Todos tinham fama de beberrões: Frank Sinatra, Lee Marvin, Robert Mitchum e mais que todos Broderick Crawford. Stanley Kramer conseguiu juntar os quatro em seu filme “Não Serás um Estranho” (1955), mas o estranho ali era o abstêmio Kramer. Sinatra sempre abusado, certo dia no set de filmagens cismou em provocar Broderick Crawford que tinha o dobro do tamanho do ‘The Voice’. Crawford feito um touro foi para cima de Sinatra, ergueu-o pelas golas e atirou o moço de olhos azuis contra a parede. Não satisfeito Crawford arrancou a peruca que Sinatra já usava em 1955 e passou a mastigar aquele topetinho. Frank fugiu em disparada e Crawford ficou com a peruca presa na garganta até conseguir expeli-la com a ajuda de Marvin e Mitchum. O desesperado Stanley Kramer suspendeu as filmagens até que chegasse uma nova peruca no dia seguinte. Quem pensou que depois disso o quarteto parou de beber errou feio.
Você se trataria com os médicos Lee Marvin, Frank Sinatra e Robert Mitchum? Abaixo Marilyn Monroe e Joe DiMaggio |
A TRISTEZA DE JOE DiMAGGIO - Nessa mesma noite estavam todos (Sinatra sem peruca) num night-club comemorando as pazes feitas entre Francis Albert e Broderick. Haviam bebido metade do estoque da casa quando notaram Joe DiMaggio num canto em uma mesa, sozinho, melancólico, deprimido e um pouco menos bêbado que o quarteto. O assunto do momento era que DiMaggio havia sido abandonado recentemente por Marilyn Monroe. Sinatra que era amigo de DiMaggio levou Broderick, Marvin e Mitchum até a mesa do Pelé do Baseball norte-americano para consolá-lo. DiMaggio bastante aflito contou que Marilyn estava fugindo dele, que não queria vê-lo nem pintado de ouro e ainda por cima DiMaggio não sabia onde ela estava e ele desesperado precisava pelo menos olhar para ela para não morrer de amargura. Sinatra então falou que sabia onde Marilyn estava, tomaram a saideira e foram todos até o referido local, um prédio de apartamentos num bairro chamado Formosa, em Los Angeles. Subiram até o apartamento 3-A e Sinatra falou para DiMaggio que Marilyn estava lá dentro. DiMaggio estava tão ansioso que sequer perguntou a Frank como ele podia saber que Marilyn se encontrava lá. Broderick, Marvin e Mitchum se entreolharam pensando: “Esse magrelo é fogo!” Tocaram a campainha e ninguém respondeu. DiMaggio então bateu com força na porta e nada, o que o levou a pensar que Marilyn pudesse ter se suicidado.
O cirurgião Broderick Crawford |
A DELICADEZA DE BRODERICK CRAWFORD - O desespero tomou conta de todos e Broderick estabanadamente empurrou o grupo para o lado, se afastou três passos e feito um tanque de guerra foi em direção à porta trancada, derrubando-a. No meio da sala, completamente aturdida estava uma mulher com pelo menos três vezes a idade de Marilyn que começou a gritar freneticamente por socorro. Percebendo que erradamente haviam invadido um domicílio, o que era crime grave, todos saíram correndo escadas abaixo. Em minutos a Los Angeles Police Department estava no local e dois officers diante do apartamento sem porta. Lá dentro uma senhora idosa e completamente surda (mas cujas pilhas de revistas ‘Modern Screen’ e ‘Movieland’ indicavam que gostava de cinema) gritava que seu apartamento havia sido invadido por Frank Sinatra, Robert Mitchum, Broderick Crawford, Lee Marvin e ainda por Joe DiMaggio, “aquele marido de Marilyn Monroe”. Os policiais e os vizinhos que estavam no corredor decidiram chamar uma ambulância pois perceberam que se tratava de um caso grave de demência.
Broderick com John Derek (acima); e com Robert Stack (abaixo) |
NASCE UM AUTÊNTICO HOMEM MAU - Histórias como essas é que não faltam na vida de William Broderick Crawford, nascido na Filadélfia em 9 de dezembro de 1911, filho de atores do teatro vaudeville. Broderick seguiu a carreira dos pais e ainda jovem estreou na Broadway, chamando a atenção quando interpretou, em 1938, o personagem ‘Lennie’ em “Of Mice and Men”, de John Steinbeck, peça que no ano seguinte seria levada ao cinema com o título de “Carícia Fatal” com Lon Chaney Jr. como ‘Lennie’ e ainda Burgess Meredith no elenco. Mas não demorou muito para o robusto Broderick Crawford chegar ao cinema e em 1939 estava no elenco de “Beau Geste”, estrelado por Gary Cooper. Com seu tipo abrutalhado Broderick sabia que jamais faria concorrência a Gary Cooper, Henry Fonda, Tyrone Power, Robert Taylor e outros galãs e aceitou naturalmente papéis de criminosos ou policiais e xerifes ou bandidos em faroestes. Em 1940, em “A Pecadora”, com Marlene Dietrich, Broderick mostrou sua força para o jovem John Wayne. Nesse mesmo ano Broderick interpretou Bob Dalton em “A Vingança dos Daltons” (When the Daltons Rode), com Randolph Scott; depois enfrentou Franchot Tone no western “Trail of the Vigilantes”; Broderick foi um Texas Rangers ao lado de Anthony Quinn em “The Texas Rangers Rides Again”. Em 1941 foi a vez do western “The Badlands of Dakota”, estrelado por Robert Stack. Broderick esteve outra vez ao lado de Stack em “Falsos Patriotas” (Men of Texas), em que o falso patriota não era outro senão o próprio Broderick. Em “O Último Malfeitor” (Bad Men of Tombstone) Crawford foi, claro, malfeitor ao lado de Barry Sullivan, filme de 1949, ano que seria o mais importante da carreira de sua carreira como ator.
