek pois descobriram o paradeiro do ex-Capitão Walsh.
Os irmãos adotam os nomes fictícios de ‘Tex Cameron’ (Cash) e ‘Sam Gilmore’
(Rufe) e cada um, unilateralmente, quer resgatar a verdade. Edward Leverett é o
homem mais poderoso de Furnace Creek, controlando o sindicato dos exploradores
de prata da cidade. Para chegar a essa posição Leverett articulou a farsa que
culminou com uma ordem de Washington expulsando os apaches da rica região que
ele passou a controlar. Cash Blackwell/Tex Cameron infiltra-se na quadrilha de
Leverett, ganha a confiança do arrependido Walsh e extermina com o bando de Leverett,
não sem antes obter a confissão de Walsh.
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O apache Little Dog (Jay Silverheels). |
Tratado desrespeitado - O influente crítico Bosley
Crowther, do jornal ‘The New York Times’, ao comentar “A
Voz da Honra” disse que esse filme “era
apenas um mais um faroeste convencional entre os campeões do bem contra os
praticantes do mal”. Com sua crítica Crowther relegou “A Voz da Honra” à
condição de um rotineiro western ‘B’, mais um entre os 108 faroestes produzidos
em 1948 em Hollywood. Essa evidente má vontade com o gênero sempre existiu,
mesmo diante de um faroeste com complexo e bem desenvolvido roteiro, boa
produção da Fox e ótimo trabalho do elenco. Assim como ocorreu em “Sangue de
Heróis”, também produzido em 1948, “A Voz da Honra”, com roteiro de autoria de
Charles G. Booth e Winston Miller justifica a selvageria dos índios. Confinados
pelo governo norte-americano em Furnace Hills, os apaches vêem o tratado que o
próprio governo os obrigou a assinar ser desrespeitado pelo homem branco com a
consequente expulsão da tribo do local. Os homens brancos se apropriam daquelas
terras após a descoberta de ricos depósitos minerais, entre eles muita prata.
Aos apaches só resta lutar por seus direitos diante da cobiça dos invasores das
terras onde viviam há séculos. Está certo que depois de “O Caminho do Diabo” de
Anthony Mann e “Flechas de Fogo” de Delmer Davis, filmes de 1950, o cinema
norte-americano deixou de mostrar os índios como meros selvagens bons apenas
depois de mortos, como sentenciou o General Sheridan. Nem esse importante
detalhe Bosley Crowther percebeu. Aliás o iminente crítico não percebeu nada em
“A Voz da Honra”.
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Reginald Gardiner como o Capitão Walsh. |
Exemplo
de covardia no Velho Oeste - Algumas quadrilhas marcaram
fortemente os faroestes e a quadrilha comandada por Leverett (Albert Dekker) é
notável como perfeito retrato do poder em uma pequena cidade do Oeste. Laverett
é o que se pode chamar de ‘empreendedor inescrupuloso’ cuja perniciosa ação
recebe o aval do governo. Leverett alicia o Capitão Walsh (Reginald Gardiner) e
provoca a humilhação a um exemplar General que dedicou sua vida à caserna e às
batalhas. Esse é o modus operandis do
ganancioso Leverett numa cidade em que a Justiça é feita por ele próprio. Um
tribunal civil reunido para julgar Rufe Blackwell tem o júri composto por
cidadãos aparentemente de bem mas subjugados por Leverett. E o juiz comanda o
julgamento para agradar o poderoso Leverett. Não à toa o personagem Peaceful
Jones observa: “Chega uma hora na vida em
que o homem é meio avestruz”, lembrando daqueles que covardemente fecham os
olhos para os mais escabrosos fatos,aceitando-os covardemente. No entanto a peça-chave de “A Voz da
Honra” é o ex-Capitão Walsh, que depois de se vender a Leverett é assomado
pelos fantasmas dos tantos mortos no massacre do Fort Furnace. Walsh vê na
bebida a única saída para afogar seus remorsos. Walsh torna-se um morto-vivo
incapaz de um ato de coragem e hombridade com seu silêncio também a serviço de
Laverett. Teria o crítico do ‘The New York Times’ dormido durante a projeção de
“A Voz da Honra”? Tenho certeza que sim!
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O par romântico Colleen Gray e Victor Mature. |
Trama
complexa e bem conduzida - Bruce Humberstone realizou um ótimo
trabalho dirigindo “A Voz da Honra”, provavelmente o melhor filme de sua pouco
brilhante carreira. E fica-se a imaginar se nas mãos de um diretor mais
inspirado esse faroeste não seria hoje um clássico. Humberstone deu a “A Voz da
Honra” um ritmo compassado, com nada menos que duas sequências de tribunais,
que normalmente tornariam o faroeste estático. Mas não é o que acontece pois a
trama, visivelmente inspirada pelos tão em voga, em 1948, enredos-noir, envolve
o espectador. E há um pouco de tudo em “A Voz da Honra”, desde ataque índio,
perseguição a cavalo e o climático tiroteio, lembrando ainda a ótima sequência
passada no saloon. Nesta sequência o ardiloso Bird (fred Clark), assecla de Leverett, tenta
matar o assustado Walsh na mesa de pôquer. Se alguma coisa não funciona bem
neste faroeste é o romance entre Cash Blackwell e a mocinha Molly (Colleen
Gray). A 20th Century-Fox já havia reunido Victor e Colleen um ano antes, de
forma mais convincente, em “O Beijo da Morte”. Entende-se, porém, a necessidade
que havia de um par romântico nos filmes para satisfazer o público que sempre
queria se enternecer com o amor nas telas.
