12 de março de 2012

MICHAEL PATE - ATRÁS DAQUELE ÍNDIO SE ESCONDIA UM IMENSO E VERSÁTIL TALENTO


Quando criança, em Drummoyne, na Austrália, o menino Edward John Pate assistia filmes de faroeste e depois se vestia de índio para brincar na rua. Enquanto seus amiguinhos queriam ser Tom Mix, Buck Jones, Tom Tyler, Rex Bell, Ken Maynard ou o grandalhão desajeitado chamado John Wayne, o pequeno Edward era sempre o pele-vermelha do grupo. Mal sabia o garoto que anos mais tarde interpretaria no cinema e na TV os lendários índios do Velho Oeste Vittorio, Gerônimo, Quanah Parker, Touro Sentado e Cavalo Louco. E além destes o menino iria interpretar muitos outros pele-vermelhas inventados para dar trabalho aos cara-pálidas nos faroestes, índios chamados Goklyia, Kotana, Four Horns, Watanka, Toriano, Tamusun, Chato, Strongbow, Puma, Crazy Bear, Yellow Robe, Raccuwan, Harry Two Horses, Running Horse e um apache Chiricahua chamado Sierra Charriba.

O jovem Michael
Pate em início
de carreira.
RÁDIO, TEATRO E CINEMA - Edward John Pate nasceu no dia 26 de fevereiro de 1920 em Drummoyne, cidade australiana. Como seus pais não puderam custear a faculdade o jovem desde os 15 anos começou a trabalhar, primeiro em Contabilidade, passando depois para uma empresa ligada às comunicações, sendo atraído pelo rádio. Aos 19 anos Edward adotou o nome de Michael Pate e começou a atuar, primeiro no rádio, em seguida no teatro e em 1941 fez sua estréia no cinema no filme australiano “Quatro Mil Cavaleiros”, fazendo três papéis diferentes, todos de pequena importância. O mundo estava em guerra, a Austrália apoiava os Aliados e a carreira de Michael Pate foi momentaneamente interrompida pois ele, como soldado, passou a atuar no grupo de artistas das forças armadas australianas que entretinha os soldados em meio às batalhas. Como soldado-artista Pate começou a escrever pequenas histórias para jornais e revistas chegando rapidamente às críticas de teatro, sempre com desenvoltura. Quando a guerra acabou Pate havia escrito diversas peças para teatro, uma delas uma adaptação da história “Bonaventure”, de autoria de Charlotte Hastings, peça em que Michael Pate também atuava. Os direitos cinematográficos da peça foram comprados pela Universal International e virou o filme “Agonia de uma Vida”, dirigido por Douglas Sirk, estrelado por Claudette Colbert e Ann Blyth, em 1951. Michael Pate que já era um nome conhecido na Austrália, tendo participado de outros dois filmes, decidiu tentar a sorte nos Estados Unidos, mercado de trabalho muito maior que o australiano.

Pate como o apache Vittorio e John Wayne
como 'Hondo Lane' em "Caminhos Ásperos".
PRIMEIRO WESTERN, PRIMEIRO ÍNDIO - Chegando em Hollywood Michael Pate recebeu um pequeno papel como ator no filme “Agonia de uma Vida”, atuando em seguida na aventura “Homens do Deserto”, estrelada pelo promissor Burt Lancaster. Seguiram-se então diversas participações de Michael Pate em filmes de gêneros diversos, sendo os principais “O Tirano”, com Charles Laughton”; “O Castelo do Pavor”, com Boris Karloff; “Ratos do Deserto”, com James Mason interpretando Rommel; “Júlio César”, com Marlon Brando como Marco Antônio; “Houdini, o Homem Miraculoso” com Tony Curtis como o famoso mágico; “Os Maridos da Mamãe”, com Greer Garson. Depois de 15 filmes em dois anos de Hollywood, Michael Pate atuaria pela primeira vez num faroeste, fazendo-o em grande estilo pois o filme foi produzido e estrelado pelo maior cowboy do cinema, John Wayne. Nesse western intitulado “Caminhos Ásperos” (Hondo), Michael Pate interpretou o chefe apache chiricahua Vittorio, primeiro de uma longa série de índios que ele viveria nas telas. “Caminhos Ásperos” fez enorme sucesso e Michael Pate foi tão convincente como o justo guerreiro Vittorio que dali em diante repetiria muitas vezes personagens nativos da América. Afinal, desde criança Pate vinha se preparando para esses papéis, inclusive escrevendo histórias nas quais os índios tinham vital importância. Uma delas, intitulada “Rope’s End”, foi levada ao cinema por John Sturges como “A Fera do Forte Bravo” (Escape from Fort Bravo), western estrelado por William Holden.

