UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de outubro de 2013

A VINGANÇA DE ULZANA (Ulzana’s Raid) – A JUSTA BESTIALIDADE DOS APACHES


O Apache Ulzana
As tropas norte-americanas permaneceram mais de dez anos no Vietnã, até a humilhante retirada ocorrida em 1973. Reportagens, ensaios e livros tentaram explicar porque a potência detentora do maior arsenal bélico do planeta não conseguiu vencer aquela guerra aparentemente fácil de ser vencida. O conflito no Sudeste Asiático custou a vida de 58.200 soldados do Exército dos Estados Unidos e perto de dois milhões de vietnamitas entre mortos e desaparecidos. Este último número equivale a menos de dez por cento do maior genocídio da história da humanidade, ocorrido dentro dos Estados Unidos e executado em grande parte pela Cavalaria desse mesmo Exército norte-americano. Mais de 20 milhões de índios que habitavam os Estados Unidos foram exterminados na chamada guerra indígena, entre eles os temidos Apaches Chiricahuas. Com “A Vingança de Ulzana” (Ulzana’s Raid), western de 1972, o cinema conseguiu mostrar de forma alegórica a razão de os Estados Unidos terem perdido aquela guerra. Considerado por alguns como um filme reacionário e que justificava a presença norte-americana no Vietnã, “A Vingança de Ulzana” tende a ser exatamente o contrário dessa tese. Assistido por qualquer autoridade à época de seu lançamento, não seria exagero afirmar que alguma contribuição esse faroeste deu para a tomada de decisão norte-americana de ordenar a retirada de suas tropas do Vietnã, assumindo uma fragorosa derrota contra um inimigo resignado que nem as armas químicas conseguiram vencer.


Alan Sharp (acima) e Robert Aldrich.
Reencontro de Lancaster com Aldrich - Alan Sharp chamou a atenção da crítica ao escrever a história e o roteiro de “Pistoleiro Sem Destino” (The Hired Hand), estrelado e dirigido por Peter Fonda em 1971. No ano seguinte Alan Sharp escreveu “Ulzana’s Raid”, baseando-se em fatos verídicos tendo por protagonista um Apache Chiricahua chamado Ulzana (escreve-se também Jolsanny ou Josanie). Sharp decidiu produzir o filme em parceria com a Universal Pictures e pensando em ninguém menos que Burt Lancaster para o papel principal. Lancaster vinha de dois faroestes seguidos que foram “Mato em Nome da Lei” (The Lawman) e “Quando os Bravos se Encontram” (Valdez is Comig), ambos lançados em 1971. A princípio o festejado ator não se interessou pelo projeto, isto até Alan Sharp conseguir que Lancaster lesse o roteiro e se entusiasmasse. Liberal, defensor irrestrito dos direitos humanos, contrário à presença dos norte-americanos no Vietnã, Lancaster foi motivado pela história de Alan Sharp como há muito não ocorria. A excitação de Lancaster o levou a reduzir a quantia que recebia por filme em troca de uma participação nos lucros do mesmo, forma indireta de se tornar também produtor. Se Lancaster sempre se envolveu em vários aspectos da produção dos filmes em que atuava, sendo um constante problema para os diretores, em “A Vingança de Ulzana” isso aconteceu de forma ainda mais direta. Quem não gostou nada foi o diretor contratado, Robert Aldrich, que acabou tendo alguns atritos com Burt Lancaster durante as filmagens. Aldrich havia dirigido Lancaster em “O Último Bravo” (Apache) e “Vera Cruz”, nos anos 50 e conhecia bem o ator e suas intermináveis ‘sugestões’ para melhorar os filmes. Gostando ou não, o fato é que “A Vingança de Ulzana” resultou num excelente western e considerado mesmo um dos grandes filmes de Robert Aldrich.

Bruce Davison e Burt Lancaster;
abaixo Joaquín Martinez.
O pensamento e a prática de Ulzana - Em 1872 os Apaches Chiricahuas foram confinados na Reserva de San Carlos, localizada no Sudeste do Arizona e também conhecida como ‘Quarenta Acres do Inferno’. Assim como havia feito Gerônimo na verdadeira história, Ulzana (Joaquin Martinez), um chefe Apache consegue fugir da reserva juntamente com outros oito guerreiros. O comando do Forte Lowell é avisado e destaca uma tropa comandada pelo jovem Tenente Garnett DeBuin (Bruce Davison) para recapturar Ulzana e os demais fugitivos. Para auxiliar Debuin acompanharam o destacamento o veterano batedor McIntosh (Burt Lancaster) e o batedor apache Ke-Ni-Tay (Jorge Luke). McIntosh, que é casado com uma índia apache, é profundo conhecedor do pensamento e das práticas dos nativos. Por outro lado o Tenente DeBuin, recém-formado por uma Academia Militar do Leste é neófito em conflitos de qualquer espécie e a princípio rejeita ou aceita com relutância os conselhos de McIntosh e Ke-Ni-Tay. Ulzana e seus guerreiros destroem com crueldade propriedades de brancos que encontram por onde passam e Ulzana cria uma tática para se apossar de parte dos cavalos da tropa. McIntosh percebe a armadilha de Ulzana e orienta o Tenente DeBuin a simular haver caído na cilada de Ulzana, conseguindo com a ajuda de Ke-Ni-Tay liquidar Ulzana e seus bravos.

