Era para custar 1,8 milhão de dólares mas acabou custando seis milhões de dólares. Era para ser rodado em seis semanas mas levou seis meses para as filmagens serem concluídas. Era para ter uma metragem normal, próxima dos 120 minutos mas a primeira versão tinha quatro horas e 42 minutos de duração. Era para ser dirigido por Stanley Kubrick mas quem assumiu a direção foi o ator principal que era também dono da Pennebaker, a produtora do filme. Kubrick foi despedido por ele. Era para ter Spencer Tracy num dos papéis principais mas por imposição do dono da Pennebaker esse papel acabou nas mãos do amigo Karl Malden. Em “A Face Oculta” (One-Eyed Jacks) Marlon Brando teve seu momento de Erich Von Stronheim, diretor vienense cujas excentricidades o levaram a nunca mais dirigir um filme. E curiosamente o mesmo aconteceu a Brando que nunca mais voltou à direção, ainda que tenha realizado um western único, diferente de tudo que já havia sido feito no gênero. (Para outras informações sobre “A Face Oculta”, leia neste blog os posts ‘O Maior Filme de Todos os Tempos’ e ‘A Face Oculta de Marlon Brando – Seu fascínio por Belezas Exóticas’).
UM VELHACO TRAIDOR - A novela “The Authentic Death of Hendry Jones”, de autoria de Charles Neider serviu de base para os roteiristas Calder Willingham e Guy Trosper (e ainda Rod Serling e Sam Peckinpah não créditados) contarem os destinos de dois ladrões de bancos que após praticarem um assalto em Sonora, no México, se separam pois só havia um cavalo. E a montaria fica com o ladrão Dad Longworth que ao invés de retornar com outro cavalo para salvar Rio, o bandido mais jovem, decide fugir sozinho com o dinheiro roubado. Rio é preso e cumpre cinco anos de prisão em Sonora jurando vingança a cada dia. Quando finalmente Rio é libertado forma outro bando para assaltar bancos até chegar à pequena cidade onde Dad passou a viver. Casado com uma mexicana, com uma jovem enteada e com o cargo de Sheriff, Dad recebe Rio que simula desconhecer a traição do ex-amigo. Após conquistar a confiança de Dad, Rio engravida sua enteada Louisa (Pina Pellicer) e antes de concretizar sua vingança Rio é preso por Dad que lhe quebra a mão direita. Após longo período de recuperação Rio procura mais uma vez o ex-amigo traidor para o ajuste de contas definitivo.
Louise (Pina Pellicer), a vítima de Rio (Brando) |
SÁDICA VIN-GANÇA - A intensidade dramá-tica desenvolvida pelo tema da vingança em “A Face Oculta” lembra bastante os westerns de Anthony Mann, exacerbada pelo sadismo físico e psicológico que Brando enfatiza em diversas cenas. Dad (Malden) era mais que um amigo para Rio (Brando), um pouco como um pai como sugere o apelido o que explica porque a deslealdade não podia ser esquecida. Quando Chico Modesto (Larry Duran), amigo de Rio lhe diz para esquecer o sentimento de vingança, Rio responde: “Mais cedo ou mais tarde vou encontrá-lo. E se ele estiver morto vou encontrá-lo morto”. A vingança se delinea de forma cruel com Rio seduzindo a jovem Louisa (Pina Pellicer) e em seguida a desprezando, forma de atingir Maria Longworth (Katy Jurado), mãe da moça e mais ainda o próprio Dad. Porém Dad é quem passa a se considerar traído e dá a Rio uma atroz lição para não mais ser esquecida. O ódio de Rio é mais forte que sua própria dor e Dad comete o erro de não tê-lo matado quando teve a oportunidade, pois a única forma de impedir a vingança de Rio é tirando-lhe a vida. Poucas vezes num western foi vista determinação igual, implacável e estóica como a de Rio. Mal comparando, em “Estigma da Crueldade” e em “Duelo de Titãs” as razões dos personagens interpretados por Gregory Peck e Kirk Douglas eram infinitamente mais bem fundamentadas. Em “A Face Oculta” a motivação de Rio é a perda do amigo-pai.
O emocionante duelo final |
A SOMBRA DE PECKINPAH - Não se sabe o que restou das páginas escritas por Sam Peckinpah para o roteiro deste western, mesmo porque o lápis de Brando retificou página por página, mas percebe-se na relação entre Rio-Dad a mesma amizade quase filial que seria vista mais tarde em “Pat Garrett and Billy the Kid”. Por razões históricas quem morre neste último é Billy the Kid, enquanto é Rio quem não perdoa o ex-amigo mais velho Dad Longworth. E o México que muitas outras vezes estaria presente em filmes de Peckinpah é palco da ação de “A Face Oculta”, com muito da cultura e costumes mexicanos. Assim como Peckinpah, Brando era também fascinado pelas coisas do México, tendo inclusive se casado com Movita Casteñada, atriz mexicana. Terminadas as filmagens de “A Face Oculta”, a Paramount que co-produziu o filme, não aceitou o final em que Louisa (Pina Pellicer) é alvejada e morta por uma bala perdida disparada pelo moribundo Dad Longworth na sequência após o duelo entre o xerife e Rio. Quase um ano depois Brando e Pina Pellicer tiveram que retornar a Monterey e filmar uma sequência de final feliz numa imposição absurda que maculou um filme trágico encerrado com o clássico otimismo hollywoodiano. Nada disso porém consegue tirar o brilho da meticulosa direção de Marlon Brando, especialmente ao criar uma cena de intensa emoção, digna de Hitchcock, quando da fuga de Rio da cadeia. Simplesmente magistral.