Na foto acima, à direita, Pate no primeiro
007 das telas; depois como 'Pachacutec'
 em "O Segredo dos Incas", com
Yma Sumac, Nicole Maurey,
Thomas Mitchell e Charlton Heston.
ATOR PARA QUALQUER ETNIA - Michael Pate já era conhecido na Austrália como um ator de múltiplos talentos. O mesmo passou a ocorrer nos Estados Unidos, onde chegou acompanhado pela esposa Felippa Rock, com quem se casara em 1951. Felippa era filha do produtor Joe Rock que entre outros filmes produzira muitos dos curtas-metragem de Stan Laurel e Oliver Hardy, antes de se radicar na Inglaterra com sua empresa Rock Productions. Além de escrever, dar aulas de interpretação e participar de filmes, Michael Pate atuava também no teatro e seu maior sucesso nos palcos norte-americanos foi com “Medéia”, que permaneceu dois anos em cartaz tendo Judith Anderson como protagonista. O chefe apache Vittorio criado por Pate foi decisivo na carreira do ator australiano porque nessa interpretação pode-se perceber a força transmitida por Pate ao personagem. Nos próximos filmes, Michael Pate foi visto em muitas outras etnias, invariavelmente ameaçando o herói, como em “O Segredo dos Incas”, com Charlton Heston; “Ricardo Coração de Leão”, com Rex Harrison; “O Cálice Sagrado”, com Paul Newman; “O Bobo da Corte”, com Danny Kaye; “O Assassino anda Solto”, com Joseph Cotten; “A Descarada”, com Jane Russell; ”Congotanga, Refúgio dos Proscritos”, com Virginia Mayo; “Sangue Sobre a Terra”, com Rock Hudson; “Desert Hell”, com Brian Keith; “Hong Kong Confidential”, com Gene Barry; “A Flor que não Morreu”, com Audrey Hepburn. Ainda em início de carreira, Michael Pate fez parte do elenco que pela primeira vez levou ao ar o agente 007 James Bond, criado por Ian Fleming. Foi no dia 21 de outubro de 1954, no programa Climax!, episódio intitulado “Cassino Royale”, com Barry Nelson interpretando James Bond, Peter Lorre, Linda Christian e Michael Pate nos papéis principais.

Pate ao lado de Sidney Poitier, Rock Hudson e Walter Fitzgerald;
Pate como padre com Greer Garson; no centro com Basil Rathbone e
 Cecil Parker; Pate com Boris Karloff; nas fotos abaixo Pate com Charles
Laughton e na última foto com Laurence Harvey e George Sanders.

Michael Pate como oficial da Cavalaria com Randolph
 Scott; no seriado de TV "Hondo", com Ralph Taeger;
com Wayne Mallory e Edward Platt em "Represália"
(Wayne mallory era irmão de Guy Madison).
 O PISTOLEIRO-VAMPIRO - “Caminhos Ásperos” abriu caminho para Michael Pate especialmente nos faroestes que seriam uma constante em sua carreira e depois de atuar com John Wayne prosseguiu nesse gênero com “Obrigado a Matar” (A Lawless Street), “O Fantasma do General Custer” (7th Cavalry) e “Um Homem de Coragem”, os três estrelados por Randolph Scott; “Quando as Pistolas Decidem” (The Oklahoman) e “Audácia de um Estranho” (The Tall Stranger), ambos com Joel McCrea; “Represália” (Reprisal!), com Guy Madison. Em 1959 Michael Pate interpretou o pistoleiro-vampiro Drake Robey em “Sanha Diabólica” (Curse of the Undead), faroeste de pequeno orçamento dirigido pelo desconhecido Edward Dein. O ator principal do elenco desse provável primeiro horror-western é Eric Fleming, mas Michael Pate é quem atrai todas as atenções como o sinistro pistoleiro que só poderia ser morto por uma bala com o desenho de uma cruz, o que foi feito por Fleming. Comentando “Sanha Diabólica” em 1975, Rubens Ewald Filho classificou o filme como Sem Interesse, porém escreveu na sinopse: “Terror no Faroeste. Pistoleiro-vampiro ataca colonos. Um barato!” Hoje “Sanha Diabólica” é um cult que todo fã de faroestes gostaria de ver ou rever.

