UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

31 de maio de 2011

"SHENANDOAH", JAMES STEWART UM PATRIARCA NA GUERRA CIVIL


William K. Everson em seu magnífico livro “Hollywood Western” observou que os westerns teriam sido muito melhores se não houvesse John Ford. Everson completa afirmando que a inevitável comparação com os westerns de Ford tornam qualquer filme menor. O ideal então seria assistir aos westerns esquecendo de John Ford, mas como fazer isso quando deliberadamente um filme procura ser parecido com os filmes do Mestre das Pradarias? É o caso de “Shenandoah”, dirigido por Andrew V. McLaglen, diretor que cresceu nos sets de filmagens em que seu pai, Victor McLaglen, atuava sob as ordens de Ford. E como seria bom se McLaglen tivesse absorvido bastante mais da influência de John Ford e presenteado o gênero com outros filmes como “Shenandoah”, que afinal acabou sendo o melhor de seus filmes.

A INDESEJÁVEL GUERRA - “Shenandoah” conta a história de Charlie Anderson (James Stewart), patriarca viúvo e fazendeiro no Vale de Shenandoah, no Estado da Virginia. Embora se escute na sua propriedade os tiros de canhão cada vez mais próximos, Anderson entende que essa guerra nada tem a ver com a sua vida e as vidas de seus filhos, uma moça e seis rapazes, eles com idade para ir para a frente de batalha. Alguns dos filhos até demonstram o desejo de lutar pelo Sul, mas o autoritário Charlie Anderson doutrina os filhos para que estes pensem como ele. Anderson pensa diferente da maioria dos sulistas e sequer possui escravos, uma das causas da fratricida guerra da qual ele não quer participar. Com sua fazenda praticamente cercada pelas batalhas é inevitável que a guerra interfira na vida de Anderson, primeiro vendo Boy (Phillip Alford), seu filho caçula, ser equivocadamente preso como rebelde pelas tropas yankees. Anderson e quatro de seus filhos saem à procura de Boy chegando a enfrentar um pelotão nortista que conduz um trem de prisioneiros. James (Patrick Wayne), o filho casado de Anderson, permanece na fazenda e é morto juntamente com a esposa por um grupo de saqueadores. Outro filho é morto quase que acidentalmente por um inexperiente soldado rebelde de 16 anos. Desolado Charlie Anderson retorna para sua casa e vê a família reduzida com as mortes ocorridas, ainda que Boy, que havia escapado da prisão, retorne ferido para diminuir a dor do patriarca.


UMA “AMERICANA” DE McLAGLEN - “Shenandoah” foi produzido para ser lançado em 1965, ano em que se comemorou o centenário do fim da sangrenta Guerra Civil norte-americana, ocorrido com a rendição sulista em 9 de abril de 1865. Como não poderia deixar de ser o filme demonstra a inutilidade da guerra e, mais que isso, a destruição de famílias inteiras, mesmo daquelas que ideologicamente não aceitavam a divisão do país com o consequente conflito. Andrew V. McLaglen realizou um filme com toques de sentimentalismo sem esquecer de momentos de comédia, estes proporcionados pelo pouco engraçado Philip Alford, o Boy e pelo hilário Pastor Bjoerling (Denver Pyle) Na linha de Ford é explorada a beleza da paisagem com a cinematografia de William H. Clothier, ainda que as locações tenham ocorrido em Thousand Oaks, na Califórnia e não no cenário natural da Virginia. A família sempre reunida, a obediência à liderança paterna e a presença forte da igreja na comunidade criam a atmosfera própria para o desenvolvimento do roteiro de James Lee Barrett. E o tema musical com a canção tradicional “Oh Shenandoah” completa o belo quadro dessa verdadeira Americana, apropriadíssima para o filme-libelo que “Shenandoah” pretendeu ser. O que faltou então para que o western de McLaglen fosse uma obra-prima? Faltou justamente a magia de John Ford, sempre inserida naturalmente em seus filmes. James Stewart tem dois momentos discursivos, um perfeito, junto ao túmulo de sua falecida esposa Martha; o segundo, claramente forçado, quando da morte de seu filho Jacob pelo rebelde adolescente. Incapaz de entender porque havia disparado contra Jacob, as palavras de James Stewart para o jovem rebelde soam inconsequentes.

UM FILME DE JAMES STEWART – Verdadeiro tour-de-force para o veterano James Stewart, “Shenandoah” proporciona a ele outra grande atuação em um faroeste. Paralelamente aos acontecimentos da Guerra Civil o personagem vivido por James Stewart passa da arrogância à humildade diante das tragédias das batalhas que acabam por atingi-lo. E entre essa mudança surge o homem duro, quase cruel, muito próximo dos personagens que Stewart viveu nos westerns de Anthony Mann. As sequências todas do filme são construídas para James Stewart, pouco sobrando para a quase inexpressividade de seus filhos no filme (Patrick Wayne, Glenn Corbett, Charles Robinson, Tim McIntire, Jim McMullan e Phillip Alford). Saem-se melhor a filha Rosemary Forsyth (Jennie) e Doug McClure (Tenente Sam). Surpreendentemente bem está George Kennedy como o Coronel Fairchild. Em papéis menores os Paul Fix, James Best e Strother Martin. Destaque para o excelente Denver Pyle como o irritadiço Pastor Bjoerling.


REGULARIDADE NO WESTERN - Andrew V. McLaglen viria a ser o mais ativo diretor de westerns dos anos 60 e 70, dirigindo John Wayne em quatro oportunidades. Graças a esse menosprezado diretor e à regularidade com que dirigia, nunca faltava um faroeste para alegria dos fãs do gênero, ainda que sua mão fosse um tanto quanto pesada. E “Shenandoah” é, como foi dito, seu melhor trabalho, sem esquecer do também excelente “Desbravado o Oeste”. Seus filmes traziam no elenco gente como o Duke, Kirk Douglas, Richard Widmark, Dean Martin, Robert Mitchum e James Stewart. O que mais poderiam querer aqueles eternos westernmaníacos, não é mesmo?

"HOMENS SEM PAZ", UM FAROESTE CABOCLO


Na década de 50 o cinema nacional iniciou um novo gênero cinematográfico, fugindo dos dramas urbanos e comédias musicais que eram as marcas do nosso cinema. Quase que simultaneamente a Vera Cruz e a Atlântida lançaram faroestes. Em São Paulo, produzido pela Vera Cruz, um faroeste passado no Nordeste e que ganhou prêmios pelo mundo afora, que foi “O Cangaceiro”, de Lima Barretto, realizado em 1953. No Rio de janeiro, em 1954, a Atlântida, especializada em comédias e paródias, pegou carona no sucesso de “Matar ou Morrer” e Carlos Manga dirigiu “Matar ou Correr”, que fez tanto ou maior sucesso que o western de Fred Zinnemann.

CICLO CAMPINEIRO - Em Campinas, cidade distante 90 quilômetros de São Paulo, teve início também em meados dos anos 50 o quase desconhecido Ciclo Cinematográfico Campineiro. Esse ciclo não teve uma empresa cinematográfica estruturada, tendo os filmes realizados o apoio financeiro de fazendeiros da região que acreditavam no potencial artístico de apaixonados pela 7.ª Arte. Em 1954 Antoninho Hossri escreveu, dirigiu e montou “Da Terra Nasce o Ódio”, drama rural que já indicava semelhanças com os faroestes norte-americanos. Interessante notar que o título desse filme nacional acabou sendo adaptado anos mais tarde para um grande western de Hollywood que foi “Da Terra Nascem os Homens”, que em Inglês teve o título de “The Big Country”. O ator principal de “Da Terra Nasce o Ódio” era o campineiro Maurício Morey. Em 1955 o mesmo Antoninho Hossri escreveu e dirigiu “A lei do Sertão”, decididamente um faroeste nacional. Milton Ribeiro, que havia interpretado 'Galdino' em “O Cangaceiro”, volta a ser bandido com o nome de 'Trovoada' em "A Lei do Sertão". O mocinho era outra vez Maurício Morey.