Na foto abaixo menino com a mãe
morta pelos apaches que se afastam.
A repulsiva brutalidade apache - Impossível não assistir “A Vingança de Ulzana” sem pensar no Arizona como o Vietnã e os Apaches como os Vietcongs. O inimigo norte-americano no Vietnã era dificílimo de ser enfrentado e dizia-se que o vietnamita amigo durante o dia era um vietcong à noite com suas práticas de guerrilhas. Ulzana e seus oito guerreiros não se deixam ver, mas suas atrocidades chocam, intimidam e despertam o ódio dos soldados. Selvagemente os apaches estupram e desfiguram mulheres e torturam até a morte os brancos capturados. As baixas entre os comandados por DeBuin vão se sucedendo e levando a tropa ao desespero. A brutalidade de Ulzana é repulsiva e horroriza a todos, exceto McIntosh que pacientemente explica ao jovem tenente que “os apaches são caprichosos” para justificar os nativos deixarem viva uma criança em meio a sua família massacrada. “Odiar os apaches seria como odiar o deserto por não dar água”, diz mais adiante o velho batedor. Solicitado a explicar a razão de tanto ódio, o apache Ke-Ni-Tay responde laconicamente que “eles são assim mesmo”. Depois esclarece que no modo de pensar dos apaches “quando um homem é morto, aquele que o matou absorve seu poder; os homens liberam poder quando morrem, assim como o fogo libera calor; quanto mais um homem sofre para morrer mais calor ele libera e mais poder absorve quem o matou”. O jovem tenente, filho de um pastor de igreja e com fé na religiosidade jamais entenderá a razão de ser de um apache. Assim como os norte-americanos jamais entenderam o estoicismo vietnamita.

Richard Jaeckel; abaixo Ulzana antes de
ser morto por Ke-Ni-Tay (Jorge Luke).
Olho por olho, dente por dente - Ao longo de “A Vingança de Ulzana” os ‘casacos azuis’ são humilhados pela inteligência dos apaches e pela precisão militar de suas táticas. O idealista Tenente DeBuin percebe, por fim, o sentido das palavras de seu comandante, o Major Cartwright (Douglass Watson), quando este lhe diz que o General Sheridan preferiria morar no inferno que viver no Arizona. Esse território somente deixaria de ser o referido inferno quando bravos como Ulzana estivessem mortos ou conformados com a lenta extinção de seu povo nas reservas criadas para eles, como a de San Carlos. Ulzana se recusa a esse destino, preferindo se juntar a seus antepassados e às dezenas de milhares de bravos que já haviam sido mortos. Lenta, tensa e dramaticamente “A Vingança de Ulzana” choca o espectador ao fazê-lo compreender que um branco não pode pensar como um apache. Pode, quando muito, aceitar sua forma de vida e mais que isso, aceitar sua justa rebeldia diante de tudo que o homem branco lhe tirou. Esse mesmo espectador pode sentir repulsa, asco mesmo dos ritos cruéis de execução dos apaches; o que não pode, no entanto, é esquecer que violência maior foi o sacrifício de nações inteiras de nativos. Diz o Sargento da Cavalaria (Richard Jaeckel) ao Tenente DeBuin que a única passagem da Bíblia que ele considera certa é a que diz “olho por olho, dente por dente”.

Burt Lancaster
A carga da final da Cavalaria - Andrew Sarris, o brilhante crítico do ‘Village Voice’ (editada em Nova York) elegeu “A Vingança de Ulzana” como um dos dez melhores filmes norte-americanos de 1972. Edward Buscombe, Kim Newman e Howard Hughes incluíram este western de Robert Aldrich em suas listas de dez melhores westerns de todos os tempos. Críticos desse gabarito não podem estar errados e assistir “A Vingança de Ulzana” é constatar que se está diante do melhor filme norte-americano a tratar da questão dos índios, distante de qualquer estereótipo ou condescendência. Filme admirável pela cinematografia de Joseph F. Biroc explorando a aridez das regiões de Nogales, no Arizona e do Vale do Fogo, em Nevada, fazendo com que a paisagem embruteça ainda mais os contendores. Filme estupendo pelas atuações dos atores, especialmente do mexicano Jorge Luke, Richard Jaeckel, Joaquín Martinez (também mexicano), Bruce Davison e muito acima de todos eles, como não poderia deixar de ser, o extraordinário Burt Lancaster numa performance que está entre as melhores de sua carreira. Com tantos altos e baixos em sua filmografia, muito da grandeza de “A Vingança de Ulzana” se deve à direção Robert Aldrich. Compassadamente, fazendo com que a cada sequência mais se perceba o sentido da vida para um apache. E ironicamente, ao permitir um dos maiores clichês do cinema que é o toque de trompete anunciando a carga da Cavalaria, ao final, seguindo-se a amargura do moribundo McIntosh ao dizer ao Tenente que se anunciar daquela forma, alertando Ulzana foi um erro..  

O soldado Horowitz (Dean Smith)
atira na senhora Ruseyker para que ela
não seja estuprada; em seguida o
suicídio para evitar a tortura.
Versões incompletas - A produção de “A Vingança de Ulzana” preparou diferentes versões para diferentes mercados exibidores em razão da violência de algumas sequências. A versão com 103 minutos contém cenas de extrema selvageria, entre elas a repugnante visão da morte de Rukeyser (Karl Swenson) e de seu cão; o suicídio do soldado Horowitz (Dean Smith) seguido de seu estripamento; a emboscada final dos apaches com a tortura do soldado ferido continuamente alvejado pelos apaches; os soldados sacrificando os cavalos para que os apaches não se apossem deles. Sem essas cenas o filme perde a sensação de insanidade que toda guerra transmite. Hoje, passados mais de 40 anos de seu término, a Guerra do Vietnã se tornou simples referência histórica para quem não viveu aqueles tempos. E “A Vingança de Ulzana” pode ser assistido sem que se trace paralelo algum com aquele conflito. Conserva o filme de Aldrich a mesma dimensão artística e a mesma força de denúncia dos acontecimentos que dizimaram os Apaches Chiricahuas. Apologia da guerra contra os índios no cinema norte-americano era um mote rompido inicialmente por filmes corajosos como “Flechas de Fogo” e “A Passagem do Diabo” e cujo ciclo se fecha admiravelmente com “A Vingança de Ulzana”.


Acima o fazendeiro Ruseyker (Karl Swenson) após cruel tortura;
abaixo outro sitiante torturado até a morte; o cão de Ruseyker.