O faroeste-cult com Michael Pate como pistoleiro-vampiro carregando
Kathleen Crowley e depois ensinando a Kathleen a atirar.


Michael Pate na TV em "Viagem ao Fundo do Mar",
ao lado de  David Hedison e Richard Basehart;
abaixo com Martin Landau.
ROUBANDO O TÍTULO DE CHARLTON HESTON - Eric Fleming era o astro da série de TV “Rawhide”, ao lado de Clint Eastwood, série em que Michael Pate atuou em diversos episódios, um deles com história de sua própria autoria. Excetuando Bonanza, Pate atuou incansa-velmente em quase todas as séries westerns de televisão e também em muitas séries não-westerns, diminuindo um pouco seu trabalho no cinema. Ainda assim atuou em “A Bela e a Fera”, com Mark Damon; “A Torre de Londres”, com Vincent Price; “Tambores da África”, com Frankie Avalon; “O Herói do PT-109”, com Cliff Robertson; “Amor Violento”, com Jeffrey Hunter; “Dominique”, com a freirinha que cantava interpretada por Debbie Reynolds. Os faroestes que contaram com Michael Pate no elenco nos anos 60 foram “Comprei uma Escrava” (Walk Like a Dragon), com Jack Lord; “Os Três Sargentos”, com Frank Sinatra e Dean Martin; “Heróis da Polícia Montada” (The Canadians), com Robert Ryan; “Califórnia”, com Jock Mahoney; “Avanço para a Retaguarda” (Advance to Rear), com Glenn Ford; “O Grande Massacre” (The Great Sioux Massacre), com Joseph Cotten. Dez anos depois do primeiro encontro com John Wayne, Michael Pate voltaria a atuar com o Duke na produção da Batjac “Quando um Homem é Homem” (McLintock!). Em 1965 Michael Pate atuou em “Juramento de Vingança” (Major Dundee), de Sam Peckinpah, estrelado por Charlton Heston. Curiosamente, na Itália e na Alemanha esse épico foi exibido com o título “Sierra Charriba”, o sanguinário apache interpretado por Michael Pate.

Pate com Duke em "Quando um Homem é Homem";
abaixo como o terrível Sierra Charriba,de Sam Peckinpah.

Pate com Mel Gibson; numa cena
de "Mad Dog Morgan" e abaixo
na série de grande sucesso na TV
australiana "Matlock Police".
LANÇANDO MEL GIBSON - No início dos anos 70, aos 50 anos de idade, Michael Pate retornou à Austrália e já em 1971 emplacou um dos maiores sucessos da TV australiana com a série “Matlock Police”, que ficou no ar por quatro anos, com um total de 192 episódios produzidos. Por sua atuação em “Matlock Police” Michael Pate recebeu o Penguin Award, prêmio máximo da televisão da Austrália. Em seu país Pate redobrou suas atividades, escrevendo sem parar, desde roteiros, peças para teatro e livros, entre eles “The Film Actor” e outro falando de sua experiência como soldado na II Guerra Mundial. Entre os filmes em que atuou nesse período australiano estão “Mad Dog Morgan”, história do bandido que aterrorizou a Austrália por volta de 1850, com Morgan interpretado por Dennis Hopper. Em 1979 a graciosa Piper Laurie foi também filmar na Austrália, num filme escrito e dirigido por Michael Pate intitulado “Tim – Anjos de Aço”. Quem interpretou Tim, um retardado mental que se relaciona com uma mulher mais velha (Piper), foi um jovem ator australiano chamado Mel Gibson que por sua atuação nesse filme recebeu do Australian Film Institute o Prêmio de Melhor Ator daquele ano. Em seguida Gibson filmou “Mad Max” e se tornou estrela internacional, devendo muito a Michael Pate.

