16 de setembro de 2011

GEORGE STEVENS FILMANDO “SHANE” – O MAIS METICULOSO DOS DIRETORES


Certa vez perguntaram a Frank Sinatra se ele aceitaria ser dirigido por George Stevens. Sinatra estava num dos melhores momentos de sua extraordinária carreira e como ator fazia o que queria, quando queria, como queria e com quem queria. A resposta do cantor foi uma cutucada na fama de Stevens: “Só se eu for pago por cena rodada e não por cena finalizada. Houve um momento na carreira de George Stevens em que nenhum ator famoso queria ser dirigido por ele simplesmente para não ser submetido às absurdas exigências do diretor, o mais perfeccionista de todos quantos já atuaram em Hollywood. Liz Taylor foi uma exceção, tendo atuado três vezes sob as ordens de George Stevens na sua chamada fase mais elaborada. Um bom exemplo da forma de Stevens dirigir e se dar por satisfeito com uma sequência foram as filmagens de “Os Brutos Também Amam” (Shane).

REPETINDO A MESMA CENA DEZENAS DE VEZES - Esse brilhante western tem 117 minutos de duração e há uma sequência que dura exatos 2 minutos e 40 segundos na tela, quando o pequeno Joey Starrett (Brandon De Wilde) pede a Shane (Alan Ladd) para que este lhe ensine a atirar. Essa cena que quando projetada parece ser bastante simples, levou dois dias para ser feita (dias 10 e 11 de agosto de 1951). No dia 10 Stevens exigiu que fossem feitas 72 tomadas com a câmara posicionada em 29 diferentes ângulos. Por vezes a diferença entre a posição da câmara era de centímetros mais para cima, para baixo, para trás ou para um dos lados. Para essas pequenas movimentações de câmara e de iluminação foram gastas 2h44. Já haviam sido gastas duas horas em ensaios com a presença de Ladd, Jean Arthur e Brandon De Wilde. As filmagens propriamente ditas levaram mais 2h45 e aí o dia acabou com todo mundo querendo falar algumas coisas para Stevens, mas quem é que tinha coragem para isso? E ele anunciou que a cena continuaria no dia seguinte quando foram feitas outras 47 tomadas de 16 posições diferentes, gastando mais 2h43 para a preparação do set de filmagem, 1h22 para os ensaios (já haviam ensaiado exaustivamente um dia antes) e as filmagens foram feitas em 1h44. O resultado de todo esse trabalho foram oito tomadas com Joey pedindo a Shane para que o ensinasse a atirar; 11 de Shane mostrando como sacar; 12 do pistoleiro disparando; 15 tomadas da pobre pedra levando bala; seis closes mostrando o rosto estupefato de Joey e outras cinco tomadas de Marian dizendo a Shane que já há pistolas demais no vale.

G. Stevens coçando a cabeça durante a
edição de "Os Brutos Também Amam"
DESPERDÍCIO DE FILME - Foram levados para o laboratório um total de 3h59 de negativos para serem revelados e, como foi dito, a cena dura apenas 2 minutos e 40 segundos. George Stevens passou seis meses na sala de edição da Paramount editando “Os Brutos Amam”, num trabalho quase solitário e que só incomodava Adolfo Zukor, o presidente do estúdio que não sabia o que fazer com o filme que estourara orçamento, planos de filmagem e muitas paciências. Como resultado foi cortada inteiramente a sequência do relacionamento de Chris (Ben Johnson) com Susan Lewis (Janice Carroll), bem como reduzidas ao mínimo as sequências que tomaram dias para serem feitas como o incêndio no rancho de Fred Lewis que na tela dura apenas 10 segundos. Por baixo, com o desperdício de material que ocorreu em “Os Brutos Também Amam” daria para rodar pelo menos uma dúzia de outros westerns.

FESTA QUANDO “SHANE” ACABOU - Jean Arthur, aos 51 anos abandonou a carreira após interpretar Marian Starrett. Ela que já havia trabalhado com Stevens em outros dois filmes nos anos 40 disse que ele havia mudado muito e que o diretor se tornara uma pessoa sisuda e sem alegria. Alan Ladd e Van Heflin ficaram amigos durante as filmagens e juntos bebiam quase tudo aquilo que havia nas adegas de Jackson Hole para esquecer um pouco do chefe Stevens. Conta-se que Alan Ladd, mesmo sendo uma pessoa discreta e quase tímida, promoveu (ele próprio e não a Paramount) uma festa quando as filmagens de “Shane” chegaram ao fim. Responsável por clássicos do cinema como “Gunga Din”, “Ritmo Louco”, “Um Lugar ao Sol” e “Assim Caminha a Humanidade”, George Stevens dirigiu 20 filmes nos seus primeiros 20 anos como diretor (descontados os curta-metragens). Nos últimos 20 anos de carreira, depois de “Os Brutos Também Amam”, Stevens dirigiu apenas quatro filmes (“Assim Caminha a Humanidade”, “O Diário de Anne Frank”, “A Maior História de Todos os Tempos” e “Jogo de Paixões”).