28 de outubro de 2013

ARMADILHA DA MORTE (Desperadoes of Dodge City) – ROCKY LANE DESVENDA QUEM É McBRIDE


Em 1948 a Republic Pictures passou a produzir uma nova série de faroestes B com Allan ‘Rocky’ Lane. No Brasil o mocinho era chamado apenas de ‘Rocky Lane’. A série foi encerrada em 1953 e teve 38 filmes, tornando-se uma das mais movimentadas e admiradas que o estúdio de Herbert J. Yates produziu. O orçamento de cada um desses faroestes B não ultrapassava os 50 mil dólares e rendiam nas bilheterias norte-americanas sempre acima de 500 mil dólares, ou seja, lucro garantido para a Republic Pictures. Para não exceder os 50 mil dólares, em todos os filmes da série eram utilizadas cenas de arquivo, aquelas em que havia mais que três ou quatro homens a cavalo e mais que dois ou três carroções. Em “Armadilha da Morte” (Desperadoes of Dodge City), de 1948, observa-se bem essa técnica da Republic, que com uma boa montagem colocava Rocky Lane em meio à ação intensa. A maior parte das sequências, porém, foram filmadas em estúdio e algumas, como de hábito, no Iverson Ranch, em Santa Susanna, na Califórnia.




Como se diz...Qualquer semelhança é
mera coincidência da cena acima com
"No Tempo das Diligências"; abaixo
a troca da estranha senha.
Os suspeitos passageiros - Em “Armadilha da Morte” um homem conhecido apenas por McBride é temido por todos em Dodge City pois comanda uma quadrilha que impõe o terror entre os colonos. Stockton (John Hamilton), o Comissário de Terras de Dodge City elabora um plano para fazer com que o Exército intervenha. O plano consiste em fazer chegar até o Forte Henry uma solicitação de ajuda e para isso é criada uma senha entre os mensageiros. A senha é “Você hesitou?”, seguida da resposta “Apenas até um novo dia”. Os homens de McBride conseguem interceptar o cavaleiro incumbido de entregar a mensagem a Rocky Lane. Para recuperar a mensagem Rocky se faz passar por passageiro de uma diligência que conduz quatro homens e uma mulher. São eles o jogador Ace Durant (Tristram Coffin), Calvin Sutton (James Craven), Ted Loring (William Phipps), a atriz Gloria Lamoreaux (Mildred Coles) e um rancheiro que não se identifica (Roy Barcroft). Um deles pode ser o temido McBride que Rocky Lane e seu amigo Nugget Clark (Eddy Waller) se empenham em descobrir. Todos permanecem num posto de diligência sendo sitiados pelos homens e McBride. Conseguem escapar por uma passagem secreta e só então é descoberta a identidade de McBride, que é, de fato, um dos passageiros da diligência e é morto por Rocky Lane num confronto entre ambos.

Cena rara: Roy Barcroft nos braços de
 Rocky Lane sem que estejam lutando;
abaixo o cãozinho e seu dono morto.
Costumeiros vilões - Roy Barcroft foi o ator que mais vezes interpretou o principal bandido nos faroestes de Rocky Lane e por essa razão deveria ser o principal suspeito de ser o criminoso McBride em “Armadilha da Morte”. Ainda mais que seu personagem é rude e se comporta de maneira hostil com os demais passageiros da diligência. O roteiro desta aventura de Rocky Lane joga habilmente com esta errônea presunção durante boa parte do filme. Outro possível suspeito seria o também comumente vilão Tristram Coffin, mas somente nos minutos finais de “Armadilha da Morte” é que o espectador saberá quem é McBride. Até lá Rocky Lane terá algum trabalho e se mostrará em excepcional forma física (Allan Lane estava então com 44 anos de idade). Falta ao filme a normalmente violenta luta de socos entre Rocky Lane e Roy Barcroft, o que é compensado com o mistério da trama. Bastante interessante é a sequência da morte do velho surdo com seu cão se recusando a abandonar o corpo inerte do dono. Teria George Stevens se inspirado neste faroeste B para criar a bela sequência do enterro em “Os Brutos Também Amam”?

Rocky Lane e seu sidekick Eddy Waller.
O sidekick Nugget Clark – O roteiro joga com o sentimento do público infanto-juvenil que não esqueceu do cão que ficou sem dono, fazendo com que ao final o novo casal de colonos (Ace Durant e Gloria Lamoreaux) o adotem. Uma das últimas cenas do filme mostra a alegria do cachorro entre os novos donos que reiniciam suas vidas. Roy Barcroft e Tristram Coffin, ambos sem bigodes, inspiram menor temor e os conhecidos foras-da-lei Dale Van Sickel e Robert J. Wilke têm pequenas participações em “Armadilha da Morte”. Este foi um dos primeiros filmes de William Phipps e a linda mocinha Mildred Coles é o destaque feminino. Este foi o terceiro e último faroeste da série Rocky Lane em que Mildred Coles atuou. Os fãs de Rocky Lane sabiam que com Eddy Waller interpretando o sidekick, o mocinho teria sempre uma ajuda providencial. Eddy Waller acompanhou Allan Lane em 32 das aventuras de 'Rocky Lane' na Republic Pictures, em todas elas demonstrando o ótimo ator que era mesmo interpretando o personagem rotineiro. Ainda que não tenha sido um faroeste dos mais vibrantes da série, “Armadilha da Morte” vale à pena ser visto, assim como todos os faroestes do mocinho Rocky Lane.

Acima as inevitáveis cenas de arquivo; abaixo Rocky Lane com dois dos
suspeitos de serem McBride; Rocky cavalgando Black Jack.


26 de outubro de 2013

DILIGÊNCIA MARCADA (STAGECOACH TO DENVER) – ALLAN LANE COMO ‘RED RYDER’


Duas versões de 'Red Ryder': acima Don
Barry com Tommy Cook; abaixo Bill
Elliott com Bobby (Robert) Blake.
Após as excelentes participações em quatro seriados da Republic Pictures, o estúdio teve a certeza que tinha em Allan Lane um perfeito herói para filmes de aventuras e faroestes. Lane inicialmente herdou a série western de Don ‘Red’ Barry que pretendia se afastar daquele nicho para atuar em produções melhores. Como novo mocinho da Republic, substituindo Don Barry, Allan Lane fez seis westerns B até que ‘Wild’ Bill Elliott decidiu não continuar com a série ‘Red Ryder’ a principal série western do estúdio. A história se repetiu e Allan Lane herdou o personagem ‘Red Ryder’, o qual interpretou em sete filmes da série. Finda a série ‘Red Ryder’ a Republic possibilitou a Allan Lane ter, finalmente, sua série própria com o personagem Allan ‘Rocky’ Lane. Os westerns que Lane fez como ‘Red Ryder’ tiveram excelente qualidade e “Diligência de Bandidos” (Stagecoach to Denver), de 1946, merece atenção por ser o mais diferente da série.