Crawford como Willy Stark (acima) e ao lado do "Ten-Four" em "Patrulha Rodoviária", série de TV |
OSCAR, FELLINI E PATRULHEIRO - Na década de 40 Broderick Crawford fez um pouco de tudo, de filmes de terror como “O Gato Preto”, com Basil Rathbone a comédias como “Um Beijo no Escuro”, com David Niven. Em 1949 Broderick atuou em “Noite Após Noite”, com Ronald Reagan e em “Anna Lucasta”, com Paulette Godard, antes de seu maior momento no cinema que foi em “A Grande Ilusão” (All the King’s Men). Nesse drama dirigido por Robert Rossen sobre a corrupção política, Broderick Crawford interpretou de forma arrebatadora o político Willie Stark, atuação que lhe valeu o oscar de Melhor ator daquele ano. Outro excelente desempenho de Broderick foi em “Nascida Ontem”, com William Holden e Judy Holliday (Oscar de Melhor Atriz). Broderick fez a seguir “Desejo Humano’, Fritz Lang, com Glenn Ford e o comentado acima “Não Serás um Estranho”. Federico Fellini, que começava a se tornar famoso e respeitado, havia se tornado admirador de Broderick Crawford após vê-lo em “A Grande Ilusão” e convidou o ator para o papel principal de “A Trapaça” (Il Bidone) e o filme se tornou um clássico da fase inicial da carreira do regista italiano. Em 1955 Broderick Crawford recebeu uma irrecusável proposta para interpretar o Inspetor-Chefe Dan Mathews num seriado de TV intitulado “Highway Patrol” (Patrulha Rodoviária) que seria um enorme sucesso permanecendo no ar por quatro temporadas, até 1959 e sendo a série pioneira na TV a utilizar carros-patrulhas e motocicletas em perseguições nas estradas. Aqui no Brasil o produtor Ary Fernandes não perdia um episódio dessa série e certamente Broderick Crawford foi sua inspiração para criar “O Vigilante Rodoviário” com o Inspetor Carlos, nosso querido Carlos Miranda. Broderick Crawford teria ainda duas outras séries na TV ("King of Diamonds" em 1961 e "The Interns" em 1970), ambas sem alcançar sucesso.
Glenn Ford e Broderick Crawford em "Gatilho Relâmpago" mostrando os atores quase da mesma idade; abaixo Clark Gable, Ava Gardner e Broderick em "A Estrela do Destino" |
AS MARCAS DO VÍCIO - Broderick Crawford era mais velho que Glenn Ford apenas quatro anos e alguns meses, mas aparentava ser quase pai de Glenn Ford em “Gatilho Relâmpago” (The Fastest Gun Alive), excelente faroeste em que se defrontaram em 1956. O alcoolismo estava derrotando Broderick que aos 45 anos de idade parecia ter quase 70. Mesmo assim Broderick conseguia papéis característicos, especialmente em westerns como “A Estrela do Destino” (Lone Star), com Clark Gable e Ava Gardner; “Os Turbulentos” (The Last Posse), com John Derek; “O Sabre e a Flecha” (Last of the Comaches), em que Broderick comandou o elenco da ótima versão dirigida por André De Toth para o tantas vezes filmado “A Patrulha Perdida”, de John Ford.
