27 de julho de 2012

CINE SAUDADE - ROY ROGERS, O REI DOS COWBOYS, EM "MARIANA FOI AO CINEMA"


As lembranças dos heróis de infância insistem em permanecer
nas recordações de tantos senhores que, quando meninos,
corriam cheios de felicidade para as matinês aos domingos.
No cineminha pequeno e sem luxo eles se encontravam com os mocinhos
que preenchiam seus imaginários de emoções nos outros seis dias da semana.
Socos bem dados nos Roy Barcrofts e Harry Woods faziam delirar os garotos.
Mas só eles, os meninos, vibravam com galopes, tiros e afagos nos amados
corcéis? Engana-se quem pensa sim e o texto "Mariana foi ao Cinema",
de Cibele Rocha, liricamente nos mostra como meninas também gostavam
dos inesquecíveis faroestes e deles se lembram com a mais doce das nostalgias.

Elas desceram para a sessão das três. É a matinée. Uma tem trinta e nove anos, a outra oito. Eu as vejo conversar de igual para igual. A mais alta carrega a boneca na mão direita, presa pelo pés. A pequena diz que boneca é gente, vomita se continuar de cabeça para baixo. A argumentação entre as duas engata:
-- Então, Mariana, quem deve carregá-la, aninhada, é você que é a mãe.
-- E eu carrego como? Você gruda em mim. Na minha outra mão, essa que vai na parede, não consigo segurar, escorrega. Posso mudar de lado?
-- Não. Perto da sarjeta passam os carros. Na pressa, esbarram em você.
-- E se esbarrarem na boneca? A Rosa, mãe! Você salva?
Sei bem que a pequena não desistiu – boneca é no colo. Mas, eu perdi a conversa de vista. Atravessaram para a segunda quadra e, da minha janela que tem venezianas à antiga, falta-me o ângulo. Mais abaixo, depois do Colégio da Praça, está o cinema. Elas vão entrar lá. Foi promessa que a mais velha me contou:
-- Mariana, se você aprender a ler as horas, levo-a ao cinema. Estando comigo o bilheteiro deixa. Vamos ver filme de mocinho e bandido. O mocinho sofre, mas ganha.
-- Pode ser o Roy Rogers, mãe?
-- Claro que pode. Gosto dele.
Mais tarde, eu já dentro da sala de casa, ouvi a criança, de volta. Tinha voz de queixa:
-- Muito tiro, mãe. Podiam ter acertado um na Rosa. Ela já tinha andado ao contrário na sua mão, não podia sofrer de novo. Ia sair sangue. O Roy Rogers é mais bonito na revista. Gostei do cavalo dele. É alazão, não é mãe?
-- Alazão sim. E se chama Silver.
-- Mãe, quê isso? Silver é o cavalo do Zorro. É branco, inteirinho.
-- Ah! É.
-- Domingo que vem a gente volta? É filme de espada. O mocinho luta sem barulho de tiro. Daí a boneca pode dormir no cinema. Você compra entrada para ela?
-- Filha, filme assim se chama: de capa e espada.
Há pouco tempo, Mariana adulta, desenhista de quadrinhos, carreira longa e reconhecida, eu lhe contei essa sua primeira ida ao cinema: ela, a boneca Rosa e a mãe Camila, minha irmã caçula. Mariana se lembrava de tudo, mais do que eu.
Repetiu-me cada passo da caminhada das duas. Descreveu a sala de espera do Cine Odeon, piso de granilite e bancos de mármore. As cadeiras da platéia, em madeira que estalava quando o público se movimentava. O tapete bege por debaixo dos assentos, a passadeira em vermelho estampado nos corredores.
Contou-me, cena a cena, o Roy Rogers na tela vencendo os bandidos do assalto ao Trem Pagador. Ouvi o filme inteiro com direito à sonorização de boca. Junto da sobrinha, entusiasta dos heróis bons e inimigos maus, tive que assistir uns cinco DVDs: Cavaleiro Mascarado, Don Chicote, Roy Rogers, Zorro, Fantasma. Quase todos com muito tiroteio, é claro. E sem pipoca, pois ela não autoriza:
-- Mocinho e bandido, tia? Nada de comer. Silêncio e muito respeito.
Pedi Shane, um trecho que fosse. Nada feito.
-- Serve No Tempo das Diligências?
Justo eu que vejo primeiro a truculência e, só depois, o chapéu do John Wayne. E que gosto mesmo é do cinema de arte. Europeu de preferência. Na hora de eu me ir embora Mariana acrescentou:
-- Tocavam o Concerto de Grieg até que saísse a última pessoa da sala do Odeon. Aprendi uma transcrição para piano solo. Quer ouvir? É ótima.



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