Allan Lane (acima); Roy Barcroft e
Peggy Stewart na outra foto.
Roy Barcroft espoliando os incautos - Vivia-se o apogeu do film noir e personagens femininos eram sempre importantíssimas nesse gênero de filme. Um tanto influenciado pelos filmes noir, em “Diligência de Bandidos” o mistério da trama gira em torno de uma moça chamada ‘Beautiful’ (Peggy Stewart). Beautiful é parte da quadrilha de Big Bill Lambert (Roy Barcrifot), escroque que pretende se apossar de terras valiosas entre as cidades de Elkrom e Denver. Os planos de Lambert caminham satisfatoriamente e ele tem o xerife Crooked (Ted Adams) como seu aliado. Lambert provoca a morte de Felton (Ed Cassidy) um Comissário de Terras que se dirigia a Denver, fazendo com que a diligência em que este viajava sofresse um acidente. Em seguida Lambert transforma Felton (Stanley Price), seu assecla de Denver, em Comissário de Terras e com isso facilita suas ações ilícitas. Na diligência para Denver viajava o menino Dickie (Bobby Hyatt), órfão de pais e que se dirigia àquela cidade para viver com sua tia. Dickie sai gravemente ferido do acidente necessitando uma cirurgia que só pode ser autorizada por um parente próximo. Lambert faz com que Beautiful, também membro de seu bando, venha de Denver e finja ser a tia de Dickie. Tudo se complica para Lambert quando Beautiful se condói do estado do pequeno Dickie e anuncia a Lambert que não mais fará parte de seus planos criminosos. Dickie e Beautiful permanecem no rancho de Coonskin (Emmett Lynn), amigo de Red Ryder (Allan Lane). Com a ajuda de Beautiful Red Ryder descobre as trapaças de Big Bill Lambert e coloca um fim no domínio do bandido.

Peggy Stewart como vilã fumando ao
lado de Stanley Price; abaixo Peggy com
Allan Lane e o pequeno Bobby Hyatt.
Trama melancólica - Os westerns B dos pequenos estúdios de Hollywood tinham como público predominante crianças e adolescentes e, por essa razão, suas histórias eram fáceis de serem compreendidas. “Diligência de Bandidos” foge à regra e apresenta não só uma trama bastante complexa como também uma atmosfera diferente, quase sombria. O menino Dickie, ameaçado de ficar paralítico, passa o filme todo imóvel numa cama. Aquela que seria a heroína do filme (Peggy Stewart, mocinha em dezenas de westerns B) é uma vilã que se arrepende e é alvejada, morrendo no final. O boboca Coonskin não tem oportunidade de fazer nenhuma graça e Little Beaver (Bobby Blake – Robert Blake) não participa de nenhuma ação em ajuda a Red Ryder. Isso tudo faz de “Diligência de Bandidos” um faroeste um tanto amargo. A Duquesa (Martha Wentworth), tia de Red Ryder, juntamente com Little Beaver e o sidekick de plantão eram personagens alegres e simpáticos que compensavam a seriedade de Allan Lane como Red Ryder. Neste faroeste, porém, todos eles dão espaço para a trama melancólica que se desenrola. Tudo melhora, no entanto quando Red Ryder entra em ação.

Roy Barcroft trama com seus capangas
Edmund Cobb e Ted Adams; abaixo
Barcroft levando a merecida lição.
O notório bandido - O melhor dos faroestes de Allan Lane, especialmente quando o vilão é Roy Barcroft, é a inevitável luta que se trava entre os dois. Esse aguardado momento tem lugar em “Diligência de Bandidos” bem antes do epílogo do filme e vale pelo filme todo, ainda que se possa perceber que Allan é dublado por Tom Steele e Barcroft, mais visivelmente, deixa os socos do mocinho para o dublê Fred Graham levar. Graham possuía vasta cabeleira e a calvície de Barcroft era pronunciada no alto da cabeça, fato que a Republic não se preocupou em disfarçar. E por falar em Roy Barcroft, vale lembrar que qualquer criança sabia desde o início de cada filme que ele era o bandidão, fato que o pouco sagaz mocinho demora a descobrir, o que incomodava os espectadores das matinês. Mas tudo se resolvia quando Allan Lane cavalgava Blackjack e acertava as contas com o malfeitor, de preferência Roy Barcroft. A direção deste faroeste, bem como dos demais cinco filmes da série 'Red Ryder' com Allan Lane, coube a R.G. Springsteen. Peggy Stewart como vilã redimida está ótima e o time de bandidos é de primeira, comandado por Barcroft e completado por Ted Adams, Edmund Cobb, Stanley Price e George Chesebro. “Diligência de Bandidos” foi mais um pequeno western que ajudou a elevar Allan Lane ao panteão dos grandes mocinhos dos westerns B nos anos 40, com direito a ter até mesmo uma duradoura série de gibis com seu nome na década seguinte.


Troca de tiros entre Edmund Cobb e Allan Lane; no lobbycard Emmett Lynn
atento à conversa entre Allan Lane e o xerife Ted Adams.

Pôster sem capricho de "Diligência de Bandidos": Allan Lane mais parecendo
Rod Cameron e Bobby Blake que pode ser confundido com Manuel King,
o 'Baru' do seriado clássico "A Deusa de Joba", de 1936.