MERECIDA HONRARIA - Michael Pate despediu-se do cinema em 1986 com o filme rodado na Austrália “Death of a Soldier”, estrelado por James Coburn. Pate porém nunca deixou de escrever, mantendo inclusive uma coluna sobre cinema num grande jornal australiano e ocupando-se com comerciais e narração de documentários com sua bonita voz. Michael e seu filho Christopher Pate chegaram a atuar juntos na peça “Mass Appeal”, que permaneceu um ano em cartaz no prestigioso Sidney Opera House. Em entrevista dada quando completou 80 anos, Michael Pate declarou que suas maiores influências como ator foram Spencer Tracy, Paul Newman e Laurence Olivier. Disse ainda que o filme que mais gostou de fazer foi “Caminhos Ásperos”. Entre os muitos prêmios recebidos por Michael Pate o mais importante foi sem dúvida a Order of Australia Medal, honraria que apenas figuras ilustres recebem naquele país. Michael e sua esposa Phelippa permaneceram casados por 57 anos, até o falecimento do ator em 1.º de setembro de 2008, por pneumonia e infecção pulmonar, aos 88 anos de uma vida inteiramente dedicada às artes e boa parte aos faroestes.
Nas fotos à direita, com a atriz Kathleen Crowley;
com o filho também ator Christopher Pate; e aos 80 anos.



3 comentários:

  1. Quem poderia dizer que o ultimo disparo dado no filme Obrigado a Matar, por Randy, foi dado em Michael Pate? Um homem do cinema que acabo de conhecer muito mais profundamente, e que teve atuação fundamental nesta bela arte.

    Jesus! Como pode ser? Como alguém que tantas vezes vi travestido de indigena, atuando em tantos filmes, sendo um pistoleiro terrivel, teve todo este lindo passado?!

    Fico pasmado de verdade! Isto porque, muito antes de assistir a Obrigado a Matar, que é de 1955, eu já tinha assistido a Represália, de Sherman, com Guy Madison, e que e de 1956.

    Por pura coincidencia, aquele fora da lei que queria ver Madison morto por enforcamento em Represalia, por um crime que, acho, ele mesmo, o Pate, cometeu, sua imagem de um bom fora da lei, e com um otimo desempenho, ficou marcado em mim. E olhe que isto foi lá por 1957/58, quando eu ainda tinha 13/14 anos. Mas nunca esqueci dele e sua ganancia para ver Madison fora de cena. Acho que era um problema com um rancho. Mas isto não importa.

    E quando o vi como o pistoleiro contratado para matar Randy em Obrigado a Matar, recordei imediadamente dele, de Represália.
    Então disse para mim; nosso heroi Randy não vai pegar moleza com este bandido. Ainda mais que ele chegou com ares de terrível, de matador selecionado para o serviço, e incitador às desordens na cidade e tudo o mais.

    E agora vejo esta bela reportagem com ele e tudo me volta à cabeça.
    E ele tem sim um perfil perfeito para fazer indigenas. O que fez em muitas oportunidades, conforme narra nosso editor e que assisti a quase todos estes.

    Mais uma boa materia do Mania, feita com muitos detalhes, fotografias e mostrando para muitos, como eu, coisas que desconhecia.
    Parabens ao nosso editor. Adorei tudo isto.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  2. Revendo Caminhos Ásperos, lembrei-me daquele rosto em um certo faroeste que o Pate fazia um vampiro. Por isso é que eu tenho hoje uma cópia de Sanha Diabólica.

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  3. Assisti muitos dos filmes estrelados por Michael Pate, e, independente da trama, torcia para que ele se desse bem, o que nem sempre acontecia, pois na maioria de seus papeis não tinha um final feliz.

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