Houve um tempo em Hollywood que roteirista era só roteirista e diretor era só diretor. O roteirista sequer era admitido nos sets de filmagem para não ficar dando palpites no trabalho do diretor. Alguns roteiristas não se conformando em ver suas histórias muitas vezes destruídas por diretores burocráticos, meros empregados dos estúdios, se rebelaram e decidiram passar para a direção. Ainda bem que isso aconteceu, pois o cinema ganhou diretores que escreviam magnificamente como Billy Wilder, John Huston e poucos outros. Um dos mais jovens desse grupo era Richard Brooks, que escrevia para o cinema desde 1942 e entre seus roteiros estavam os escritos para os clássicos “Os Assassinos”, (1946), “Brutalidade”, “Rancor”, e “Paixões em Fúria”. Em 1950 Richard Brooks chegou à direção, dirigindo quase sempre seus próprios roteiros, invariavelmente dramas como “Sementes de Violência”, e algumas vezes adaptando escritores importantes como Dostoiévsky em “Os Irmãos Karamazov”, Tennessee Williams em “Gata em Teto de Zinco Quente”, Sinclair Lewis em “Entre Deus e o Pecado” e Joseph Conrad em “Lord Jim”. Em 1965 Richard Brooks entendeu que era hora de filmar um western, ele que já havia escrito e dirigido “A Última Caçada” (The Last Hunt), com Robert Taylor, em 1956. Talvez cansado de levar tantos dramas para as telas, Brooks achou que devia realizar um verdadeiro entretenimento e escreveu, produziu e dirigiu “Os Profissionais”.
Jornais da época da Revolução Mexicana mostrando Raza, Rico Fardan e Dollworth. |
MISSÃO QUASE IMPOS-SÍVEL - O livro “A Mule for the Marquesa”, de autoria de Frank O’Rourke foi lançado em 1964 e o cinema já havia se aproveitado de uma outra história de O’Rourke intitulada “The Bravados” (“Estigma da Crueldade”). Richard Brooks adaptou a história com o título mais cinematográfico de “Os Profissionais” (The Professionals), com um grupo de quatro mercenários norte-americanos aceitando a quase suicida missão de resgatar Maria Grant (Claudia Cardinalle), esposa de Joseph W. Grant (Ralph Bellamy), um riquíssimo empresário dono de ferrovia. Ao preço de dez mil dólares cada um e liderados por Rico Fardan (Lee Marvin), o grupo de mercenários é composto pelo especialista em explosivos Bill Dolworth (Burt Lancaster), Hans Ehrengard (Robert Ryan), que entende de cavalos como ninguém e por Jacob Sharp (Woody Strode), expert em arco e flecha. Maria Grant (Claudia Cardinale), é a bela mulher que havia sido seqüestrada por um renegado mexicano chamado Jesus Raza (Jack Palance) que coincidentemente lutou na Revolução Mexicana ao lado de Fardan e Dollworth. Depois de ações de alto risco o quarteto consegue ‘salvar’ a mulher, entregando-a para o empresário. Os mercenários haviam descoberto que não houvera seqüestro algum e que Maria fugiu do marido para viver com Raza.
Lee Marvin, todas as armas; Woody Strode, um arco do seu tamanho. |
AVENTURA ALÉM-FRONTEIRA - A história pode parecer igual a tantas já vistas antes, mas “Os Profissionais” possui ingredientes insólitos que fazem dele um grande espetáculo cinematográfico. A começar pela reunião de um elenco notável de excelentes atores, diálogos brilhantes raramente vistos em um faroeste e momentos de ação da melhor qualidade. Quando o Velho Oeste se tornou mais civilizado, alguns envelhecidos personagens alugaram seus conhecimentos, coragem e espírito de aventura a causas passadas além do Rio Grande. Essas causas tinham inevitáveis conotações políticas, ou ideológicas reflexos da revolução mexicana. Como estamos já na primeira década do século XX esses homens diferem dos cowboys tradicionais, em nada lembrando os arquétipos que os westerns apresentaram à exaustão. Distantes dos modelos de Shane ou Will Kane os novos personagens são anti-heróis cínicos e amorais, mantendo daqueles personagens um certo código de ética revelado ao cumprir, a seu modo, a missão para a qual foram pagos. Fardan, o líder, adaptou-se melhor aos novos tempos sendo capaz de atirar com armas modernas e mais poderosas que um simples Colt ou uma Winchester. Enquanto isso o negro Jacob Sharp faz uso de um aprimorado arco-e-flechas. Juntos formam um quarteto de magníficos mercenários.
Burt em perigo; Palance a cavalo. |
AÇÃO INCESSANTE - Até a chegada ao reduto onde Raza e seus renegados vivem, os quatro passam por confrontos com homens de Raza. Num desses momentos Dollworth (Lancaster) é pendurado de cabeça para baixo enquanto um facão de 40 centímetros balança resvalando em seu nariz, até ser salvo pelos companheiros. A grande sequência de ação de “Os Profissionais”, o clímax do filme, deveria ser o resgate de Maria Grant, sequência magnificamente realizada pelo diretor Richard Brooks. Faltava, no entanto, a fuga da fortaleza de Raza e novamente Brooks brilha intensamente em mais duas sequências sensacionais, especialmente a derradeira, com participação de Lancaster novamente, Jack Palance e Marie Gomez (Chiquita). Se a idéia de Richard Brooks era divertir a platéia, conseguiu plenamente seu intento com essa série de eletrizantes e esplendidamente concebidas sequências. A imagem de Jack Palance galopando seu cavalo em diversas cenas de ação faz esquecer o estático e medroso cavaleiro de “Shane”. E mesmo Cláudia Cardinale, que não sabia montar teve que aprender quando sua dublê foi ferida durante uma explosão.