“HOMENS SEM PAZ” - Em 1957 o diretor Carlos Coimbra filmou a vida do bandido Diogo da Rocha Figueira no filme intitulado “Dioguinho”, também considerado um faroeste nacional. Dioguinho foi interpretado por Hélio Souto e no elenco também estava John Herbert, o mocinho de “Matar ou Correr”. Nesse mesmo ano de 1957 com suporte financeiro parecido com o do Ciclo Campineiro, foi produzido “Homens Sem Paz”, filmado em Lucélia, cidade do Oeste de São Paulo próxima a Presidente Prudente e Santo Anastácio. “Homens Sem paz” foi dirigido por Lorenzo Serrano, espanhol radicado em São Paulo. “Homens Sem Paz” é um autêntico faroeste caboclo com cavalgadas, lutas, troca de tiros e o final feliz em que o mocinho beija a mocinha que está na garupa de seu cavalo. O mocinho é novamente Maurício Morey e o bandidão é Édio Esmânio, conhecido como 'Tarzan Brasileiro'.

Maurício Morey nas duas fotos acima e na foto principal
ENDEREÇO E HORÁRIO - A Biblioteca Temática Roberto Santos exibirá hoje, dia 1.º de junho, ás 19 horas o faroeste “Homens Sem paz”, como parte da programação da Sessão Nostalgia do mês de junho. A programação da Sessão Nostalgia é feita por Archimedes Lombardi. Curiosamente, o cinéfilo Archimedes Lombardi nasceu em Santo Anastácio, cidade vizinha a Lucélia, onde foi filmado “Homens Sem Paz”. O endereço da Biblioteca Temática Roberto Santos é: RUA CISPLATINA, 505 – BAIRRO DO IPIRANGA, SÃO PAULO, SP. Os telefones da Biblioteca Temática Roberto Santos são estes: 2273-2390/2063-001.

ENQUETE OS MELHORES WESTERNS

A enquete de Cinewesternmania para apurar os Melhores Westerns de Todos os Tempos entra em contagem regressiva, uma vez que estamos no último mês da votação. Aqueles que ainda não votaram e pretendem votar não devem se esquecer que o prazo final é dia 30 de junho próximo. A classificação atual dos 15 primeiros colocados, após 87 votos consignados, é a seguinte:

1.º) "Rastros de Ódio" (The Searchers) – 50 votos

2.º) "Os Brutos Também Amam" (Shane) – 39 votos

3.º) “Meu Ódio Será Sua Herança" (The Wild Bunch) – 25 votos

4.º) “Matar ou Morrer” (High Noon) – 24 votos

5.º) “No Tempo das Diligências” (Stagecoach) – 22 votos

6.º) “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine) – 19 votos

7.º) “Rio Vermelho” (Red River) – 18 votos

8.º) “Sete Homens e Um Destino” (The Magnificent Seven) – 17 votos

9.º) “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance) – 16 votos

10.º) "Era Uma Vez no Oeste” (C’Era Uma Volta Il West) – 15 votos

11.º) “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo) – 14 votos

12.º) "Os Imperdoáveis" (Unforgiven) – 11 votos

12.º) “Josey Wales, o Fora-da-Lei” (Outlaw Josey Wales) – 11 votos

12.º) “Três homens em Conflito” (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo) – 11 votos

15.º) “Vera Cruz” – 10 votos

30 de maio de 2011

GEORGE MONTGOMERY, ARTISTA DO VELHO OESTE


“Pistoleiro por Equívoco” (Two Badges and a Gun), com Wayne Morris, de 1954, é considerado o marco derradeiro dos chamados westerns B feitos em série. Porém isso não significou o fim dos westerns de menor orçamento uma vez que alguns atores se encarregaram de fazer com que os programas duplos dos cinemas não lançadores fossem quase sempre complementados por um movimentado faroeste. Randolph Scott, Audie Murphy, Rory Calhoun, Guy Madison, Rod Cameron, Dale Robertson e George Montgomery foram os principais mocinhos que fizeram da década de 50 uma época incomparável para o western, ou melhor, a pricipal delas. E desse grupo de atores, George Montgomery ocupa um lugar de destaque não só pelo número de westerns que fez, mas também pela qualidade dos mesmos.

INÍCIO PROMISSOR - George Montgomery Letz nasceu em 29 de agosto de 1916 na cidade de Brady, Montana. Caçula entre os 15 filhos de um casal de imigrantes da Ucrania, George foi criado numa fazenda e aprendeu na prática os rudimentos da vida de cowboy. Cursou por algum tempo a Universidade de Montana, mas a sua boa estampa e seus 1,91 de altura o encaminharam para o cinema. Começou fazendo figurações em filmes de Roy Rogers e Gene Autry, na Republic Pictures. Atuou também como dublê de John Wayne que naquele tempo era magro como George Montgomery, além de terem quase a mesma altura. Em 1938 a Republic decidiu provocar os fãs de seriados lançando “O Guarda Vingador” (The Lone Ranger), com nada menos que cinco atores mascarados e vestidos como o personagem The Lone Ranger. Os ‘Lone Rangers’ iam morrendo um a um até restar só verdadeiro. O achado da Republic era fazer com que os espectadores tentassem descobrir qual deles era o verdadeiro herói mascarado. Nesse período George Montgomery atuava com o nome artístico de George Letz, isto quando conseguia ser creditado, o que era raro. Ainda assim chamou a atenção da 20th Century-Fox com quem assinou contrato. A Fox logo mudou seu nome para George Montgomery e o colocou como ator principal numa série de filmes juvenis. O estúdio deu a George a oportunidade de voltar às origens com os westerns “O Cavaleiro do Deserto” (Riders of the Purple Sage) e “O Último dos Duanes” (The Last of the Duanes), ambos de 1941. A 20th Century-Fox apostava no futuro de George Montgomery e o escalou também como coadjuvante em boas produções como o musical “Serenata Azul”. Era o período da 2.ª Grande Guerra e Montgomery foi convocado em 1943, sendo desligado do Exército ao final do conflito mundial, em 1945. George cumpriu o contrato até o final atuando ainda em mais dois filmes da Fox, um deles personificando o detetive Philip Marlowe, criação de Raymond Chandler, em “A Moeda Trágica” (The Brasher Doubloon). Tyrone Power e Gregory peck eram os principais galãs da Fox e o estúdio, por economia, decidiu não renovar o contrato de muitos jovens artistas, entre eles George Montgomery. Sorte do western pois George passou a atuar indistintamente pela Columbia, United Artists e Allied Artists, fazendo cada vez mais faroestes. Só na década de 50 foram mais de 20, para alegria dos fãs do gênero.