24 de outubro de 2013

O PASSADO NÃO PERDOA (THE UNFORGIVEN) – INTOLERÂNCIA RACIAL NO TEXAS


Burt Lancaster foi uma das mais importantes personalidades ligadas ao cinema na década de 50. Lancaster obteve grande êxito não apenas como ator, mas também como produtor, sendo um dos iniciadores do movimento que transformou muitos atores em produtores. No final da década, porém, as coisas não iam bem para a produtora Hecht-Hill-Lancaster e apenas um enorme sucesso de bilheteria poderia salvar Harold Hecht, James Hill e Burt Lancaster da situação pré-falimentar a que a má gestão administrativa os levou. Apostaram tudo então no western “The Unforgiven” (O Passado Não Perdoa). A história original de autoria de Alan Le May, escrita em 1957, foi comprada por 75 mil dólares pela HHL. Burt Lancaster encabeçaria o elenco desse faroeste que teria ainda Kirk Douglas, Audrey Hepburn, Lilian Gish e Charles Bickford nos papéis principais. Kirk Douglas preferiu não atuar em outro western naquele momento o que levou Lancaster a sondar Tony Curtis que também declinou da participação. Richard Burton foi também cogitado, mas o papel de irmão de Burt Lancaster no filme ficou com Audie Murphy.

John Huston durante as filmagens de
"O Passado não Perdoa", em Durango.
As diferenças com John Huston - O roteiro começou a ser elaborado por A.P. Miller e o diretor contratado foi Delbert Mann, que havia dirigido “Marty” e “Vidas Separadas” para a produtora de Lancaster. Quando Miller e Mann perceberam que o filme que Lancaster queria era diferente daquele que imaginaram, afastando-se da questão da intolerância racial, desistiram do projeto. A esta altura muito dinheiro já havia sido gasto com “O Passado Não Perdoa” para que o projeto fosse engavetado e mesmo assim foi então contratado John Huston pela quantia de 300 mil dólares na tentativa de salvar o projeto. Um novo roteiro foi escrito então por Ben Maddow, autor do screenplay de “O Segredo das Jóias”, um dos melhores filmes de John Huston. Assim como A.P. Miller e Delbert Mann, Huston pretendia que o filme fosse o mais fiel possível à história de Alan Le May, mas logo percebeu as intenções de Burt Lancaster. Para o produtor e estrela do filme, aquele western deveria enfatizar o heroísmo de uma família de colonos no Texas. No final dos anos 50 as questões da segregação e indígena ganhavam força nos Estados Unidos e Hollywood se aventurava ainda timidamente na abordagem dos temas. Curiosamente, o próprio Lancaster era um dos atores que se destacavam por suas posições políticas liberais. Em sua biografia “An Open Book”, Huston afirma que não conseguiu dar ao filme a profundidade psicológica que pretendia, pois foi obrigado pelos produtores a transformar cada membro da família Zachary numa personagem heroica. Huston nunca concordou com isso e gostava de projetar em seus filmes tipos com carga maior de humanidade. À parte desse discutível argumento, todas as famílias de pioneiros que desbravaram o Oeste Selvagem não deixaram de ser figuras épicas da centenária epopéia dessa conquista que a literatura e o cinema tão bem retrataram, ainda que de forma quase sempre romanceada.


A verdadeira história nos anais Kiowas;
a família Zachary com a filha índia.
O obscuro passado de Rachel Zachary - “O Passado Não Perdoa” conta a história da família Zachary composta pela mãe Mattilda Zachary (Lilian Gish), Ben (Burt Lancaster), Cash (Audie Murphy), Andy (Doug McClure) e Rachel (Audrey Hepburn), a única filha. Ben, o filho mais velho tornou-se o patriarca da família uma vez que seu pai, William Zachary, foi morto pelos índios Kiowas. Quando criança Raquel foi sequestrada da tribo Kiowa pelo falecido Zachary para ficar no lugar de uma filha que não sobrevivera. Mais de 20 anos depois surge Abe Kelsey (Joseph Wiseman), um estranho cavaleiro vestido com farda do Exército Confederado, citando a Bíblia e praguejando ameaças aos quatro ventos nas pradarias do Texas. Abe Kelsey conhece a verdadeira origem de Rachel Zachary e revela a verdade, o que o leva a ser enforcado. Mattilda, que não admite que o passado obscuro de Rachel seja lembrado é quem açoita o cavalo no enforcamento de Kelsey. Zeb Rawlins (Charles Bickford), patriarca de outra família de pioneiros não aceita a presença da índia e rompe com os Zachary, incitando os demais colonos a rejeitar a jovem. O jovem chefe Kiowa ‘Lost Bird’ fica sabendo através de Kelsey da existência da índia, que é sua irmã, e que vive na casa dos Zachary. ‘Lost Bird’ decide resgatar Rachel e para isso os Kiowas cercam o rancho dos Zachary travando um confronto sangrento com a família.

Sentimentos mais que fraternos entre
Ben e Rachel.
Amor além de fraterno - Alan Le May aborda novamente em “The Unforgiven” o tema de sequestro de uma criança, mas de modo inverso àquele de “The Searchers” (Rastros de Ódio). Desta vez é uma criança índia que é sequestrada pelos brancos. No entanto o autor acentua ainda mais o ódio que brancos tinham pelos índios com a natural reação dos nativos às agressões sofridas. O racismo de Ethan Edwards é exacerbado na figura delirante de Abe Kelsey que vaga soturnamente pregando e provocando a morte como justiça divina. Assim como Ethan Edwards, Abe Kelsey esteve na Guerra Civil, carrega um sabre e é obcecado pela ideia de vingança. Kelsey perdera um filho na luta contra os índios e vê na inocente Rachel, que ele sabe ser Kiowa, a reparação da injustiça que entende ter sofrido. Raptada ainda bebê, Rachel cresce como branca em meio aos Zachary e o segredo só é conhecido pela velha Mattilda Zachary. Cash Zachary é o filho intolerante da família e não esconde o ódio que sente pelos nativos sem saber que sua ‘irmã’ é índia. Quando a verdade é revelada, mais complexa se torna a história de “O Passado Não Perdoa” ao expor o isolamento a que é submetida a família Zachary pela comunidade que não mais aceita a permanência de Rachel entre eles. Ben Zachary não permite que sua irmã adotiva seja devolvida aos índios pois tem grande carinho por Rachel, afeto correspondido com força ainda maior pela irmã. Ben e Rachel lutam contra seus sentimentos íntimos impedindo que o amor que acreditam incestuoso cresça. Visivelmente contrariado Ben permite que a constrangida Rachel fique noiva do tímido pretendente Charlie Rawlins (Albert Salmi). Com o ataque Kiowa ao rancho dos Zachary e na iminência do extermínio dos Zachary, Ben não mais esconde seu amor por Rachel, já não mais amor incestuoso.