O estupendo Burt, com a língua afiada. |
OS MAIS MEMORÁVEIS DIÁLOGOS DE UM WESTERN - “Os Profissionais” não é apenas um faroeste para ser visto, mas também inteligentíssimo nos diálogos e nas digressões políticas ou filosóficas contidas nos discursos de Raza e do desavergonhado Bill Dollworth. E é o personagem de Lancaster que filosofa dizendo (em tempos de guerra do Vietnã): “Talvez haja no mundo apenas uma revolução, a dos homens bons contra os homens maus. A questão é saber quem são esses homens bons...”. Um primor o diálogo entre Raza e Dollworth, ambos feridos quando o personagem de Lancaster diz: “Fui ferido no traseiro, e você?” Raza ferido na virilha responde: “Cinco centímetros mais e... Mamacita!”, numa síntese poética de tão pura. Fosse relatar todas as frases notáveis e dignas de registro dos diálogos de “Os Profissionais” e haveria necessidade de uma postagem especial neste blog ou a própria transcrição dos diálogos desse western. Uma frase porém não pode deixar de ser lembrada, o diálogo da cena final, quando Grant (Ralph Bellamy) diz a Rico Fardan: “Você é um bastardo”, ouvindo como resposta pela inimitável voz de Lee Marvin “Sim, senhor. No meu caso um acidente de nascença; no seu, você próprio se fez um bastardo”. Na tradução do DVD em Português saiu erroneamente escrito: “Sou um desastre da natureza; mas o senhor venceu na vida sozinho”.
Maria Grant (acima) e Si-Si Chiquita. |
COMO TIRAR OS OLHOS DE CLAUDIA? - Brooks foi indicado para o Oscar como diretor e como roteirista, assim como o cinegrafista Conrad Hall foi também indicado, ambos derrotados, certamente porque a Academia nunca gostou de premiar faroestes, um gênero menor para os membros da arcaica entidade. A trilha musical de Maurice Jarre segue o modelo da criada por Elmer Bernstein para “Sete Homens e Um Destino”, e mesmo muito boa não tem a inspiração daquela composta para o filme de John Sturges. Burt Lancaster faz a alegria de seus fãs num trabalho fantástico de agilidade (e humor) nunca mais repetido pelos problemas de saúde que chegaram com a idade. Lee Marvin bastante contido está perfeito como líder do grupo é, de certa forma, obscurecido por Lancaster. Robert Ryan não tem maiores oportunidades e Woody Strode sequer precisa abrir a boca pois sua impressionante figura física fala por ele. Excelentes performances de Jack Palance como o ex-revolucionário e de Ralph Bellamy (lembrado sempre como Franklyn D. Roosevelt). Atração à parte a ‘mexicana’ Claudia Cardinale esplendorosamente sensual e a mexicana autêntica Maria (Marie) Gomez, a ‘Si-Si Chiquita’ que merecia melhor carreira em Hollywood. Maria Gomez seria vista depois em “Barquero”. Curiosidade a presença no elenco do brasileiro Nelson Sardelli fazendo uma ponta como bandolero de Raza. Sardelli era paulistano de nascimento, do bairro do Ipiranga e vivendo em Las Vegas tornou-se um misto de cantor-ator-namorado de Jane Mansfield.
Richard Brooks |
SAUDOSISMO JUSTIFICADO - “Os Profissionais” certamente deve um pouco a “Vera Cruz”, de Robert Aldrich e a “Sete Homens e um Destino”. Mas sem dúvida foi inspirador de “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch) de Sam Peckinpah que feito três anos depois acabou ofuscando inevitavelmente o western de Richard Brooks. Longe de ser demérito esse fato honra ainda mais “Os Profissionais”. E os saudosistas podem ao final de “Os Profissionais” lembrar que já não se faz mais faroestes como esse, mesmo porque não há mais diretores como Brooks e pior ainda, não haverá jamais um grupo de atores como Lancaster, Marvin, Ryan, Palance, Strode, Cardinale...
Maravilha de faroeste: tensão, aventura e muito talento. Juntar num só filme Ryan, Lancaster, Marvin e Bellamy é um presente dos céus.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Um belo filme americano(1966), com um ar de Spaghetti Western.
ResponderExcluirPra mim impossível não lembrar quando o vejo.
Um dos meus faroestes favoritos!
ResponderExcluirConheci nos anos 90 e o revi em 2003, 2007, 2010 e hoje.
Ação, ritmo, frases e diálogos, personagens, elenco, locações, fotografia, edição, história e roteiro de primeira linha!
Histórico parcial do filme na tv aberta:
1982 – 19/02 – 6ª – 21:10 – GLOBO – SUPERCINE – ESTRÉIA
1990 – 28/12 – SÁBADO – 01:05 – GLOBO – CORUJÃO
1992 – 25/04 – SÁBADO – 03:05 – GLOBO – CORUJÃO
1989 – 13/12 – 4ª – 21:45 – RECORD – QUADRA DE ASES
2008 – 01/06 – DOMINGO – 22:00 – REDE BRASIL – SESSÃO FAROESTE
2021 – 18/03 – 5ª – 00:30 – REDE BRASIL – QUINTA NOBRE