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Peaceful Jones (Charles Kemper) e sua cela móvel. |
Acorrentado
a uma cela móvel - O elenco de “A Voz da Honra” é
magnífico, especialmente pelo grande número de atores característicos que
apresenta. Destacam-se Robert Warwick como o general humilhado e Reginald
Gardiner como o pária Walsh. Muito bons também Albert Dekker, Fred Clark,
George Cleveland e Charles Kemper. O personagem ‘Peaceful Jones’, interpretado
por Kemper é impagável e inusitado. Peaceful vive preso por beber e armar
confusões, mas Furnace Hills não possui cadeia, o que faz com que o xerife
acorrente o simpático beberrão a um pesado tronco de árvore, verdadeira cela ao
ar livre. Mas Peaceful é fortíssimo e carrega seu tronco até mesmo para dentro
do saloon. Charles Kemper, o inesquecível ‘Uncle Shilloh Clegg’ de “Caravana de
Bravos” faleceu aos 49 anos de idade, em 1952, tendo participado de 36 filmes,
entre eles o faroeste “Céu Amarelo”. Ainda antes de se imortalizar como ‘Tonto’
na série de TV “The Lone Ranger”, Jay Silverheels é o apache Little Dog, com
participação determinante em “A Voz da Honra”. Victor Mature, para muitos um
inefável canastrão, comprova mais uma vez com sua boa atuação que foi um ator
injustiçado. Talvez mesmo o mais menosprezado de todos os atores. Colleen Gray,
que completou 90 anos de idade em 2012 e ainda está viva, tendo pouco destaque
em “A Voz da Honra”. Glenn Langan, aposta da Fox como galã nos anos 40, acabou
não vingando apesar da bela estampa e também por não demonstrar maior talento.
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Momentos de humor com Charles Kemper e sua cela móvel; abaixo à direita Victor Mature exibe impressionante destreza ao atirar as cartas no chapéu. |
Charles
Stevens em papel importante - Os fãs de faroestes ‘B’ vão reconhecer
entre outros rostos conhecidos os de Mauritz Hugo, George Chesebro, Si Jenks, Kermit
Maynard, Guy Wilkerson e muitos mais. Mas o que lava a alma dos fãs é ver na
tela o ator Charles Stevens. No cinema desde 1915, tendo atuado em “O
Nascimento de uma Nação”, Charles Stevens participou de mais de 200 filmes e
seriados, quase sempre interpretando personagens latinos ou índios. Ele é o
‘Indian Joe’ que agita Tombstone em “Paixão dos Fortes”, até levar uma
coronhada de Henry Fonda (Wyatt Earp), cena em que mal se vê o rosto de Charles
Stevens nessa obra-prima de John Ford. Em “A Voz da Honra” Charles Stevens tem
provavelmente o grande papel de sua carreira, aparecendo na tela muito mais que
na soma de dezenas e dezenas de filmes nos quais participou. Seu personagem
José Artego é quem assassina o ex-Capitão Walsh, perseguindo-o como um rato pelos
becos escuros de Furnace Creek e no tiroteio final é morto por Victor Mature.
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Charles Stevens finalmente em papel de destaque num faroeste.
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Linha
‘B’ da Fox - Com metragem de 88 minutos, em preto e branco, “A Voz da
Honra” foi rodado com orçamento reduzido da linha ‘B’ da Fox, o que mais ainda
valoriza suas muitas qualidades. A cinematografia coube a Harry Jackson e a insípida
música original teve a autoria de David Raksin. Ao diretor musical do estúdio,
Alfred Newman, deve-se a inserção de músicas conhecidas como “Bury me not on
the lonely prairie” e “Clementine”, curiosamente constantes também das trilhas
sonoras de “No Tempo das Diligências” e “Paixão dos Fortes”. Lançado pela 20th
Century-Fox em DVD, “A Voz da Honra” é daqueles faroestes que merecem ocupar
espaço em qualquer DVDteca de fãs de faroestes.
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Victor Mature e o mais desajeitado cinturão do Velho Oeste, mas também com
o mais cativante sorriso que um cowboy pode ter. |
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Acima Victor Mature e Colleen Gray; abaixo com Glenn Langan.
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Lobby-cards de "A Voz da Honra": acima Victor Mature e Glenn Langan; abaixo Mature com o vilão Albert Dekker. |
Esse eu não vi. Mas com sua indicação tornou-se obrigatório!
ResponderExcluirAbraço!
Grande Darci,
ResponderExcluirMais um Grande Post! Fico boquiaberto com a quantidade de informações, fotos e a riqueza de detalhes de suas resenhas, um dia quem sabe eu consiga escrever assim kkkk!
Parabéns!
Gostei muito de conhecer sobre esse filme, que até então eu desconhecia a existência! Será que foi lançado em DVD no Brasil?
Grande Abraço!
espetacular,
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