Abe Kelsey e Hagar: ódio incontido.
‘Negra vermelha’ - Essa surpreendente história de amor, racismo e discriminação resultou num filme intenso e de grande dramaticidade, contendo sim, ao contrário do que apregoou John Huston, mensagem claramente fortemente antirracista. Houve mesmo quem enxergasse ainda uma crítica ao macartismo que naquele momento era apenas uma página virada da história do cinema norte-americano. A abominável conduta de Zeb Rawlis e sua esposa esquecendo-se da amizade antiga e transfigurando-se após a morte do filho, vítima dos Kiowas, nada tem de altruísta e demonstra a que ponto o ser humano pode chegar conduzido pelo ódio racial. A intolerância atinge o ápice quando o personagem Hagar Rawlins (June Walker) grita para a indefesa Rachel que ela é uma ‘negra vermelha’, englobando as duas mais execráveis formas de xingamento na América do Norte. Huston afirmou que entre todos os filmes que fez, “O Passado Não Perdoa” é aquele pelo qual não tem nenhum apreço e sequer reconhece como seu. O ressentido diretor deveria sim ter alguma admiração para este western que se não é uma obra-prima, como foram “Relíquia Macabra”, “O Tesouro de Sierra Madre” e “Uma Aventura na África”, não é de forma alguma um filme para ser desprezado.

O risível final de "O Passado não Perdoa".
Final piegas - Entre as melhores sequências de “O Passado Não Perdoa” está a do enforcamento de Abe Kelsey, a melhor entre tantas de homens pendurados por uma corda a uma árvore. E a forma como é mostrada a vida em família dos pioneiros e o encontro dos Zachary com os Rawlins são exemplares, bem como o cortejo de Charles Rawlins à vizinha Rachel, das poucas moças disponíveis para casamento na região. Ótimas as sequências com a participação de Johnny Portugal (John Saxon), domando o cavalo bravio e mais tarde perseguindo Abe Kelsey. Portugal cavalga com mais três cavalos, saltando sem dublê de um para o outro até alcançar o demente fanático. “O Passado Não Perdoa” só não é melhor pelo tratamento dado aos índios, sem oportunidade de mostrar suas razões para o comportamento hostil. Os pobres Kiowas na sequência de ataque ao rancho dos Zachary não demonstram nenhuma habilidade para lutar, sucumbindo quase na totalidade aos disparos dos Zachary. Porém nada compromete mais o filme de Huston que seu final inacreditavelmente piegas. A família reunida, menos Mattilda que pereceu vítima de um tiro, olhando para o céu onde um bando de pássaros voa livremente rumo a seu destino. “O Passado Não Perdoa” não merecia isso.

Lancaster e Murphy; John Saxon e Audrey;
Audrey com Albert Salmi.
Os muitos destaques do elenco - Burt Lancaster tem mais uma destacada atuação, mais contida desta vez, ensaiando uma performance que explodiria em sua interpretação seguinte como Elmer Gantry. Audrey Hepburn não consegue convencer como moça do campo, delicada demais, mesmo quando monta seu cavalo ‘Guipago’. Mas Audrey brilha nas sequências dramáticas. Brilham igualmente os veteranos Lilian Gish e Charles Bickford com ótimas interpretações. E há Joseph Wiseman, John Saxon e Albert Salmi, todos perfeitos, com destaque para Wiseman que criou um assustador tipo alienado que nunca mais sai da lembrança de quem vê o filme. A atuação de Audie Murphy em “O Passado Não Perdoa” é geralmente considerada a melhor de sua carreira, o que não quer dizer muito em sua monocórdica filmografia. Na sequência em que é mais exigido dramaticamente, aquela em que se atraca com o irmão Ben, fica clara a limitação de Murphy como intérprete, ainda mais diante de Burt Lancaster.

Lembrando Ethan e Debbie
em "Rastros de Ódio".
Poderia ser melhor... - A trilha musical de Dimitri Tiomkin não é das mais inspiradas e o tema principal é repetitivo e enfadonho, além de não se prestar para o gênero. Melhor funcionaria esse tema se utilizado em um drama urbano. Tiomkin demonstra sua criatividade nas sequências que antecipam a batalha final criando uma atmosfera quase de pesadelo com o uso de tambores e flautas contrapondo-se ao piano tocado ao ar livre por Mattilda. Todo filmado em Durango, no México, “O Passado Não Perdoa” tem belíssima cinematografia de Franz Planer utilizando em diversas sequências brumas, poeira e fumaça que tornam arrepiante a paisagem. Dentre os muitos westerns da carreira de Burt Lancaster “O Passado Não Perdoa” é um dos principais pelo ritmo, tensão dramaticidade e também pela atuação do excepcional ator. Quando Ben Zachary abraça Rachel e expressa seu afeto, cena que remete inevitavelmente a Ethan Edwards levantando Debbie em “Rastros de Ódio”, fica uma impressão que o filme de John Huston poderia ser ainda melhor, mais próximo da grandeza da obra-prima de John Ford realizada três anos antes.

Fotos dos bastidores de "O Passado não Perdoa": John Huston com Audie
Murphy; Burt Lancaster e Audrey Hepburn jogando golfe; Rita Hayworth
visitando o marido James Hill (à direita). Hill era sócio de Lancaster.

Audrey Hepburn ao lado de Audie Murphy; abaixo Joseph Wiseman
cavalgando pela pradaria de Durango, cenário de "O Passado não Perdoa".
Acima a família Zachary: audrey Hepburn, Doug McClure, Lillian Gish,
Burt lancaster e Audie Murphy; abaixo Burt Lancaster e John Saxon.