SUCESSO DE PÚBLICO E CRÍTICA - George Stevens dirigiu três dos cem melhores filmes norte-americanos de todos os tempos, segundo a listagem da American Film Institute (AFI), respectivamente “Os Brutos Também Amam” (69.º), “Assim Caminha a Humanidade” (82.º) e “Um Lugar ao Sol” (92.º), o que faz dele um dos mais importantes diretores de Hollywood, isto numa geração onde a concorrência tinha nomes como Wyler, Capra, Ford, Hanks, Welles, Wylder, Hitchcock e outros. E mesmo com sua forma vagarosa, dispendiosa e irritante de trabalhar, Stevens legou ao gênero western a obra-prima chamada “Shane” para alegria eterna dos fãs de faroestes. E Adolfo Zukor não teve do que se queixar pois “Os Brutos Também Amam” custou em valores corrigidos 26 milhões de dólares e rendeu170 milhões, sendo até hoje o terceiro western de maior bilheteria na história do cinema, atrás apenas de “Duelo ao Sol” e “Banzé no Oeste”.

N.R. – Os dados referentes às filmagens de “Os Brutos Também Amam” foram extraídos do livro ‘Shane’, de autoria de Paulo Perdigão.

10 comentários:

  1. Puxa vida! E eu que imaginava que o mais ranzinza de todos os diretores fosse William Wyler!
    Mas valeu a pena. Shane é Shane e o resto são filmes de faroeste que vêm depois deste. Claro que temos outras joias raras. Mas Shane foge à regra geral.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  2. Darci ! É sempre bom ler algo sobre George Stevens e principalmente sobre SHANE meu western
    preferido. Cada vez novas informações são reveladas. Parabéns pela matéria e pelo site!
    Lau Shane Mioli

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  3. Acredite, mesmo sendo fã de westerns eu ainda não assisti este clássico.

    Abraço

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  4. Paulo Perdigão era fã ardoroso deste clássico, aliás ele odiava o título em português que foi dado aqui no Brasil, já que o personagem de Ladd nada tinha de bruto e em verdade ele buscava se redimir do seu passado de pistoleiro através do menino interpretado por Brandon de Wilde. Mas como sabemos no enredar da história, Shane é obrigado a voltar a pegar nas armas.

    Já escrevi sobre Pérdigão em meu blog foi um dos mais conceituados jornalistas de cinema que este pais teve o prazer de ter, orguho nacional que entendia de futebol e filosofia. Como o Brasil (e tenho dito também) não tem memória, morreu esquecido em 2006 e nem o Jornal o Globo fez menção de seu falecimento. Mas voltando a SHANE, Perdigão entrevistou duas vezes George Stevens, que simpatizou com ele segundo informações de um amigo meu que o conheceu, e a título de curiosidade, Perdigão era tão fã deste clássico que trouxe do Wyoming restos de cenário do filme, o que fez com que ele tivesse problemas na alfândega do aeroporto ao desembarcar no Brasil, rs.

    Todo cineasta "ranzinza" é perfeccionista, no geral é assim mesmo, pois é graças a isto que nascem muitos destes valorosos clássicos que ficam para História. Saudações!

    Paulo Néry

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  5. Meu prezado HUGO (que não assistiu SHANE)
    Cinéfilo algum,especialmente os amantes de western ,pode deixar de ver esta obra de George Stevens. Shane,pode conter os ingredientes mais comuns do gênero,mas não é um faroeste comum. O personagem de Alan Ladd, para mim no seu melhor papel, é o impertubável
    mocinho,defensor do bem contra o mal,que às vezes nos apresenta como enigmático,sério,taciturno até.
    Shane se mostra como um antigo pistoleiro,disposto a mudar de vida,e viver uma
    pacata vida de cidadão normal . Mas não consegue,e o filme mostra ,tempo todo,o personagem querendo esta mudança. Shane é magnífico,é um western por excelência,da paisagem ao
    revolver,que tomam uma dimensão trágica à medida que o filme
    evolui.
    Segundo Antonio Moniz Vianna, “Shane é sim,um western
    psicológico que se coloca dentre os maiores já produzidos.”
    Filmado em technicolor ,com a bela música de Victor Young
    Shane é pra ser visto,e nem precisa ser como eu,que vi pelo menos umas 30 vezes. É um dos meus filmes de cabeceira,que volta e meia é revisto e sempre apreciado. Assista !!!!
    Um abraço !!
    Lau Shane Mioli