O MOCINHO GEORGE MONTGOMERY - A impressionante sequência de westerns de George Montgomery começou no final dos anos 40 e prosseguiu durante toda a década seguinte, o que o coloca ao lado de Randolph Scott e Audie Murphy como o trio de verdadeiros campeões do gênero. A longa série de westerns de George Montgomery teve início em 1947 com “A Filha da Foragida” (Belle Starr’s Daughter), com Rod Cameron e Ruth Roman. Em seguida atuou em “A Voz do Sangue” (Davy Crockett, Indian Scout) com Ellen Drew. Já na década de 50 George cavalgou em “A Bela Lil” (Dakota Lil), com Marie Windsor e Rod Cameron; “Pista Cruenta” (The Iroquis Trail), com Brenda Marshall; “O Manto da Morte” (The Texas Rangers), com John Dehner; “Rebelião de Bravos” (Indian Uprising) com Audrey Long; “Era da Violência” (Cripple Creek), com Richard Egan; “Aliança de Sangue” (The Pathfinder), com Jay Silverheels; “De Homem para Homem” ou “Pistola” (Gun Belt), western acima da média, dirigido por Ray Nazarro, com Tab Hunter e Jack Elam; “Ticonderoga, Forte da Coragem” (Fort Ti); “Alçapão Sangrento” (Jack McCall Desperado), com Douglas Kennedy; “Ases do Gatilho” (Masterson of Kansas), com James Griffith; “Rio de Sangue” (Battle of Rogue River), com Richard Denning; “Até o Último Tiro” (The Lone Gun), com Dorothy Malone, Frank Faylen e Neville Brand, provavelmente o melhor dos westerns de Montgomery em toda a década; “Covil de Feras” (Robber’s Roost), com Richard Boone; “A Mulher e os Índios” (Seminole Uprising); “O Rio dos Homens Maus” (Canyon River), com Peter Graves; “Bandoleiros de Durango” (Gun Duel in Durango), com Steve Brodie; “Ataque Sanguinário” (Pawnee), com Lola Albright; “Oeste Selvagem” (Black Patch), com Leo Gordon; “Império de Balas” (Last of the Badmen), com James Best; “O Melhor Gatilho” (Thoughest Gun in Tombstone), com Beverly Tyler; “A Fúria Negra” (King of Wild Stallion), com Edgar Buchanan. Para fechar esse ciclo de westerns George Montgomery interpretou Pat Garrett em “A Morte a Cada Passo” (Badman’s Country), com Neville Brand e Buster Crabbe. Em 1958 George Montgomery afastou-se do cinema para se dedicar à série de TV “Cimarron City”, exibida em 1958 e 1959 e que teve um total de 26 episódios. Montgomery encabeçou o elenco interpretando o prefeito da cidade de Cimarron. A série, no entanto, não conquistou grande audiência e foi cancelada.


FASE GLOBETROTTER - George então voltou a fazer filmes, principalmente no gênero aventura. O primeiro foi “Watusi, o Gigante Africano”, cujo nome é indicador da contrastante mudança de gênero. Em seguida, estrelados, roteirizados e dirigidos pelo próprio George Montgomery vieram “Samar, a Ilha do desespero”, “A Garra de Aço”, “Guerrilhas em Pink Lace”, “From Hell to Borneo” e “Colheita Satânica”. Os anos 60 foram, decididamente estranhos na carreira de George Montgomery, que atuou na superprodução inglesa “Uma batalha no Inferno”, com grande elenco comandado por Henry Fonda. Continuou na guerra e na Europa em “Missão Bomba 10:10”, filmado na Iugoslávia. Foi à África do Sul para atuar em “Estranhos ao Amanhecer”, em que contracenou com Deanna Martin, filha do grande Dino. Depois foi a vez da Espanha, onde George Montgomery atuou em "O Pistoleiro do Rio Vermelho” (El Proscrito Del Rio Colorado), faroeste espanhol. Quase um globetrotter, George voltou aos Estados Unidos onde atuou em “Geração Alucinada”, numa época em que se começou a fazer filmes sobre drogas psicodélicas. Em 1967 Montgomery atuou em “Gatilhos do Ódio” (Hostile Guns), western da série do produtor A.C. Lyles que quase só contratava atores veteranos. Ao lado de Montgomery estavam neste filme Yvonne De Carlo, Tab Hunter, Brian Donlevy e Leo Gordon. A carreira de George Montgomery chegou ao fim com os filmes “Warkill”, em que contracenou com o veterano Tom Drake e em 1970 e com “The Daredevil”, em que George é um piloto de corridas de automóveis contracenando com a também veterana Terry Moore. O último filme de George Montgomery foi fazendo uma ponta em “Dikiy Veter”, produzido na Iugoslávia.

Uma das esculturas do artista
George Montgomery

RENOMADO ESCULTOR - George Montgomery era um ator bonitão nos seus primeiros tempos em Hollywood, o que o levou a quase ter sido mais um marido de Carole Landis, a linda atriz norte-americana que se suicidou aos 29 anos depois de cinco casamentos fracassados. Em 1943 George Montgomery desposou a bonita e excelente cantora Dinah Shore, com quem teve dois filhos. Ficaram casados por 20 anos. Afastado do cinema, George Montgomery passou a exercitar seus dotes artísticos, dedicando-se a vários de seus hobbies como projetar casas, desenhar móveis, pintar e esculpir. George era extremamente talentoso, mas foi como escultor que seu talento foi mais reconhecido. As esculturas que fazia eram disputadíssimas obras de arte e, claro, custavam caro. Entre as mais de 50 esculturas que George produziu estão as de John Wayne, Clint Eastwood, Ronald Reagan, Gene Autry, e Randolph Scott. George Montgomery foi um dos mais ativos participantes dos bastante frequentes encontros de ex-astros dos faroestes com os fãs. Sempre simpático era bastante querido pelos amigos e pelos admiradores de sua arte e de seus filmes. George Montgomery faleceu de complicações cardíacas aos 94 anos, no dia 12 de dezembro de 2000, na Califórnia. Muitos de seus filmes estão hoje disponíveis para que se constate que ele foi, sem sombra de dúvida, um dos grandes mocinhos do cinema.


29 de maio de 2011

ROBERT DUVALL, O COWBOY NATURAL


Os anos 60 e 70 nos deram uma extraordinária geração de atores composta por Jack Nicholson, Dustin Hoffman, Robert Redford (todos nascidos em 1937), Robert De Niro, Al Pacino e Gene Hackman. Também dessa geração, ainda que muito menos lembrado, é Robert Duvall, isto apesar da sucessão de grandes interpretações de Duvall, algumas delas certamente entre as melhores dos últimos 50 anos no cinema. Para comprovar essa afirmação é só lembrar as criações de Duvall para Tom Hagen, o advogado de “O Poderoso Chefão I e II”, o delirante Coronel Bill Kilgore em “Apocalypse Now” e o Coronel Bull Meechum em “O Dom da Fúria”. Cada vez que Robert Duvall entra em cena em um filme temos a certeza de mais um desempenho perfeito e Duvall supera Nicholson, Hoffman, Redford e Hackman em um quesito: fez mais westerns que todos eles juntos. (Pacino e De Niro jamais fizeram um western.)

Robert Duvall em "Joe Kidd"
MORTO POR JOHN WAYNE E POR CLINT EASTWOOD - Robert Duvall passou praticamente toda a década de 60 atuando na TV, tendo raríssimas oportunidades no cinema. Em 1969, porém, faria seu batismo no faroeste em “Bravura Indômita” (True Grit), interpretando o fora-da-lei Ned Pepper e tendo a honra de ser morto por Rooster Cogburn na famosa cena que John Wayne segura as rédeas com a boca, atirando com rifle e revólver ao mesmo tempo. O segundo western de Robert Duvall foi no violento “Mato em Nome da Lei” (The Lawman), de 1971, um daqueles bons westerns que Burt Lancaster fez quase em sequência. Em 1972, agora como chefe de quadrilha, Duvall foi morto por Clint Eastwood em “Joe Kidd”. Outra vez como fora-da-lei, Robert Duvall interpretou Jesse James no prestigiado “Sem Lei e Sem Esperança” (The Great Northfield Minesotta Raid), dirigido por Philip Kauffman. O gênero western esperaria quase 20 anos pelo retorno de Duvall às selas, que se deu na primorosa série “Pistoleiros do Oeste” (The Lonesome Dove), feita para a TV, mas cuja qualidade excepcional o transformou num verdadeiro cult para os fãs de faroestes. Interpretando 'Gus' McCrea, Robert Duvall proporcionou uma inesquecível e enternecedora interpretação ao lado de Tommy Lee Jones. “Pistoleiros do Oeste” é um elegíaco western que foi ao ar em quatro episódios num total de seis horas de duração (373 minutos). Sabe-se lá por qual razão, aqui no Brasil o filme foi lançado totalmente editado com apenas 190 minutos, ou seja, assistimos apenas à metade do hoje clássico “Lonesome Dove”. E essa mutilada edição nacional não contém o making-of e o farto material que completa o DVD norte-americano, este sim com a metragem original. Antes de “Pistoleiros do Oeste”, Robert Duvall interpretou um personagem country em “A Força do Carinho” (Tender Mercies) que lhe valeu o Oscar de Melhor ator em 1984.