20 de outubro de 2013

VERA CRUZ, O FAROESTE DELICIOSAMENTE AMORAL DE BURT LANCASTER


Burt Lancaster conseguiu enorme sucesso como ator dramático no início de sua carreira atuando em filmes como “Os Assassinos”, “Brutalidade”, “Uma Vida por um Fio”, “Baixeza” e “A Um Passo da Eternidade”.  Foi, no entanto, com a trilogia de capa-e-espada “O Gavião e a Flecha”, “Sua Majestade, o Aventureiro” e principalmente “O Pirata Sangrento” que Lancaster ampliou seu público mostrando que era tão bom em filmes de emocionantes aventuras como nos dramas. E Burt Lancaster foi ainda um dos primeiros atores a se envolver com a produção de filmes, iniciando essa nova aventura em sociedade com Harold Hecht, com quem produziu “O Pirata Sangrento” e o western “O Último Bravo” (Apache). Esses dois filmes tiveram excelentes bilheterias, o que possibilitou à Hecht-Lancaster Productions partir para um projeto mais ambicioso, um novo western. Esse filme seria “Vera Cruz”, baseado numa história de Borden Chase.


Dardo e Capitão Vallo
Lancaster escolhe seu personagem - “O Último Bravo” custara 1.240.000 dólares e rendera seis milhões de dólares. Para a nova produção a Hecht-Lancaster calculou um orçamento de 1.750.000 dólares e programou o filme para ser rodado inteiramente no México. Foram contratados Robert Aldrich, o mesmo diretor de “O Último Bravo” para dirigir “Vera Cruz” e Alfredo Ybarra para conceber o desenho de produção do filme. A equipe composta por 150 pessoas entre atores e técnicos chegou ao México e as filmagens tiveram início em 3 de março de 1954, prolongando-se até 12 de maio do mesmo ano. A maior parte das filmagens ocorreu em Cuernavaca (Morellos) com os interiores rodados nos estúdios Churubusco. A história de Borden Chase foi roteirizada por Roland Kibee em parceria com James R. Webb, sendo continuamente alterada durante a produção. A princípio Burt Lancaster iria interpretar o personagem ‘Ben Trane’, mas o ator-produtor percebeu o maior potencial de ‘Joe Erin’, o outro personagem principal. Lancaster orientou uma série de modificações no roteiro para que ‘Joe Erin’ fosse moldado em ‘Dardo’ e ‘Capitão Vallo’, personagens interpretados por Lancaster em “O Gavião e a Flecha” e “O Pirata Sangrento”, respectivamente.

Gary Cooper
Gary Cooper como Ben Trane - Cary Grant chegou a ser sondado para interpretar ‘Ben Trane’ mas recusou a oferta respondendo a Lancaster que não chegava perto de cavalos. O segundo nome da lista era o de Gary Cooper que aceitou trabalhar por 200 mil dólares e mais uma porcentagem nos lucros do filme (Cooper recebeu um milhão de dólares no total). O elenco principal foi completado por César Romero, George Macready, Henry Brandon, Morris Ankrum, a francesa Denise Darcel, a espanhola Sarita Montiel e coadjuvantes que em pouco tempo se tornariam famosos como Ernest Borgnine, Jack Elam e Charles Bushinsky, este adotando o sobrenome Bronson. Um dançarino negro chamado Archie Savage, que havia atuado com Lancaster em “Sua Majestade, o Aventureiro”, foi também elencado para “Vera Cruz”. Conta-se a história que Borgnine e Bronson teriam ido a um bar em Morellos onde foram confundidos com bandidos e presos, mas essa história não é verdadeira. Quem foi preso de fato numa cantina foi o stuntmen e ator Charles Horvath, confundido pela polícia mexicana com ‘Jamarillo’, um bandido procurado pela Justiça mexicana. Burt Lancaster tinha como marca registrada o hábito de sorrir bastante, até exageradamente, mostrando sua perfeita dentição em seus últimos filmes. Mas para “Vera Cruz” o vaidoso Burt gastou cinco mil dólares encapando todos os dentes que surgem na tela a todo momento, mais alvos que nunca.

A nobreza que dominava o México: Denise Darcel
com Cesar Romero acima) e com Henry Brandon.
Juaristas contra franceses - A história de “Vera Cruz” se passa durante o Segundo Império Mexicano (1864-1867), quando o México era dominado pelos franceses e quando Maximiliano de Habsburgo-Lorena era o Imperador daquele país designado que foi por Napoleão III. Nesse período teve início uma revolução e aventureiros norte-americanos chegam ao México tentando tirar proveito dos conflitos entre os revoltosos juaristas e as tropas de Maximiliano (George Macready). O imperador quer mandar um carregamento de ouro para a Europa e para isso contrata os aventureiros Joe Erin (Burt Lancaster) e Ben Trane (Gary Cooper) que lideram um bando de gringos. Erin e Trane decidem ficar com o tesouro mesmo tendo de enfrentar o pelotão comandado pelo Marquês de Labordere (Cesar Romero) e pelo Capitão Danette (Henry Brandon), ambos de confiança de Maximiliano. Para se apossar do ouro Erin e Trane precisam ser mais espertos que a Condessa Duvarre (Denise Darcel) que também planeja se apossar do tesouro. Os juaristas são comandados pelo General Ramirez (Morris Ankrum) e querem que o ouro permaneça com seus legítimos donos, os espoliados mexicanos. Após uma violenta batalha entre os revolucionários e a tropa de Maximiliano, Trane e Erin ajudam os juaristas mas não se entendem quanto ao destino do ouro, o que os leva a um decisivo confronto.