O MAR DE MONTEREY - Embora a edição final que sacrificou duas horas de filme tenha comprometido a unidade geral de “A Face Oculta”, o resultado é brilhante com sequências esplendidamente realizadas. Este não foi o primeiro faroeste rodado tendo o oceano por cenário. Antes houve, por exemplo, “E o Morto Venceu” (Gun Battle at Monte Rey), com Sterling Hayden e Lee Van Cleff, também com sequências à beira-mar. Poucos westerns no entanto foram tão plasticamente belos como “A Face Oculta”, com magnífica fotografia de Charles Lang Jr. Tendo sido diretor de fotografia de “A Conquista do Oeste”, “Sem Lei e Sem Alma”, “Duelo de Titãs” e “Sete Homens e um Destino”, entre outros grandes trabalhos no faroeste, Charles Lang Jr. será sempre lembrado pelas magníficas sequências de “A Face Oculta”. As locações, além da Costa da Califórnia, na Península de Monterey, foram feitas ainda no Vale da Morte, também na Califórnia. A trilha sonora que completa este western fascinante é assinada por Hugo Friedhofer.
Ben Johnson demoníaco; Katy Jurado raivosa; Pina Pellicer angelical; a revelação chamada Slim Pickens |
ELENCO IMPECÁVEL - A substituição de Spencer Tracy por Karl Malden certamente resultou bastante proveitosa pois Brando e Malden, companheiros de palco e de outros filmes, duelam portentosamente sob a direção de Brando. O grande elenco de “A Face Oculta” tem ainda Ben Johnson já permitindo notar, a exemplo de “Os Brutos Também Amam” (Shane), o excelente ator que ele era na medida em que melhoraram seus papéis. Katy Jurado interpreta com perfeição a mãe-esposa desesperada com a destruição da felicidade que encontrou. Pina Pellicer, um tanto inexpressiva, interpreta a jovem e suave mexicana, filha de Katy Jurado, apesar de apenas dez anos mais nova que Katy. Outra atriz latina deste filme é a portorriquenha Mirian Collón, uma das prostitutas da cantina em Sonora. Quando lançado, em 1962 aqui no Brasil, o western de Brando trouxe a grata surpresa do aproveitamento de Slim Pickens, outro cowboy que a exemplo de Ben Johnson muito brilharia nas telas. Elisha Cook Jr., Ray Teal, Rodolfo Acosta, John Dierkes e Hank Worden são os rostos mais conhecidos entre os coadjuvantes. E do staff pessoal de Brando aparecem Timothy Carey e Sam Gilman, amigos pessoais do ator-diretor. Hoje, 50 anos após seu lançamento, “A Face Oculta” é merecidamente reconhecido como um dos mais inusitados e influentes westerns de Hollywood, dirigido pela lenda cinematográfica chamada Marlon Brando.
De todos os filmes de Marlon, indiscutivelmente este é o meu predileto.
ResponderExcluirEste é um clássico que ainda não conferi.
ResponderExcluirAbraço
Vi esse filme uma única vez e nunca o esqueci. Muito forte. Um clássico com grandes atuações.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Não conhecia este blog e estou impressionado com todo o material aqui oferecido aos amantes do gênero. Parabéns pelo blog e pelas belíssimas resenhas.
ResponderExcluirGrande Abraço!
LeMarc
É difícil escolher o melhor de Marlon Brando pois as opções são muitas, mas A Face Oculta é mais Brando que qualquer outro pois foi dirigido por ele.
ResponderExcluirHugo, por uma série de razões penso que A Face Oculta seja indispensável.
Nahud, sua opinião é sempre das mais abalizadas e respeitadas.
Olá, LeMarc, obrigado e seja bem-vindo.
abraços do Darci
Isto é verdadeiramente um filme no genero. Um dos meus preferidos. Os artistas estão perfeitos como se tivessem tido aula no Actor's Studio. Uma obra prima de um genio que foi Marlon Brando.
ResponderExcluirAssistindo ao filme, homens em revolta (52), achei muito parecido o ``look´´ de Brando (face oculta - 61)com o de Scott Brady. Quem copiou quem?? Porém, homens em revolta é muito parecido com Duelo ao sol. O filme homens em revolta, tem um Lee Van Cleef em incio de carrera, só que mais bem``aproveitado no filme´´ e Fess Parker. O final um pouco diferente e diálogos e estória bem compreensiveis . Seria bem legal, se o amigo Darci, fizesse uma resenha.
ResponderExcluirAbração.
Dagmar.
Olá, amiga Dagmar
ResponderExcluirHavia sim, certa semelhança fisiônomica entre Brando e Brady. Mas as diferenças acabam por aí pois Marlon Brando era, incomparavelmente, melhor ator. Scott Brady fez muitos faroestes e vou ver se consigo assistir Homens em Revolta para resenhar esse filme.
Abraço do Darci
Já vi esse filme umas trinta vezes continuo me emocionando,que história ,que cenário ,que trilha sonora. Brando lenda🙏🙏🙏
ResponderExcluir