"PACTO DE JUSTIÇA" - Em 1993 Robert Duvall reencontrou-se com seu amigo Gene Hackman com quem chegou a dividir quarto quando ambos atuavam na Broadway. Hackman e Duvall esteveram no elenco do excelente “Gerônimo – Uma Lenda Americana” (Geronimo – An american Legend), no qual Duval interpretou o batedor Al Sieber. No ano de 2003 comemorou-se o centenário do western e esse ano foi verdadeiramente glorioso para Robert Duvall e para os apreciadores de faroestes. Duvall é descendente indireto do General Robert E. Lee e teve a oportunidade de interpretá-lo em “Deuses e Generais” (Gods and Generals), excelente biografia do General Thomas Stonewall Jackson. Poucas vezes se viu nas telas uma encarnação tão perfeita do General Lee como a de Robert Duvall. Proprietário de uma fazenda na Virginia, inúmeras sequências de “Deuses e Generais” foram filmadas na fazenda de Duvall. Nesse mesmo ano de 2003 Kevin Costner interpretou e dirigiu “Pacto de Justiça” (Open Range). Kevin sabia perfeitamente o risco que correria ao chamar Robert Duvall para desempenhar o papel de seu pardner 'Boss' Spearman. O risco inevitável era ver Duvall reeditar a já lendária interpretação como 'Gus' McCrea em “Pistoleiros do Oeste” e atrair todas as atenções dos espectadores. “Pacto de Justiça” é um filme emocionante, sincero e bonito no qual tudo deu certo e Kevin Costner, Annette Bening e todo o elenco estão perfeitos, mas acima de todos está a atuação magnífica de Robert Duvall. Em 2006 outra vez a TV roubou Duvall do cinema e ele encabeçou o elenco de “Rastro Perdido” (Broken Trail), western que aborda o inusitado tema da exploração sexual de mulheres chinesas no Velho Oeste.

QUANTO MAIS VELHO MELHOR - Clint Eastwood desmontou definitivamente aos 62 anos. Duvall, que tem a mesma idade de Clint continuou cavalgando no cinema, sempre convincente com sua enorme naturalidade. Em plena atividade aos 80 anos, a qualquer momento Robert Duvall pode dar aos fãs de westerns uma nova e agradável surpresa atuando em mais um faroeste, gênero que ele tanto aprecia. Para falar de Duvall vale até fazer uso daquela batida frase dizendo que ele é como o vinho. Pois em suas atuações têm mantido aquele nível excepcional que só os verdadeiramente grandes atores conseguem ter.

28 de maio de 2011

FRANKIE LAINE, A VOZ DOS GRANDES WESTERNS


Mel Brooks queria que sua engraçadíssima comédia “Banzé no Oeste” tivesse uma introdução parecida com a daqueles grandes westerns dos anos 50. Para isso colocou um anúncio nos jornais convocando cantores que imitassem a inconfundível voz de Frankie Laine. Entre os diversos candidatos apareceu um senhor de 60 anos que queria falar com Mel Brooks. Mel reconheceu imediatamente que aquele risonho senhor era Frankie Laine e passada a surpresa inicial explicou a ele que o filme seria uma paródia aos faroestes e por isso não o procurou diretamente. Frankie que era admirador dos filmes de Brooks pediu para ver a letra da canção-título “Blazing Saddles”, cuja tradução é qualquer coisa parecida com selas incandescentes. Frankie com sua conhecida e empolgante categoria cantou a canção e Mel mandou dispensar a fila de candidatos. A comédia tornou-se clássica, inclusive pelo impactante início com Frankie cantando enquanto surgem os letreiros iniciais.

O SUCESSO COM “HIGH NOON” - A relação de Frankie Laine com o western tinha mais de três décadas e começou com “Matar ou Morrer” (High Noon), a obra-prima de Fred Zinnemann. Quem cantou a marcante canção-título naquele filme de 1952 foi o cowboy-cantor Tex Ritter. O western fez sucesso e Frankie Laine, que já era um cantor consagrado, gravou “High Noon” sem maiores pretensões. O original de Tex Ritter vendeu meia dúzia de discos dessa música, enquanto a gravação de Frankie bateu no milhão de cópias. Muitos que assistiram “Matar ou Morrer” pela primeira vez nas reprises sentiam-se frustrados pois a gravação que se ouvia não era o fenomenal sucesso de Frankie Laine. Esse excepcional cantor de voz poderosíssima (e nem por isso chato como a maioria dos cantores cujas vozes têm grande alcance) não era exatamente um cantor de canções Country & Western. O apelido de Frankie Laine era Mr. Rhythm (Senhor Ritmo) e ele era considerado um dos melhores cantores da América, isto em um tempo em que a concorrência era com gente do porte de Bing Crosby, Sinatra, Nat King Cole, Tony Bennett, Dick Haymes e outros gigantes. Mesmo assim, depois de “High Noon” Frankie passou a ser procurado por diretores musicais dos estúdios que queriam sua voz para abrir outros filmes.

MEMORÁVEIS CANÇÕES-TÍTULO - “Sangue da Terra”, que não é um western, tornou-se memorável não pelo fato de ter o elenco encabeçado por Gary Cooper, Barbara Stanwyck e Tony Quinn. Todos falavam que era aquele filme da música ‘...Marina mine, set me free, from black gold...’ cantada por Frankie Laine, que também virou grande sucesso. O filme é “Sangue da Terra”, de 1953, e a canção-tema era “a Balada do Ouro Negro”. Em seguida Frankie foi convocado para cantar “Man Without a Star”, canção que abriu o grande western que foi “Homem Sem Rumo”, de 1955, estrelado por Kirk Douglas. Também estrelado por Kirk Douglas como Doc Holliday e Burt Lancaster como Wyatt Earp foi “Sem Lei e Sem alma”, de 1957, cuja espetacular abertura tinha Frankie Laine cantando “Gunfight at the OK Corral”. No mesmo ano Frankie Laine ajudou a tornar “Galante e Sanguinário” um clássico com sua interpretação de “3:10 to Yuma”, canção-título desse western que teve Glenn Ford no papel principal. Claro que entre esses faroestes Frankie Laine gravava outras músicas para filmes de outros gêneros, mas o efeito não era o mesmo pois a voz de Frankie era a própria voz do western. Em 1958 foi a vez de “A Vingança Deixa a Sua Marca” (Bullwhip), cuja marca maior foi a abertura cantada por Frankie Laine, nesse western menor estrelado por Rhonda Fleming e Guy Madison.


A EXPLOSÃO COM RAWHIDE - Todas essas aberturas de westerns tornaram-se clássicas, ainda que nenhuma tenha repetido o extraordinário sucesso de vendas de “High Noon”. Frankie Laine reencontrou o sucesso no hit parade da revista Billboard com uma gravação feita para uma série de TV estrelada pelos desconhecidos Clint Eastwood e Eric Fleming. A série chamava-se “Rawhide” e semanalmente Frankie Laine invadia os lares norte-americanos com sua possante voz interpretando a música-tema da série do mesmo nome. A música “Rawhide” tornou-se clássica e ao lado de “Riders in the Sky”, de Stan Jones pode ser considerada como a suprema canção dos cowboys. Nos Estados Unidos a questão de direitos autorais é para valer e “Rawhide” garantiria sozinha uma aposentadoria tranqüila para Frankie Laine pois é tocada em todo lugar onde o assunto seja rodeio ou onde haja cowboys. Os atrapalhados irmãos Joliet e Elwood, conhecidos por Blues Brothers, na maior cara-de-pau cantaram “Rawhide” para acalmar o público daquela casa noturna do Tennessee na comédia “Os Irmãos Cara-de-Pau”. Nos anos 60 o cinema mudou bastante e os westerns passaram a ter outras formas de abertura diferentes daquela imortalizada (e muito imitada) por Frankie Laine. Ainda assim a voz de Frankie Laine nunca deixou de ser ouvida na trilha sonora de grandes filmes como “A Última Sessão de Cinema” (ouve-se Frankie cantar “Rose, Rose, I LoveYou”) ou “Touro Indomável” (Frankie canta “That’s My Desire”). E a colaboração direta de Frankie Laine com o western foi fechada brilhantemente com sua voz incandescente cantando “Blazing Saddles”.