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  6. "Shane" é belíssimo! A alguém que o assistir pela primeira vez, após ter visto muitos outros westerns, ele pode parecer um filme simples, repleto de clichês. Mas definitivamente não é!!

    Aliás, pode-se dizer que os clichês quase que começaram a partir de Shane, diversas vezes imitado. Mas o filme vai além disso, numa trama de fundo psicológico bastante complexo.

    O mais interessante é o verdadeiro estudo do mito do herói a que o filme se propõe fazer de forma nunca maniqueísta. Isso apesar de vermos claramente onde está o bem e o mal nos personagens de Ladd e Palance. Mas todos os demais personagens são muito humanos em seus motivações. Até mesmo Shane, cujo passado não conhecemos e que pode não ser exatamente "bonito".

    Por fim, tem o garoto, que todo fã de bang-bang, de quadrinhos ou que um dia já teve um herói qualquer de estimação não tem como não se identificar.

    Como já foi dito por muita gente, "Shane" pode não ser o melhor western já feito mas é o que melhor resume a mitologia do gênero.

    Edson Paiva

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  7. Amigos Jurandir, Hugo, Paulo Nery e Édson, o Laudney Mioli só não é o maior 'Shanófilo' porque existiu o Perdigão que trouxe um punhado de terra lá de Jackson Hole e ainda chegou a fazer uma remontagem do filme com Shane ficando com Marion. Coisas de apaixonado. Gostaria de contar uma outra historinha aqui: estávamos eu e o Laudney entrevistando o Rubens Ewald Filho quando ele disse que "Shane" não era dos seus western preferidos. Lembrei a ele que ele havia feito uma lista para a revista 'Set', dos seus dez melhores faroestes e o Robinho havia incluído o filme de George Stevens. Aí ele respondeu: "Eu não gosto muito, mas esse é um filme tão querido pelo público que eu então coloquei..." Uma coisa é certa, falando agora apara o Hugo: "Shane' é um filme obrigatório. Quanto ao título que o Perdigão odiava, há sim, brutos no filme, como os irmãos Rykers e o próprio Jack Palance, só que eles não amam ninguém no western de Stevens. Abraços a todos.

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  8. Interessante, eu também tinha em mente William Wyler ou Stanley Kubrick como mais difíceis. Bem, falando de um não ator, mas simples expectador, digo que valeu a pena, pois o resultado é esplendor puro. ... Você sita a Jean Arthur falando que o George tinha mudado; pois isso é algo que o diretor Frank Capra se referiu dando uma razão no documentário "George Stevens: A Filmmaker's Journey (1984)", ao dizer que o George dirigia ótimas comédia, mas que depois da 2ª Guerra Mundial, onde os dois participaram, ele havia mudado, visto coisas demais na guerra, abandonando as comédias - que Frank apreciava - e fazendo filmes sérios, bons, mas sérios. ... James Dean apelidou George de diretor 360º, pois ele filmava de todos os lados como um ponteiro de relógio, dando uma volta inteira envolta dos atores.

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  9. Sou irremovivel fã do gênero "western", possivelmente o único elaborado pelo cinema. Assisti a "Shane" quando ainda menino e já perdi a conta de quantas vezes revi. Até decorei os diálogos em inglês. Apesar de seus exageros, não atrevo-me a criticar o trabalho de Stevens, por falta de estudo sobre a direção. Mas quero destacar a contribuição de Victor Young no "music score". É difícil imaginar qualquer das cenas filmadas sem a música envolvente. E não se olvide o elenco. Principal é de apoio. Ninguém nem nada fora de lugar. VOU CONTINUAR REVENDO!!!

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  10. Shane é fora de série, um super west, muito bem feito, com a atuação explêndida de todos, é um filme que ficará gravado na memória dos clássicos desse gênero, espetacular sem sombra de dúvidas, muito bom, é para ver e não esquecer!

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