Sarita Montiel e Morris Ankrum
Discreta mensagem política - Desde o primeiro encontro entre Erin e Trane “Vera Cruz” prenuncia que nenhum deles é confiável. Aventureiros em busca de alugar coragem e experiência a quem pagar melhor. À medida que outros personagens surgem fica claro que ninguém na história, assim como Erin e Trane é totalmente honesto e que a cobiça move a todos eles. Exceção única são os juaristas que lutam por uma causa, mas mesmo Nina (Sarita Montiel), uma jovem que quer ver seu país livre do domínio francês, não perde a oportunidade para roubar a carteira do norte-americano Ben Trane distraído por seu encanto. Maximiliano, o imperador, quer usar os mercenários para depois matá-los; a Condessa Duvarre quer ludibriar o imperador e também os norte-americanos; Trane confia em Erin tanto quanto Erin merece ser confiável, ou seja, nada. Os únicos seres dignos da história seriam os revolucionários que querem o México para os mexicanos e aí estaria contida a mensagem antiimperialista, e por isso mesmo, política do filme. O filme de Aldrich porém não se preocupa com mensagem de qualquer tipo, tendo a intenção única de divertir. Um western com a dinâmica de um movimentado capa-e-espada. Capitão Vallo do Oeste na Revolução Mexicana, lembrando que Vallo era o pirata sem pátria assim como seus liderados.  Para mais se aproximar do bem sucedido “O Pirata Sangrento” os personagens de “Vera Cruz” desconhecem a honradez e mais que todos eles Joe Erin.

Show de Burt Lancaster - O grande achado de “Vera Cruz” é justamente ser um western passado num ambiente estranho ao gênero, envolvendo nobres com ascendência européia e seus refinamentos confrontados com a rudeza de cowboys. A sequência em que Joe Erin (Lancaster) choca a etiqueta da nobreza na festa do palácio, clichê de muitos capa-e-espadas e presente em “O Pirata Sangrento”, atinge o grau máximo de comicidade do filme. A soberba do Capitão Danette (Henry Brandon) é escarnecida por Joe Erin num procedimento incompatível para um herói do Velho Oeste. Mas Joe Erin não é esse herói comum a tantos westerns e sim um modelo inédito no cinema norte-americano, que seria copiado muitas vezes e personagem recorrente nos westerns-spaghetti que invadiriam as telas dez anos depois. Dono do filme, produtor que foi do mesmo, Lancaster dá um show inesquecível, como o charmoso, cativante, odioso e repugnante herói que está em meio a uma revolução apenas para ganhar dinheiro e mais tarde tentar se apropriar do disputado ouro. Seu contraponto é o ex-Coronel do Exército Confederado, para quem a brutalidade das plantações e mansões queimadas durante a Guerra Civil nunca foi esquecidas. Ao contrário de Erin, a causa revolucionária seduz Ben Trane, assim como a bela Nina. Para a suave e perfumada Condessa Duvarre, sobram os tapas desferidos por Joe Erin, a quem seus perfumes e charme não conseguem iludir.

Lancaster e Cooper em ação;
Charles Bronson beijando Sarita Montiel.
O talento de Robert Aldrich - As sequências de ação de “Vera Cruz” se sucedem num ritmo frenético, não faltando intrigas e traições, que se iniciam com o encontro de Erin e Trane; prosseguem com a fuga deles saltando fenda de despenhadeiros como nos antigos seriados; com Joe Erin mostrando quem é o líder na junção dos dois bandos de aventureiros; na exibicionista demonstração de pontaria no palácio de Maximiliano; na emboscada dos juaristas à carruagem que transporta o ouro; no ataque dos revolucionários às forças imperialistas na missão; e finalmente no clássico duelo entre o bem e o mal, clichê dos faroestes do qual “Vera Cruz” não abriu mão. Num filme relativamente curto, de apenas 94 minutos, há espaço para um excelente grupo de atores coadjuvantes, cada um se destacando em pelo menos uma sequência. O sadismo de Borgnine ao assistir a tentativa de estupro de Charles Bronson contra Sarita Montiel; os passos da dança sulista de Archie Savage em meio ao flamengo das dançarinas mexicanas; o constante desejo de ação de Jack Elam; a hostilidade de Jack Lambert; a dignidade de Morris Ankrum como o general juarista; a arrogância de Henry Brandon; a falsa simpatia de César Romero e a caliente sensualidade de Sarita Montiel. Robert Aldrich só conseguiria fazer melhor com o portentoso e bem dirigido elenco de “os Doze Condenados”.

Lancaster mais exibicionista que nunca.
A influência de “Vera Cruz” - Chama a atenção em “Vera Cruz” o desenho de produção de Alfredo Ybarra ambientando sequências em locais de grande beleza como as pirâmides de Teotiaucan e outros cartões postais do México. Gary Cooper com sua atuação discreta mas segura ajudou no grande sucesso de “Vera Cruz” que arrecadou nove milhões de dólares quando de seu lançamento, sucesso merecido para essa memorável aventura. Porém mais importante que o êxito financeiro do filme foi sua influência em tantos outros westerns passados nos conflitos políticos mexicanos. O precursor dessa série de filmes foi “Viva Zapata” (1952) que, apesar das cinco indicações ao Oscar, nenhuma influência deixou no faroeste ao contar a história do revolucionário Emiliano Zapata. Mas é a “Vera Cruz” que muito devem “Sete Homens e um Destino”, “Meu Ódio Será Sua Herança”, “Os Profissionais”, “Os Abutres Têm Fome” e até “Viva Maria”. O western-spaghetti “Chamam-me Aleluia” (Mi Chiamano Alleluya) parodiou “Vera Cruz” e Giuliano Gemma confessou sua admiração pela interpretação de Lancaster como Joe Eri. Essa interpretação rompeu com o esquematismo dos heróis do faroeste e o fascinante modelo de amoral anti-herói foi imitado à exaustão. Mas Burt Lancaster com seu inconfundível e exagerado sorriso era um só, faceta cômica desse grande ator que brilha intensamente neste fantástico faroeste.

Burt Lancaster liquída Jack Lambert com perícia sob as vistas de Gary Cooper
e Cesar Romero (acima); Lancaster desrespeitando a etiqueta.

Aventureiros de "Vera Cruz": Ernest Borgnine, Charles Bronson e Archie
Savage; abaixo James McCallion, James Seay e Jack Elam.


As pirâmides de Teotiaucan como cenário; abaixo Gary Cooper recupera
sua carteira devidamente esvaziada por Sarita Montiel.