SUCESSOS INESQUECÍVEIS - Francesco Paolo Lo Vecchio (nome verdadeiro de Frankie Laine) nasceu em 13 de março de 1913 em Chicago, filho de imigrantes sicilianos. Seu pai era o barbeiro preferido de Al Capone e colocou o filho para cantar no coro da Igreja Imaculada Conceição. Quando Frankie se mudou para Los Angeles foi descoberto pelo compositor Hoagy Carmichael. Entre os sucessos inesquecíveis de Frankie Laine estão “I Believe”, “Jezebel”, “The Sunny Side of the Street” e uma longa lista que o levaram a ser chamado de Old Man Jazz. Entre os fãs da country music Frankie tinha o apelido de Old Leather Lungs (Pulmões de Couro Velho). Esse maravilhoso cantor faleceu em San Diego, na Califórnia, em 8 de fevereiro de 2007, aos 94 anos, muitos dos quais dedicados a emocionar os westernmaníacos nos filmes e nos discos.


27 de maio de 2011

TOP-TEN WESTERNS DE LAZINHO KID BLUE


Lázaro Narciso Rodrigues, o “Lazinho Kid Blue” é o Rei dos Cowboys Brasileiros, muito apropriado epíteto que ele recebeu logo que chegou ao CAW, clube que congregava os westernmaníacos, em São Paulo, por volta de 1987, na saudosa sede da Rua José Getúlio. Kid Blue não precisou de muito tempo para demonstrar seu amor pelo faroeste, especialmente pelas vestimentas que sempre usou e que o destacava sobremaneira daquela roda de cowboys paulistanos. Seu maior ídolo é Roy Rogers e a semelhança com o Rei dos Cowboys não é apenas pelas roupas que manda a costureira fazer com esmero ao estilo das roupas de seu ídolo. Lazinho Kid Blue tem de Roy Rogers também a simpatia, a noção de justiça, a integridade, a coragem e a enorme generosidade. Amigos para ele é para se guardar no lado esquerdo do peito, como diz a canção. Se Paulo Perdigão não descansou enquanto não esteve em Jackson Hole para pisar o mesmo solo por onde Shane caminhou, Lazinho também não sossegou enquanto não esteve no Museu de Roy Rogers e Dale Evans, travando contato com as filhas do famoso mocinho. E visitou Alabama Hills e o Iverson Ranch, onde seu herói cavalgava Trigger emocionando a garotada dos poeiras dos anos 40 e 50. Tendo morado em Los Angeles, Lazinho Kid Blue colocou as mãos e as botas nas marcas deixadas no cimento por Roy Rogers em frente ao Grauman’s Chinese Theatre e admirou a estrela de Roy na calçada da fama. Nada mal para quem quando criança não piscava os olhos ao assistir os westerns de Roy Rogers no cineminha de Montemór, sua terra natal.


 Há bastante tempo radicado em Campinas, Lazinho Kid Blue, nos remeteu lá da Terra das Andorinhas a lista de seus westerns preferidos. Não exatamente uma relação de Top-Ten pois ele não conseguiu deixar de fora seus ídolos Roy Rogers, George Montgomery e Audie Murphy, de quem gosta tanto quanto John Wayne e outros grandes astros dos faroestes. Cinewesternmania tem enorme orgulho de publicar os westerns favoritos de Lazinho Kid Blue, bem como mostrar ao grande número de seguidores deste blog como é o “Rei dos Cowboys Brasileiros”.

 
1.º) Matar ou Morrer (High Noon), 1952 – Fred Zinnemann

2.º) Os Brutos Também Amam (Shane), 1953 – George Stevens

3.º) Ardida como Pimenta (Calamity Jane), 1953 – David Butler

4.º) Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven), 1960 – John Sturges

5.º) O Último Pistoleiro (The Shootist), 1976 – Don Siegel

6.º) Rastros de Ódio (The Searchers), 1956 – John Ford

7.º) O Homem que Matou o Facínora (The Man who Shot Liberty Valance), 1962 – John Ford

8.º) A Trilha de Robin Hood (Trail of Robin Hood), 1950 – William Witney

9.º) A Bela Lil (Dakota Lil), 1950 – Lesley Selander

10.º) O Último Duelo (The Cimarron Kid), 1952 – Budd Boetticher


A PASSAGEM DO DIABO (Devil's Doorway) - O ÍNDIO DIGNO DE ANTHONY MANN

Atribui-se a “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), de Delmer Daves, filmado em 1950 e produzido pela 20th Century-Fox, haver sido o primeiro western a tratar o índio norte-americano com o respeito jamais obtido no cinema. Até então prevalecia a filosofia do General Sheridan que “índio bom é índio morto”. Porém no mesmo ano de 1950 foi exibido “A Passagem do Diabo” (Devil’s Doorway), de Anthony Mann, filme que também trata da questão do índio de forma isenta do preconceituoso, odioso e até então eterno parcialismo de Hollywood. “Flechas de Fogo” foi exibido nos Estados Unidos em agosto de 1950, enquanto “A Passagem do Diabo” foi exibido em setembro do mesmo ano. Ocorre que o filme de Anthony Mann, produzido pela Metro-Goldwyin-Mayer foi rodado em 1949 e estranhamente deixado na prateleira. A MGM sempre foi o mais comportado dos grandes estúdios e certamente deve ter sido um choque para Louis B. Mayer quando se deparou com o western do jovem diretor e a abordagem de assunto tão delicado que era a dignidade dos índios. Vivia-se em 1950 um período difícil da vida política norte-americana, início da caça às bruxas com o nefasto Macarthismo. Um cineasta precisava ser muito corajoso para fazer determinados filmes. O que não faltava a Anthony Mann era coragem e deve ser creditado a ele, historicamente, o primeiro western a falar da questão indígena com simpatia. Simpatia e pessimismo. Os posteres para diferentes mercados cinematográficos mostram com clareza o receio de melindrar o povo que massacrou milhões de índios. Só em cartazes europeus vemos que o herói de “A Passagem do Diabo” era índio.



PARA OS BRANCOS TUDO, PARA OS ÍNDIOS A MORTE - Guy Trosper foi um roteirista de quem pouco se fala e que morreu cedo, aos 52 anos, em 1963. Trosper sempre gostou de escrever sobre a vida atribulada de alguns homens e são seus os roteiros de “A Face Oculta”, “O Homem de Alcatraz”, “Prisioneiro do Rock” e até o malfadado “O Americano”, filmado no Brasil com Glenn Ford em 1955. Anthony Mann, por sua vez, já era um experiente diretor com mais de 20 filmes rodados, muitos deles thrillers noir, quando decidiu que era hora de fazer westerns. E começou em grande estilo, pois em 1950 foram lançados nada menos que três faroestes seus: “Winchester 73” em julho, “Almas em Fúria” em agosto e, como já foi dito, “A Passagem do Diabo” em setembro, este com certo atraso. O encontro de Guy Trosper com Anthony Mann foi muito positivo e deu margem à história de Lance Poole (Robert Taylor), um índio soshone que serviu à Cavalaria dos Estados Unidos durante a Guerra Civil. Findo o conflito fratricida e após ser condecorado com a Medalha de Honra do Congresso pelo heroísmo demonstrado em diversas batalhas, Lance retorna para Wyoming, onde sua tribo possui terras. Essas terras são valiosas porque os homens brancos criadores de carneiro querem esses espaços excelentes para pastagem. Começam as artimanhas para que os brancos se apossem das terras dos soshones, negociações essas comandadas pelo inescrupuloso advogado Verne Coolan (Louis Calhern). Após a morte de Thundercloud (Chief John Big Tree), o chefe da tribo soshone, Lance Pole assume a posição de líder e entende que deve lutar por seus direitos. Lance procura a Justiça fazendo-se representar pela jovem advogada Orrie Masters (Paula Raymond), mas Washington delibera que os índios não devem ter direitos sobre terras que sejam de utilidade para os brancos. Com a experiência adquirida nas batalhas da Guerra Civil, Lance Poole defende as terras que foram de seus ancestrais utilizando técnicas militares do Exército. Porém com a chegada da Cavalaria para ‘apaziguar’ os soshones, estes são dizimados e o sonho de permanecer em suas terras é destruído. Lance Poole sucumbe vestido com a sua farda de sargento da Cavalaria e com a condecoração recebida no peito.