Broderick acima com Janet Leigh em "Kid Rodelo"; abaixo numa contrafação e no western europeu de Audie Murphy |
A FASE EUROPÉIA - Um dos primeiros atores norte-americanos a filmar na Itália, Broderick Crawford era bastante conhecido no continente europeu. Lá atuou em filmes de diversos gêneros como “La Vendetta di Ercole”, na Itália; “Square of Violence”, na Iugoslávia, cercado pelas maravilhosa bergmaniana Bibi Anderson e pela linda Valentina Cortese; “El Valle de las Espadas”, na Espanha, filme com elenco heterogêneo composto por Cesar Romero, Frankie Avalon e Alida Valli; “No Temas la Ley”, também na Espanha, com a brasileira Marisa Prado no elenco; é dessa fase o faroeste “Kid Rodelo”, co-produção norte-americana-espanhola com Janet Leigh e Don Murray; o nome de Broderick Crawford era a atração maior do faroeste feito em co-produção espanhola-italiana “Per un Dollaro di Gloria”; encerrando esse ciclo europeu, Broderick Crawford intimidou o mocinho Audie Murphy no pouco conhecido western europeu de Murphy, filme que se chamou “Texano, o Bandoleiro Temerário" (The Texican) e foi filmado na Espanha, com direção de Lesley Selander. Retornando aos Estados Unidos, Broderick Crawford, como muitos outros atores veteranos trabalhou para o produtor A.C. Lyles em “Depois do Massacre" (Red Tomahawk), ao lado de Howard Keel, Scott Brady e Don ‘Red’ Barry.
Crawford como J. Edgar Hoover |
J. EDGAR HOOVER - No final dos anos 60 e nos anos 70, o precocemente envelhecido Broderick Crawford atuou predominantemente como convidado em episódios de séries de TV. Em 1976 Crawford foi um dos muitos atores veteranos que compuseram o elenco da comédia “Won-Ton-Ton, o Cão que Salvou Hollywood”. Quando Hollywood se decidiu a abordar a misteriosamente polêmica vida do eterno diretor do FBI com o filme "Os Arquivos Secretos de J. Edgar Hoover", em 1977, Broderick Crawford foi escolhido para interpretar Hoover. Seria bastante oportuno o (re)lançamento desse filme biográfico para efeito de comparação com o novo filme de Clint Eastwood "J. Edgar" sobre Hoover. Um atestado da fama e respeito que Broderick mereceu do mundo cinematográfico ocorreu com a comédia romântica "Um Pequeno Romance", de George Roy Hill, de 1979, estrelada por Laurence Olivier e Diane Lane, em que Broderick Crawford interpreta a si mesmo. O último trabalho de Crawford no cinema foi em 1982, em “O Luar dos Amantes”, curiosamente estrelado por Matt Dillon. Broderick Crawford foi casado três vezes, tendo dois filhos com a primeira esposa. Nos últimos anos de sua vida Broderick Crawford estava com a saúde bastante debilitada e após sofrer uma série de ataques cardíacos veio a falecer em 26 de abril de 1986, aos 74 anos. Se vivo Crawford completaria cem anos de idade hoje, 9 de dezembro. Broderick Crawford deixou sua marcante presença no cinema, com os tipos que criou, sempre com brilho tão intenso quanto a rudeza e brutalidade que incutia em seus personagens.
Ótimo artigo, Darci. Humor com muita informação na dose certa. Na homenagem a Crawford, destaco Gatilho Relâmpago, bem lembrado e analisado detalhadamente por ti em post anterior:
ResponderExcluir"Gatilho Relâmpago - O Ego de um Pistoleiro."
Darci;
ResponderExcluirPelo menos naquela época, 1949, os Oscar's iam,verdadeiramente, para quem de real direito. Não dessem aquele premio a Broderick naquele ano e atestaríamos que os erros já vinham de antigamente. Mas, acertaram em boa hora. Jus, fez o grandalhão e beberrão Crawford, pois seu desempenho em A Grande Ilusão é merecidissimo. E digo mais; não sei se John Ireland ganhou o premio de coadjuvante, porque era merecido tb.
Porém, com todos seus porres e brutalidade, o grandalhão era um bom ator. Em Nascida Ontem ele esteve muito melhor que Holden. E se voltassem a lhe premiar não seria qualquer descompasso da Academia.
Independente disso ele esteve ótimo em O Sabre e a Flecha, Gatilho Relampago e até em A Estrela do Destino, onde a bela Ava dava o ar de sua beleza incomparável.
Por tudo o que o homenzarrão bebeu na vida, até que o destino lhe foi bendito, fazendo-o viver mais de setenta. Isto porque vi muitos fenecerem muito antes disso e por muito menos.
jurandir_laima@bol.com.br
Jurandir
ResponderExcluirA tal da academia de artes de Hollywood, aquela que distribui o prêmio Oscar foi insuperável em injustiças. só para você ter uma idéia, Rastros de Ódio não foi lembrado para nadinnha... E o que não falta são injustiças. Mas o de Crawford foi merecido, até porque se ele não ganhasse seria capaz de tomar um porre...
ola; gosto de faroeste e estou procurando um filme com esta sinopse: para atravessar um caminho estreito rochoso cheio de cobras e, sendo perseguidos por bandidos ,precisa amarrar ervas nas patas dos cavalos e os perseguidores não sabendo disto ,são atacados por elas(cobras) - Pergunto qual o nome deste filme?????????-- obrigado
ResponderExcluirParabéns Darci,excepcional!gostava muito de Glen Ford,certa feita quase encontrava com êle no Rio,pouco antes de sua morte
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