ROBERT TAYLOR, UM BRAVO ÍNDIO - Robert Taylor foi um dos grandes galãs do cinema norte-americano e teve nos braços atrizes como Greta Garbo, Vivien Leigh, Liz Taylor, Cyd Charisse, Deborah Kerr, Lana Turner e Ava Gardner, ou seja, algumas das mais lindas mulheres de Hollywood. Sua imagem de galã de cabelo abrilhantinado e o bigode meticulosamente aparado marcou toda uma geração de fãs. Em “A Passagem do Diabo” o Robert Taylor que vemos é completamente diferente: a pele escurecida e nenhum glamour o tornam aceitável como um índio apesar dos traiçoeiros e indisfarçáveis olhos azuis. Este não foi o primeiro western de Robert Taylor que já havia atuado em “Amor de Espia” (Stand Up and Fight), em 1939; como Billy The Kid em “Gentil Tirano”, de 1941; e em “Armadilha” (Ambush), em 1949. Robert Taylor interpreta com incomum intensidade o personagem Lance Poole, isto num tempo em que o ator estava pronto para denunciar colegas diante da comissão que apurava quem era vermelho no cinema. E quem se apaixona por Robert Taylor em “A Passagem do Diabo” é a bonita mas quase desconhecida Paula Raymond, cuja carreira no cinema não decolou, passando a atuar na televisão. Quem interpreta o tendencioso advogado é Louis Calhern, sempre ótimo em interpretações de homens simpáticos ou como tipos pouco confiáveis. No elenco ainda James Mitchell como o índio Red Rock, Edgar Buchanan, Rhys Williams, Spring Byington e James Millican.


A EXPOSIÇÃO DA CRUELDADE - Apenas com “A Passagem do Diabo” já seria possível antever o tratamento que Anthony Mann daria a quase todos os personagens de seus próximos westerns. Nenhum deles escapou de ter explorados seus conflitos íntimos revelando sempre que o Velho Oeste era sim, lugar de seres humanos chamados de cowboys. Vindo de uma série de filmes mais intimistas, Anthony Mann explora em “A Passagem do Diabo” os grandes espaços (a referência é Wyoming) de Aspen, na Califórnia. Muito boas cenas de ação como a violenta luta entre Lance Poole e Ike Stapletton (James Millican), a persegução dos índios à caravana dos criadores e ainda as sequências de batalha com explosivos sendo atirados no rebanho de carneiros. O extermínio dos soshones é mostrado de forma cruel e torna-se ainda mais triste com o uso de pouca luz, o suficiente para que seja vista a tragédia de mais um massacre. Pouco convincente, no entanto, a cena final com a morte do ferido índio Lance Poole fardado como herói da Cavalaria. Anos mais tarde, de forma épica Anthony Mann recriaria numa belíssima superprodução essa imagem com a figura lendária de El Cid, que de Lance Poole tinha em comum a coragem, determinação e senso de justiça.

JOHN WAYNE CONTRA JOHN WAYNE


John Wayne foi o grande campeão de bilheterias das décadas de 50 e 60. Ainda que John Wayne fosse o primeiríssimo colocado por ‘apenas’ quatro vezes (1950, 1951, 1954 e 1970), os longos 25 anos de presenças entre os top-ten moneymakers (interrompido apenas no ano de 1958) fazem de Duke o maior entre os maiores campeões de bilheteria do cinema. John Wayne praticamente nunca teve adversários no faroeste. Gary Cooper, Gregory Peck, Kirk Douglas, Burt Lancaster, Richard Widmark e outros grandes astros nunca cavalgaram com a assiduidade de John Wayne. Houve até quem dissesse que ele andava melhor a cavalo que a pé... Mas em 1967 John Wayne encontrou um adversário à altura: ele mesmo! O Duke havia filmado “Eldorado” sob a direção de Howard Hawks em 1966. Porém a Paramount decidiu guardar o filme e lançá-lo no Verão, época em que as pessoas vão mais ao cinema. “Eldorado” foi exibido em dezembro de 1966 no Japão, mas só foi visto em junho de 1967 nos States. Acontece que John Wayne havia produzido (pela sua Batjac) e estrelado “Gigantes em Luta” (The War Wagon), dirigido por Burt Kennedy. E a Batjac lançou este Western também em junho, no Verão de 1967. Então havia dois filmes de John Wayne em cartaz, um competindo com o outro. Duke gostava de atuar em faroestes e em “Gigantes em Luta” ele está particularmente feliz, como pode-se perceber assistindo a esse bem humorado western. Mas Duke ainda tinha que pagar algumas dívidas contraídas com “O Álamo”, então visitou várias cidades promovendo “Gigantes em Luta” e deixando “Eldorado” à própria sorte. Mas o parcialismo de John Wayne foi em vão pois ambos os filmes deram rigorosamente o mesmo lucro, por volta de seis milhões de dólares cada um (hoje alguma coisa parecida com quarenta milhões de dólares) só nos Estado Unidos. Os fãs de John Wayne foram assistir aos dois filmes. E nessa briga Duke X John Wayne acabou dando empate...

26 de maio de 2011

A GRANDE AMIZADE DE JOHN WAYNE E GAIL RUSSELL


Quando John Wayne conheceu Gail Russell ele estava casado com sua segunda esposa, a atriz mexicana Esperanza Baur, apelidada de ‘Chata’. Bastante temperamental, Chata infernizava a vida de John Wayne e apesar do tamanho do marido ‘saía nos tapas’ com ele. Duke então encontrou na jovem atriz Gail Russell, sua colega em “O Anjo e o Bandido” a paz que não tinha em sua casa. Duke e Gail tornaram-se grandes amigos e os grandes amigos de Duke sabiam que eles eram muito mais que amigos. Certo dia, quanto terminaram as filmagens de “O Anjo e o Bandido”, ocorreu uma festa com o elenco todo presente. John Wayne que gostava muito de ficar com seus amigos não desgrudava de Gail Russell. Quando chegou em casa, de madrugada, Chata o recebeu a tiros. Para sorte dele Chata também bebia e embriagada que estava não conseguiu acertar o enorme alvo. O caso foi abafado embora continuasse cada vez mais forte o rumor que John Wayne se separaria de Chata para casar com Gail Russell. Wayne e Chata continuaram casados e vivendo em constantes guerras conjugais.


AMIZADE SINCERA - Duke vivia guerreando também com Herbert J. Yates, o chefão da Republic. Yates para acalmar seu mais famoso contratado permitiu que ele escolhesse a leading-lady para seu próximo filme que seria “No Rastro do Bruxa Vermelha”. Só o amor pode explicar porque John Wayne pediu Gail Russell para o papel principal nesse filme, mesmo sabendo que Chata não o perdoaria. Chata foi à Justiça e denunciou Wayne de estar praticando adultério com Gail Russell. Wayne e Gail tiveram que jurar diante de um juiz que eram apenas amigos. Humilhada, Gail decidiu aceitar as incessantes propostas de casamento de Guy Madison e casou-se com ele. Porém Guy percebeu que não era ele que Gail amava e sim John Wayne e, claro, também a bebida não necessariamente nessa ordem. O ator não suportou o clamor popular no caso Wayne-Esperanza Baur (Chata) e divorciou-se de Gail. Não bastasse a natural insegurança, Gail Russell enfrentou também a desilusão de ter John Wayne apenas como amigo. Em 1954, já divorciado de Chata Duke casou-se novamente com outra latina, a peruana Pilar Wayne. Pilar acompanhava a dramática decadência física de Gail e até permitiu que Duke a ajudasse dando-lhe o papel principal em “Sete Homens Sem Destino”, prova maior de amizade de Duke por Gail Russell. Nesse filme da dupla Boetticher-Scott ela era uma pálida lembrança da linda mulher que fora um dia. As irreversíveis marcas da bebida haviam destruído muito da sua beleza. John Wayne, nesse tempo só tinha olhos para um projeto chamado “O Álamo” e distanciou-se da amiga Gail Russell. Até hoje permanece a interrogação por que John Wayne e Gail Russel não foram além da amizade que declararam ter? Talvez fosse a salvação da graciosa e atormentada atriz a quem o Duke tanto queria bem.

GAIL RUSSEL - O DESTINO TRÁGICO DE UMA LINDA ATRIZ


Nem John Wayne e nem Gail Russell jamais confirmaram o caso de amor que tiveram fora das câmeras, mas é inegável que algo muito especial houve entre os dois artistas. Ver os dois filmes que o Duke fez com Gail, o carinho enorme que ele dedicou a ela e os tempestuosos divórcios que se seguiram à “amizade”, que eles juraram ser o único elo entre os dois, tornam impossível não acreditar que Gail e John Wayne se amaram. Mas se Gail Russell teve a felicidade de ser amada pelo mais famoso cowboy do cinema, ela teve, paralelamente, uma das mais trágicas carreiras que se tem notícia.


UMA NOVA HEDY LAMAR – O sonho de quase toda jovem nos anos 40 era ser estrela de cinema. Se a moça fosse bonita, então seu destino fatalmente seria um dos grandes estúdios de Hollywood. Elizabeth Russell era uma jovem lindíssima nascida em Chicago em 21 de setembro de 1924. Para facilitar as coisas Elizabeth mudou-se com a família para Santa Mônica, na Califórnia, muito mais perto da capital do cinema. Nos planos de Elizabeth não estava o torvelinho que envolvia os filmes, pois o que ela desejava mesmo era ser artista plástica. Para isso estudava na Santa Mônica High, onde também estudava uma outra moça de sobrenome Russell, igualmente bonita, um pouco mais alta e que atendia pelo nome de Ernestine Geraldine Russell. Assim como Elizabeth adotaria mais tarde o nome artístico de Gail Russell, a moça alta passaria a ser conhecida no cinema como Jane Russell. Descoberta por acaso, aos 18 anos Gail Russell já havia sido contratada pela Paramount. O estúdio a convencera que a arte cinematográfica era tão importante quanto qualquer outra arte, só que pagava bem melhor. Apresentada como uma nova Hedy Lamar, devido à sua esplendorosa beleza, Gail era excessivamente tímida, o que não a impediu de estrear em um dos filmes da série ‘Henry Aldrich’ (“Henry Aldrich Gets Glamour”), em 1943. Essa série era a resposta da Paramount ao sucesso estrondoso que Mickey Rooney obtinha na Metro com sua série “Andy Hardy”. A seguir, em 1944, Gail fez uma ponta em “A Mulher que não sabia Amar”, com Ray Milland. O próximo filme de Gail Russell, já como estrela, foi ao lado do mesmo Ray Milland em “O Solar das Almas Perdidas”. Gail interpretou ‘Stella’, personagem que ajudou a tornar inesquecível a canção-tema “Stella by Starlight”, de Victor Young. Para enfrentar sua conhecida timidez diante das câmaras, Gail foi induzida por profissionais mais experientes a tomar uma bebida antes de cada cena, para relaxar e ter melhor desempenho. A partir de 1945 Gail Russell atuou em uma série de filmes, entre os quais “Almas em Flor”, “Mocidade em Flor”, “Medo que Domina” com Joel McCrea, Quase uma Traição” e “Calcutá”, ambos com Alan Ladd, então o principal galã da Paramount. Vieram depois “Ao Cair da Noite” e “A Noite tem Mil Olhos”, este ao lado de Edward G. Robinson.

Gail com o marido Guy Madison e com o amigo John Wayne


 CASAMENTO, DECLÍNIO E O TRÁGICO FIM – Entre esses filmes Gail Russell teve a oportunidade de contracenar com o grande astro John Wayne em “O Anjo e o Bandido” (Angel and the Badman), em 1947 e em “O Rastro do Bruxa Vermelha” (Wake of the Red Witch), em 1948. Nesta altura de sua carreira as pequenas doses tomadas para encorajamento no trabalho passaram a se tornar mais frequentes. A bebida era necessária agora para comer, para dormir e para qualquer outra atividade a qual Gail se propusesse. O álcool tornara-se o companheiro da insegura atriz cujo rosto começava a demonstrar as marcas deixadas pelo traiçoeiro “amigo”. Dessa fase são os filmes “Capitão China” e “El Paso” (ambos ao lado de John Payne) e “Canção da Índia”, com Sabu. Repentinamente Gail afastou-se do cinema e acabou por ceder à longa corte que o jovem e simpático ator chamado Guy Madison lhe fazia. Casaram-se em julho de 1949 e separaram-se seis meses depois. Mais tarde houve uma reconciliação seguida de divórcio em 1954. Durante o casamento com Madison, Gail não conseguiu se afastar do vício, o que dificultou a vida conjugal, sendo que ela foi detida pela polícia e presa diversas vezes por dirigir embriagada. Mas o fim de seu casamento com Guy Madison tinha por trás o nome de John Wayne. Os estúdios, por sua vez, não queriam saber de uma atriz que tinha fama de bêbada. O último trabalho razoável de Gail Russell foi ao lado de um ator iniciante conhecido por Rock Hudson, em “escola de Bravos”, em 1951. Gail Russell estava sempre nos noticiários, mas não devido a seus filmes e sim aos problemas com guardas de trânsito da Califórnia e também por ser acusada de responsável pelo fim do casamento de John Wayne. A produtora Batjac de John Wayne produziu em 1956 o western “Sete Homens Sem Destino” (Seven Men From Now) e John Wayne chamou Gail Russell para o papel principal ao lado de Randolph Scott, papel esse que John Wayne não pode fazer devido a seu compromisso com John Ford em “Rastros de Ódio”, rodado no mesmo período. Gail Russell teria ainda outra boa oportunidade em “Epílogo de uma Sentença”, ao lado de Jeff Chandler. Nesse filme dirigido por Jack Arnold a insegura Gail ratificou que era mesmo boa atriz. Marcada pelos episódios escandalosos Gail Russell não mais encontrou trabalho como atriz, a não ser duas aparições em séries de TV, uma delas em “O Rebelde”, com Nick Adams interpretando o rebelde Johnny Yuma. O último filme de Gail Russell foi “Silent Call”, modestíssima produção que quase ninguém viu. Se pouca gente assistiu ao último filme de Gail, ela própria também não chegou a vê-lo pois em 27 de agosto de 1961 Gail foi encontrada morta no pequeno apartamento alugado em que vivia. Estava cercada por garrafas de vodka vazias e pelas inúmeras telas que pintara. Sem encontrar trabalho no cinema, Gail voltara a pintar para sobreviver. Pouco antes de morrer Gail havia dito a sua mãe que tentaria voltar ao cinema, o mesmo cinema que lhe deu uma efêmera fama e que, indiretamente, foi o responsável por lhe roubar a beleza e por lhe tirar a própria vida.

Gail Russell próxima do fim, aos 36 anos


PARABÉNS, DUKE!

John Wayne nasceu em 26/5/1907

John Wayne é a mais exata tradução do western. Reinou por 40 anos como o principal ator desse gênero e sua persona é hoje admirada por todos, até mesmo por aqueles que não são westernmaníacos. Wayne nem sempre teve o devido respeito como ator, mas quem o viu em "Rastros de Ódio" certamente mudou seu conceito sobre esse verdadeiro cowboy do cinema. E como ficar insensível vendo-o interpretar Ethan Edwards? E como não se emocionar com essa que foi uma das supremas atuações de um ator no cinema? O próprio Jean-Luc Godard confessou que lágrimas rolaram em seu rosto ao ver John Wayne (Ethan) elevar a pequena Debbie nessa obra-prima de John Ford. Ao longo de sua carreira Wayne deu aos espectadores, através dos personagens que interpretou, a alegria de ver o bem triunfar sobre o mal; levou os exemplos de como deve ser a têmpera de um homem do Oeste; mostrou com seu jeito por vezes rude e grosseiro que covardia não combina com cowboy; porém, mais que tudo, Duke amou o western e em cada um de seus filmes esse comovente amor está exposto, para nossa felicidade. Parabéns, Duke, parabéns, John Wayne!

23 de maio de 2011

CORREIO DO INFERNO, ESPLÊNDIDO WESTERN COM SUSAN HAYWARD


Henry Hathaway foi um dos grandes diretores de westerns e são muitos os magníficos faroestes que pontilham em sua longa carreira. Um deles é “Correio do Inferno” (Rawhide), de 1951, um perfeito clássico do gênero, ainda que pouco se fale dele. Filme conciso, intenso na sua ação e excepcionalmente bem interpretado, “Correio do Inferno” é exemplar na ambientação de um posto de troca das parelhas de cavalos das diligências e mais ainda na caracterização das personagens do Velho Oeste. O roteiro é de Dudley Nichols, bastante conhecido pelo screenplay de “No Tempo das Diligências” e por outras colaborações com John Ford. Se na obra-prima de 1939 (“Stagecoach”) os grandes espaços e as cenas de ação eram o ponto alto do filme, “Correio do Inferno” é quase claustrofóbico, dando ênfase especial aos personagens dessa pequena e emocionante história.

CORREIO DO TERROR - Quatro bandidos fugitivos de uma prisão - Zimmerman (Hugh Marlowe), Tevis (Jack Elam), Yancy (Dean Jagger) e Gratz (George Tobias) - dominam um posto intermediário de rota de diligências. Pretendem aguardar uma diligência que deverá chegar para fazer a troca das parelhas no dia seguinte. Permaneceu no posto aguardando embarque nessa diligência a Senhorita Vinnie Holt (Susan Hayward) que tem sob sua guarda um bebê, que é sua sobrinha e que tem pouco mais de um ano de idade, ensaiando ainda os primeiros passos. O líder do bando quer que tudo no posto pareça normal, mesmo assim o responsável pelo local, o velho Sam Todd (Edgar Buchanan) é morto pelo sanguinário Tevis. O sobrinho deste, Tom Owens (Tyrone Power) é mantido sob estreita vigilância. Tom, Vinnie e o bebê Callie (Judy Ann Dunn) ficam confinados a um quarto no posto. Durante as horas de espera as diferenças entre os bandidos se acentuam e alteram a situação quando Tevis mata Zimmerman e Gratz. Tom e Vinnie conseguem escapar e ocorre um inesperado desfecho quando Tevis ameaça o bebê e acaba morto por Vinnie. Quando a diligência do dia seguinte finalmente chega, a situação aparenta normalidade escondendo o horror vivido nas últimas 24 horas.

WESTERN SOBRE MALFEITORES - O que torna “Correio do Inferno” um western fascinante e diferente é a fragmentação do bando chefiado por Hugh Marlowe. De modo geral um bando de foras-da-lei é formado por um líder mais inteligente e os chefiados que lhe prestam irrestrita submissão. “Correio do Inferno” faz um estudo do caráter de alguns homens e das razões que os levaram ao crime. Marlowe foi condenado por haver cometido um crime passional, uma vez que matou a esposa e o amante dela. Jack Elam é um psicopata com desvios libidinosos. Dean Jagger é um arrependido ladrão de cavalos sem a maldade necessária para se tornar bandido. O fora-da-lei interpretado por George Tobias não é inteligente o suficiente para decidir seu destino, precisando de um líder para tutelar sua vida de fora-da-lei. Jack Elam não se conforma em ser humilhado por Marlowe que lhe impõe um comportamento que o impede de saciar seu sadismo e sua incontida sede de sexo, até que seu descontrole o leva a liquidar Marlowe. Elam é psicótico e também cínico, capaz de uma dura ironia contra Marlowe quando, ao manifestar seu interesse por Susan Hayward, diz a Marlowe que este não gosta de mulher e que ele gosta porque não tomou o remédio que Marlowe teria tomado, numa referência à traição da esposa deste. Dean Jagger é o bandido da alma boa e muito vaidoso, aprumando-se diante de um espelho e tentando calçar sapatos finos que não lhe cabem nos pés. Jagger é preso novamente depois de tentar fugir, mas Tyrone Power recomenda-lhe uma pena leve. Essa acurada análise de Dudley Nichols sobre malfeitores seria igualmente bem repetida em “O Homem do Oeste” (Man of the West), de Anthony Mann e em “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch). Mas nenhum destes filmes têm Susan Hayward no elenco.

A FASCINANTE SUSAN HAYWARD - O rol das grandes atrizes norte-americanas tem em Susan Hayward um dos nomes mais brilhantes. Seus desempenhos dramáticos a alçaram àquele honroso panteão onde se encontram os maiores talentos femininos do cinema. Ver Susan atuar é motivo de enorme satisfação pois além de sua arte de intérprete, era ela uma belíssima mulher. Linda e sensual. Neste western, praticamente sem mostrar nada de seu corpo (há apenas uma rápida cena de banho), ela fascina o espectador masculino, assim como fascinou o personagem de Jack Elam. Tyrone Power pouco tem a fazer em “Correio do Inferno” pois seu personagem nada exige. Por outro lado dimensionam-se os personagens dos quatro bandidos propiciando a cada um deles ótimas interpretações. Excelente Dean Jagger como o bandido vaidoso. E o filme tem Jack Elam! Certamente Henry Hathaway percebeu o grande potencial artístico do ainda esquálido Jack Elam, em início de carreira. Mas sua incrível interpretação como o sádico facínora Tevis em “Correio do Inferno” pouco ajudou em sua carreira pois Jack Elam teria de esperar muitos anos ainda até ser descoberto como o ator excelente que foi. Não por acaso Sergio Leone o homenagearia com o célebre início de “Era uma Vez No Oeste”. Deve ser ressaltado o trabalho de Henry Hathaway com o bebê, algo jamais visto no cinema, especialmente em um western. Acredito que ninguém jamais tenha perguntado a Hathaway qual a técnica por ele utilizada para extrair de um bebê de pouco mais de um ano uma “atuação” tão perfeita. E Hathaway por certo exagerou, especialmente na cena em que Jack Elam alveja a criança e os tiros de festim espocam a centímetros dela, assustando-a. Essa sequência levou à proibição do filme em alguns países como a Finlândia, onde “Correio do Inferno” foi simplesmente banido. No elenco, em papéis menores estão James Millican e Jeff Corey.

HATHAWAY, DIRETOR DE WESTERNS CLÁSSICOS - Filmado em Lone Pine, “Correio do Inferno” reafirma a competência de Henry Hathaway na direção de westerns. Hathaway começou sua carreira como diretor, nos anos 30, dirigindo uma série de westerns estrelados por Randolph Scott. Retornou ao western com “Correio do Inferno” e enriqueceu o gênero com “Jardim do Pecado”, “Caçada Humana”, “Fúria no Alaska”, “A Conquista do Oeste” (Hathaway dirigiu a maior parte do filme), “Os Filhos de Katie Elder” e “Bravura Indômita”. Hathaway merece ser lembrado como um dos grandes diretores do faroeste. Para quem ainda tiver dúvidas, assista “Correio do Inferno”, assuste-se com Jack Elam e fique fascinado com Susan Hayward.